Entrevista | Licínio Januário – criador da plataforma WoloTv

Confira a entrevista exclusiva do Otageek com Licínio Januário sobre a WoloTV e seus objetivos!

Licínio Januário é ator, diretor, roteirista e produtor. Nascido na Angola, o artista está tendo uma progressão em seu material muito interessante, perpassando por diferentes setores do entretenimento brasileiro. Em 2018, venceu o Prêmio Shell de Teatro pela curadoria da Segunda Black, além de ser responsável pelo canal Tela Preta TV, selo que comporta um aglomerado de programas dirigidos e criados por pessoas negras.

Licínio co-roteirizou, produziu e dirigiu o curta A Namoradeira, que foi selecionado para festivais internacionais como o “Rome Independent Prisma Awards”, o “ARFF Barcelona International Awards” e o “Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, Brasil, África, Caribe e outras diásporas”. O criador, em 2020, lançou a plataforma Wolo TV, a primeira plataforma SVOD brasileira direcionada para a criação de narrativas voltadas para a população negra.

Licínio Januário olhando em linha reta posando para uma foto
Licínio Januário, criador da WoloTV.

Tivemos a oportunidade de entrevistar o criador e descobrir melhor as motivações e os objetivos do streaming. Confira aqui:

Entrevista com Licínio Januário

Otageek – O projeto da WoloTV é muito ambicioso dentro de uma realidade onde muitas pessoas pretas brasileiras sentem dificuldades em se identificar como tais. Existe alguma intenção dos projetos originais da WoloTV de ajudar nesse processo de identificação, fazendo com que pessoas negras analisem melhor suas vivências?

Licínio Januário – Esse é um dos pilares da formação da WoloTV. A gente vive em um país majoritariamente negro, mas com uma comunicação visual que nos seus mais de 60 anos – acho que a televisão brasileira tem aproximadamente seus 60-70 anos – construiu uma imagem negativa para a população negra. E a gente sabe muito bem que o audiovisual é a maior ferramenta de educação do mundo, não tem como fugir disso. É a maior ferramenta de educação do mundo porque envolve vários setores, tanto que é chamada de sétima arte porque junta tudo.

Então, durante 60 anos a gente nunca teve autonomia. Lógico que tivemos processos de tentativas de termos autonomia para nossa reconstrução da sociedade. E essa era da internet veio para nos ajudar nesse sentido, porque antes tínhamos que brigar nas plataformas e canais tradicionais. Hoje temos como fazer isso por mãos próprias. Então a Wolo parte desse sentido sim, de um pilar econômico também que é muito importante, porque a nossa cultura é o passaporte desse país, mas nós não temos o domínio econômico do que a nossa cultura gera.

Então a Wolo vem com essa mensagem também, dos nossos frutos econômicos virem para a gente, com as nossas mãos, para construirmos um futuro melhor para o nosso povo. Então a gente engloba tudo isso, essa questão social e essa questão econômica, para a gente reconstruir essa imagem e contribuir em todos os movimentos que já existem para as próximas gerações.

Otageek – A Casa da Vó tem uma inspiração muito direta de séries famosas americanas, mas houve alguma dificuldade em trazer essas inspirações exteriores para uma realidade brasileira? Como ocorreu esse processo de ligação entre a nossa cultura preta e a cultura preta estadunidense?

Licínio Januário – Vamos lá (risadas)! A Casa da Vó não tem esse viés, o único viés que trazemos das sitcoms americanas é a questão da família mesclada com questões políticas e sociais, e essa é a nossa grande semelhanças com as comédias negras americanas. A nossa base é toda brasileira e angolana, a nossa pesquisa foi lá nas nossas lembranças de como eram as nossas convivências nas casas das nossas avós, como elas eram.

E isso eu digo da parte do Alex Miranda, que vem lá do interior da Bahia, isso da minha parte, que vem de Angola, da Érica Ribeiro, que vem de Salvador/São Paulo, da Milana Anjos, de Salvador. Então a gente foi para a nossa família, entendeu? Mesclamos isso, como era nas casas de nossas avós e as questões contemporâneas que nós estamos tentando quebrar na nossa sociedade. Então, resumindo, as narrativas negras são iguais em todas as partes do mundo.

