Entrevista | Carlos Magno – o desenhista que ilustrou a HQ que deu origem ao Kong do MonsterVerse

O Otageek conversou com Carlos Magno, desenhista brasileiro que ilustrou a HQ oficial de Kong no MonsterVerse.

Godzilla e Kong: O Novo Império apresenta um novo símio e um novo capítulo ao MonsterVerse que começou lá em Godzilla (2014) e passou pelos quadrinhos. Kong: A Ilha da Caveira (2017) é não só um reboot como uma adaptação da HQ Kong of the Skull Island, nunca lançada no Brasil. 

O Otageek conversou com Carlos Magno, desenhista brasileiro que ilustrou a HQ oficial de Kong no MonsterVerse, além de Transformers, Hellraiser, Contagem Regressiva para a Crise Final, O Reino dos Supermen e está trabalhando na série Immortal Thor.

Carlos Magno ao lado do dublador de Chewbacca, Peter Mayhew.

Carlos Magno (à dir.) ao lado de Peter Mayhew, dublador de Chewbacca

Otageek– Como começou sua carreira? Qual foi a sua formação? 

Carlos Magno- Olá, Sou Carlos Magno, artista de história em quadrinhos. Sou um apaixonado por comics desde pequeno. Se algum dia alguém me perguntasse o que eu gostaria de ser quando crescesse, eu diria que desenharia o (Incrível) Hulk para a Marvel Comics

Minha vida toda olhei com olhos de um artista, sempre analisando o mundo ao meu redor. Isso sempre foi muito forte em mim.  

Mas somente muitos anos mais tarde, em 2005, depois de me formar em pintura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, eu ingressei em minha vida profissional de quadrinhista, desenhando o Jonah Hex para a DC Comics. Não deu muito certo no começo, mas foi o gatilho inicial para eu mergulhar de vez no mercado americano e abandonar de vez a ilustração publicitária, o qual era pra mim, um mercado bem ingrato.  

Otageek- Uma vez, Marcelo Cassaro, ilustrador e escritor da antiga Dragão Brasil disse que, quando criança, todos desenhamos. Você desenha desde criança?

Carlos Magno- Sim, isso é tão antigo quanto eu posso me lembrar. Minha primeira lembrança é de estar no colo dos meus pais desenhando. Minha vida toda eu olhei o mundo com olhos de um artista, sempre analisando o mundo ao meu redor sob esse aspecto. Não poderia ser diferente, afinal, isso sempre foi muito forte em mim.  

Otageek- Como é o mercado lá fora para desenhistas brasileiros e latinos?

Carlos Magno: É difícil dizer. Isso sempre foi uma questão muito pessoal, pois quase não converso com outros artistas. Eu deveria, mas a minha responsabilidade com o meu trabalho impede que eu veja o mercado sob a perspectiva de outro artista. Mas para mim, é tão difícil quanto (qualquer) outra profissão. 

Ser um quadrinhista é um trabalho duro que exige muita responsabilidade… não importa qual seja sua nacionalidade. É também uma profissão muito solitária que só é aplacada com a conversa quase que diária com o seu editor. Sob esse ângulo, o mercado tem sido bom pra mim, pois sou um profissional dedicado e responsável. Eu estou disposto a aprender e a ouvir e sempre me dedico de coração aos personagens que me são entregues. 

Otageek- Você desenhou a DC e depois para a Marvel. Quais HQs e personagens ilustrou para as duas editoras?

Carlos Magno: Caramba, quase todos! Vamos ver: pra DC, desenhei a série Contagem Regressiva para a Crise Final, OMAC, Superman: O Reino dos Supermen, Ciborgue. Nesses todos os personagens da Liga da Justiça e Titãs estavam inclusos, como Batman, Superman, Lanterna Verde e outros.

Carlos Magno e Neal Adams

Carlos Magno (à esq.) ao lado da lenda Neal Adams.