A internet veio para mostrar isso, o que mais fez a internet crescer nos últimos dez anos foram as narrativas negras, as questões políticas, as questões de beleza que os negros americanos estão falando e nós, negros brasileiros, estamos falando também. As narrativas são as mesmas e é isso, nossos pensamentos são os mesmos. E se esses caras estão mostrando o que acontece na casa deles, por que nós não estamos fazendo o mesmo? Estão mostrando a mesma coisa que a gente vive.

Equipe de produção de A Casa da Vó
Bastidores de A Casa da Vó.
Otageek – Você já teve outras experiências trabalhando e escrevendo textos para o teatro, mas agora, no mundo das séries, o processo de escrita é diferente. Houve alguma dificuldade em criar a narrativa para a TV?

Licínio Januário – Eu comecei escrevendo audiovisual, na verdade, meus primeiros textos foram para o audiovisual. Minha primeira linha de estudo de escrita foi para o audiovisual, isso em 2012-2013. O mercado era muito mais difícil e decidi dar um passo para trás. Comecei a minha trajetória no teatro, até que eu voltei para o roteiro, enfim, até com mais experiências também e foi uma experiência massa de aprendizado, de mapeamento, de vários coletivos e narrativas que esses coletivos pretos ainda estão tentando trazer para o mainstream.

Então é isso, comecei escrevendo roteiro, fui para o teatro ter essa bagagem maior e daí voltei para o roteiro. Eu sempre falo para as pessoas que um roteiro é bom quando a base inicial é boa. As pessoas têm medo do roteiro audiovisual porque ele foi dominado por pessoas brancas, mas temos muitas histórias para contar e tudo que vem da gente tem uma potência e uma mensagem muito grande.

Otageek – A série conta com nomes bem populares de artistas negros. Como foi o processo para escalar os atores para o projeto? Já havia alguns nomes em mente?

Licínio Januário – Então, esses atores foram bem calculados para o objetivo da Wolo, que era atingir a massa. Esse é um dos pontos nos quais a gente se baseou, nos processos dos Estados Unidos dos anos 80 e 90, que tinham pessoas pretas com grande público espontâneo indo para o audiovisual.

Isso foi um processo de virada das pessoas pretas na indústria do entretenimento, foi quando eles começaram a dominar o entretenimento, de fato, quando o pessoal da música e do stan-up comedy começou a estar em todas as telas, em todas as casas e tudo mais. Então esse é um dos pontos estratégicos da Wolo, pegar esse pessoal que tem um público espontâneo para nossa plataforma e fazer a gente caminhar junto com os atores e diretores que já estão há mais tempo na caminhada, trazer essa troca de experiência.

Otageek – O Brasil parou esse ano com a discussão do movimento Black Lives Matter, que impactou muito nossas discussões, além de impulsionar muitos projetos nos Estados Unidos. Já aqui tivemos o Vidas Pretas Importam pedindo justiça para mortes trágicas. Existe alguma intenção por parte da WoloTV de contextualizar as discussões do Vidas Pretas Importam em suas produções?

Licínio Januário – Então, está sim no nosso DNA, porque esses movimentos sempre existiram aqui no Brasil também. Fazer essa comparação é uma aula para a gente porque o movimento Black Lives Matters é o mesmo que o nosso Vidas Pretas Importam, que acontece diariamente nas quebradas, vendo os nossos trabalhando na casa de pessoas ricas, nos transportes públicos. Esse movimento sempre existiu e sempre vai existir, a grande diferença entre nós e eles é que eles levaram esse movimento para o mainstream.

O mainstream é a maior ferramenta de denúncia da comunicação. Então, tipo, está no DNA da Wolo brigar pelo nosso espaço no mainstream, para a gente ter o mesmo impacto. Ficou muito nítido para a gente que ‘tava’ acontecendo a mesma coisa aqui no Brasil como no Black Lives Matters e a gente não tinha o mesmo impacto porque não estamos no mainstream. Essa ânsia é uma das nossas missões e está no nosso DNA.