Pra Marvel eu desenhei o Hulk, Namor, Capitão América, Tocha Humana Original em Invasores. Desenhei os Vingadores Selvagens que foi eleita a melhor publicação da Marvel em 2022. Trabalhei no Quarteto Fantástico com o Carlos Pacheco e fiz a série do Kang. Hoje estou desenhando uma edição do Immortal Thor e em seguida, volto para o Capitão América

Otageek- Após sair da Marvel, você ilustrou a HQ Kong of the Skull Island e o crossover de Kong com o Planeta dos Macacos (Kong on the Planet of the Apes), cuja capa alude a As Viagens de Gulliver. Também desenhou Transformers, da IDW e o bestiário de Hellraiser. O que mais você ilustrou?

Carlos Magno: Bom, eu ainda estou na Marvel, mas foi um vai e vem saudável e agradável, antes de eu ficar lá desde o final de 2017. 

Capa da HQ Kong on the Planet of the Apes.

Mas antes disso, Eu desenhei Deathmatch pra BOOM! Studios, e Robocop, antes de embarcar na equipe criativa do Lantern City do Matt Delay e Trevor Crafts. Fora isso, foram vários pequenos títulos dos Planeta dos Macacos. 

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Otageek- Como surgiu o convite pra desenhar Kong, Transformers e Hellraiser?


Carlos Magno- Para os Transformers, eu praticamente me convidei. Um belo dia, fiz uma amostra e mostrei para o Chris Ryall da IDW e me contrataram. Fiquei desenhando o título por dois anos. Foi legal.

Ser um quadrinhista é um trabalho duro. Uma profissão solitária, só aplacada com a conversa quase que diária com o seu editor. 

Kong foi um sonho realizado. Mesmo. Depois do sucesso com Planeta dos Macacos, a editora achou que seria legal se eu fizesse o Kong. Foi algo mais visceral e menos a ver com os filmes. 

Capa do bestiário de Hellraiser.

Hellraiser foi inusitado. Não esperava desenhar o título, mas foi bom ter aceitado pois foi o primeiro material que eu fiz cuja arte-final foi feita do jeito tradicional, feito à mão: nanquim, pincéis e canetas. Não gostei muito do resultado final, mas serviu como base pra futuros projetos. 

Otageek- Quais os seus projetos atuais? O que você tem desenhado agora?

Carlos Magno- Desenhei Captain America: Cold War. Depois Cap Wolf e os Howling Commandos. Fiz as edições 7 e 8 do Capitão América da revista regular. Estou desenhando um Immortal Thor e depois disso, vou voltar para o Capitão América. Ainda não sei ao certo o que o futuro reserva. 

Otageek- Muitos dizem que basta ter estudo e treino. Outros dizem que é necessário talento. Qual a sua opinião? Para ser desenhista, basta estudar e treinar ou tem que ter o dom?

Carlos Magno: Caramba, eu pensei muito nessa pergunta. Eu sempre vejo nas mídias sociais esse negócio de virar profissional em um ano. Eu realmente fico zangado com isso. Zangado mesmo. Eu passei quarenta anos de minha vida estudando desenho e continuo estudando. Como é que aparecem esses cursos milagrosos prometendo transformar qualquer pessoa em artista?

Eu sempre vejo nas redes sociais esse negócio de virar profissional em um ano e fico realmente zangado com isso. Zangado mesmo. Passei quarenta anos da minha vida estudando e continuo estudando.

Se alguém colocasse uma guitarra em suas mãos você teria a capacidade de tocar como o (Jimi) Hendrix? As pessoas não querem mais se aprofundar, gastar tempo para aprender algo novo. As pessoas querem satisfação instantânea… aprender milagrosamente com a velocidade de um reels. Eu digo para as pessoas para terem cuidado com esses cursos de desenhos. É mentira, enganação. Você precisa ter aquela chama, precisa ter a vocação para ver o mundo com olhos de um artista. Não se ensina isso. Não tem método ou curso. 

As pessoas não querem mais se aprofundar para aprender algo novo. Querem satisfação instantânea. Esses cursos de desenho são mentira, enganação. Você precisa ter a chama para ser artista. Não se ensina isso.

Não existem dicas… até mesmo os conselhos podem ser traiçoeiros. A maturidade e a experiência de vida e trabalho vão lapidar o artista em você. Mesmo quando eu estava na faculdade de pintura, via como as coisas são difíceis e muitas vezes insuperáveis. Fui entender mais tarde o motivo da prévia antes do vestibular para ingressar na faculdade. 

Você não ingressa na faculdade de pintura para aprender desenho. Está ali pra tentar entender a arte como um veículo que melhora o mundo e as pessoas. 

Você não está ali pra aprender desenho. Está ali pra tentar entender a arte como um veículo que melhora o mundo e as pessoas. Ainda tem coisas que são extremamente inalcançáveis e voce vai passar a vida toda tentando superar. Não vai ser um curso de um ano que vai trazer essa maturidade para você.    

Otageek– Seu traço é bem “das antigas”, sendo o típico traço italiano, realista. Hoje em dia está em voga e o ligne claire ou o mangá, principalmente na técnica de animação, mesmo quando o traço é ligne claire como ocorre em Invincible. O que acha desses traços em relação ao traço mais realista?

Carlos Magno- Eu adoro. Eu sempre vejo esse tipo de trabalho. Meu desenho tem bastante sombras e traços… é rico em detalhes. Ver algo que se difere do meu estilo é muito gratificante. Sempre tem algo pra se aprender com qualquer estilo. Uma vez, eu vi um filósofo falar que somos aquilo que nos influencia. Dizer que nosso trabalho, qualquer trabalho, é uma compilação filtrada de influências é mais do que certo. 

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Otageek– Nas HQs, o universo de Kong e Godzilla são bem mais ricos do que nos filmes e o MonsterVerse tem tentado levar isso para as telas. O que você tem achado do MonsterVerse?

Carlos Magno: Na verdade eu não acompanhei muito o MonsterVerse. Qualquer tipo de crossover chama pouco minha atenção. Eu sou um grande fã do Kong e da sua história.

A HQ Godzilla: Cataclysm que mostra o personagem Hiroshi, já idoso e o mesmo personagem, jovem, na série Monarch: Legado de Monstros

Hiroshi, da minissérie de quadrinhos Godzilla: Cataclysm e em sua juventude na série Monarch: Legado de Monstros

Adoro o King Kong de 1976 e o roteiro do Lorenzo Temple Jr., mas não sou muito adepto do Godzilla. Eu tentei assistir uma ou duas vezes e tentar entender a mitologia em torno do personagem… mas a coisa simplesmente não foi pra frente.  

Otageek- Kong of the Skull Island mostra o universo dos Kongs mais focado nas relações entre as tribos num universo jungle fantasy. Isso foi tentado de leve no filme de 2017. Da mesma forma, o último Hellraiser mostra elementos presentes nas HQs. O que acha de como ambos os universos são mostrados no cinema em relação a como são mostrados nos quadrinhos?

Carlos Magno: Eu acho bem legal. A literatura está toda ali. Se a utilizarmos para enriquecer um roteiro, eu acho que é bem vindo. Mas temos que ter cuidado com as adaptações.  Algumas vezes, na maioria das vezes, as coisas tendem a não dar muito certo. Veja a adaptação do último Cemitério Maldito. Foi decepcionante. 

Esticar o conceito de uma história simples e bela para se fazer dinheiro é realmente muito triste.

O contrário, eu posso dizer dos Senhor dos Anéis e Duna do Villeneuve. Infelizmente, não posso dizer o mesmo de O Hobbit. Esticar o conceito de uma história simples e bela para se fazer dinheiro é realmente muito triste.  

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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