Dois homens sentados filmando um cena de A Casa da Vó em um restaurante
Bastidores de A Casa da Vó.
Otageek – Você trabalhou na novela da Globo Segundo Sol, que ficou marcada pelo mal tratamento de personagens negros e pela falta deles também. A novela se tornou um parâmetro para analisar o tratamento de pessoas negras na TV?

Licínio Januário – Em relação a isso, eu sempre busco alertar gente sobre a nossa memória curta. Essa denúncia sobre atores pretos dentro de novelas sempre existiu, todo ano surge essa denúncia, entendeu? Cara, minha relação com a novela foi estreitamente profissional, eu sou um ator, fui lá e ganhei o meu dinheiro. Eu fui pago pela excelência do meu trabalho, não participei do processo crítico dentro da novela, fiz apenas uma participação, então, não posso e não tenho bagagem para falar da novela como um todo.

Otageek – A WoloTV tem recebido investimento dos Estados Unidos para se firmar, mas o foco dela é se posicionar dentro do mercado brasileiro. Como a WoloTV se diferencia dos streamings que já existem no Brasil e qual é o processo de marketing pensado na expansão?

Licínio Januário – É… (risadas) então, a gente acredita que o que diferencia a Wolo das plataformas já existentes é a questão de investimento em marketing, e estamos falando de um investimento muito alto. Não somos apenas uma empresa preta, o investimento que a gente necessita para entrar nessa corrida não vem daqui do Brasil. Ninguém vai fazer um investimento grande, é muito difícil alguém no Brasil fazer um investimento grande numa empresa como a Wolo, que busca um caminho novo para o entretenimento.

Infelizmente, o pessoal aqui não está tão evoluído assim, vamos ser sinceros, já era para a gente estar em outro lugar. 50% do CNPJ brasileiro é preto e não vemos eles no mainstream, não vemos eles sendo citados nos maiores jornais como empresas milionárias porque é exatamente o marketing o nosso calcanhar de Aquiles, o marketing para a gente reeducar o povo. Então, a WoloTV é uma plataforma que tem como pretensão fazer uma reeducação sobre esse consumo do nosso povo.

E aí eu não falo apenas da população negra, mas sim do povo em geral, que o povo tem uma aversão ao que é produzido por pessoas pretas. Cara, a gente fala que o Brasil é continental, então o mercado é continental, queremos explorar locais onde as pessoas não são representadas como Norte e Nordeste. Por exemplo, o marketing de rua é super simbólico e funciona super, mas o marketing digital também pega muito nas pessoas, e eu falo de marketing como Google Ads, que tem um público muito espontâneo.

Estamos buscando muito investimento direcionado a isso e às ferramentas tradicionais. A nossa diferença é que nós queremos explorar o Brasil regional e não apenas o eixo Rio-São Paulo. Embora as outras partes do Brasil, fora sudeste, busquem mais exaltar a cultura e as narrativas populares e nacionais, o sudeste é o que detém esse poder e queremos levar esse poder para outras regiões que possuem um público espontâneo muito grande.

Família reunida para jantar em A Casa da Vó
Cena de A Casa da Vó.
Otageek – WoloTV está começando com uma série de comédia, mas existem planos para trabalhar outros gêneros televisivos futuramente? Algum ator em específico também para próximas produções?

Licínio Januário – A gente tem um catálogo muito grande e a gente tem mapeado produtos para aquisição. Isso não só do Brasil como também dos países de língua-portuguesa, aí posso pautar Angola, Moçambique, Cabo Verde e Portugal. A gente quer unir esse mercado, que detém cerca de 300 milhões de pessoas. Então a gente ‘tá’ mapeando esses produtos para trazer um catálogo nunca visto e potencializar as diásporas lusófonas portuguesas como indústria, de fato.

Otageek – Para encerrar, gostaríamos que você contasse para nossos leitores como eles podem fazer para assistir as produções do WoloTV.

Licínio Januário – Acessar nossas produções é muito fácil. Nossa plataforma é linda, é rápida e dinâmica. Basta ir em www.wolotv.com.br e consumir nosso conteúdo e nossa mensagem.

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Riuler Luciano
Riuler Luciano

Jornalista Cultural e Marketeiro, cresceu lendo quadrinhos dos X-MEN é amante de Cultura Pop e Pequi!

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