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Tokyo Revengers, Manji e os símbolos nazistas em obras orientais
Com a ascensão da popularidade de Tokyo Revengers no ocidente, mais uma vez a discussão da utilização de simbologias com diferentes significados em obras de animação entra em foco. Nas imagens promocionais do mangá, os personagens principais (todos loiros e com pele clara) são apresentados no terraço de um prédio, usando uniformes pretos contendo o símbolo manji em vermelho no braço.
Obviamente, um grande número de pessoas estranhou a imagem e teceu suas críticas sobre a semiótica (toda composição de imagens tem um significado ou objetivo) por detrás desta campanha. Não demorou muito para surgir defensores explicando o significado do manji e seu contexto cultural no oriente.
E foi assim que o cenário de discussões e problematizações se formou. Contudo, quais foram os argumentos levantados por ambos os lados? Com qual frequência isso aparece em obras orientais? É importante entendermos a história do Japão nessa discussão?
Tokyo Revengers
É um mangá criado por Ken Wakui que começou a ser publicado em março de 2017 na Weekly Shōnen. Recentemente, foi adaptado para anime e está sendo disponibilizado pela Crunchyroll. Fazendo uma breve sinopse, o enredo apresenta o protagonista Takemichi Hanagaki, que consegue viajar no tempo para evitar alguns acontecimentos os quais se conectam com uma gangue japonesa chamada Manji. E devido a esse motivo, então, a simbologia aparece tanto na série.
Desde que estourou a bolha da popularidade, as imagens promocionais de Tokyo Revengers tomaram destaque na mídia. A internet se dividiu em dois grandes grupos: de um lado temos os críticos tecendo fortes opiniões contrárias sobre a utilização dessa simbologia e do outro temos os defensores argumentando sobre o uso cultural do manji. Vamos nos aprofundar em cada um dos pontos a seguir.
A crítica e o histórico do Japão com símbolos nazistas na cultura pop
O grupo que levanta pontos de crítica analisa essa imagem sob um olhar semiótico, ou seja, afirma que as escolhas do autor para compor a ilustração e a paleta de cores são no mínimo intrigantes. O preto e o vermelho conectados à simbologia suástica causam um gatilho de memória rápido para as temáticas nazistas da Segunda Guerra Mundial.
E se torna ainda mais desafiador desvincular esse significado quando os personagens reforçam o estereótipo ariano. Para reforçar essa argumentação, os críticos ainda destacam que existe certa afetividade da cultura japonesa em relação a esses elementos nazistas.
Esse ponto pode ser apresentado através do histórico da cultura pop japonesa e seus vestígios de elementos nazistas durante décadas. Um exemplo que pode ser destacado são as bandas de visual kei dos anos 90, que fizeram uso do apelo então denominado “nazichic” para a estética dos seus membros.
Devido à ascensão dessa estética, surgiram ondas de cosplays uniformizados e essa influência atingiu diversos segmentos do mercado. Dentre os acontecimentos, vale citar que em 2011 a banda Kishidan teve uma repercussão extremamente negativa, aparecendo com réplicas dos uniformes da SS em horário nobre na TV. Isso fez com que a Sony e a MTV publicassem um pedido formal de desculpas.
Fazendo um recorte do cenário de animes, são notáveis, em uma série de obras, as aparições de referências nazistas ao longo do tempo. Nesses casos, o teor e o objetivo podem ser muitas vezes implícitos, apresentando alguns elementos que remetem a outras questões (como a cruz de ferro). Contudo, em algumas casos, tudo é bastante claro e explícito, citando até mesmo termos do regime e o próprio Adolf Hitler.
Ainda seguindo essa linha de argumentação crítica, esse grupo cita que o Japão aborda diversos momentos da sua própria história, desde a época medieval até as projeções de cenários futuristas. Contudo, um período que não é popular nas obras é a Segunda Guerra Mundial.
Das poucas obras que apresentam essa temática de forma clara, pode-se citar o filme Túmulo dos Vaga-lumes, de Ghibliretrata. Ele aborda o cenário de conflito em Tóquio nos meses finais da guerra, e é bastante gráfico ao apresentar o ambiente caótico que se sucedia (não recomendamos caso seja sensível).
O movimento de ignorar esse período, somado aos aspectos citados acima, coloca em evidência a incapacidade do país de assumir a responsabilidade por esse tempo obscuro em sua história, até, de certo modo, criar certo fascínio a esses elementos nazistas.
Conectando esses pontos à obra Tokyo Revengers, pode-se afirmar que a construção narrativa foi inspirada nas gangues Bosozoku, que tiveram sua ascensão no pós-Segunda Guerra Mundial e atingiram seu pico na década de 80 no Japão. Destaca-se que o movimento tinha um viés extremamente nacionalista e alguns membros são responsáveis por diversos ataques a comunidades estrangeiras.
Dentre muitos relatos da época, um caso que tomou notoriedade foi o do jovem nipo-brasileiro Herculano, em 1998, que foi assassinado por um grupo de jovens japoneses, alguns ex-integrantes da Bosozoku, conforme afirma a polícia.
Apresentando todo esse cenário, temos que a crítica a Tokyo Revengers é tecida justamente na romantização narrativa que acontece em torno de simbologias e organizações sociais tão problemáticas. Trazendo essas características de forma globalizada para todo o mundo (e principalmente o ocidente), era de se esperar resistência e fortes críticas à obra.
O manji e seu significado
Do outro lado desse debate, temos os defensores dessas simbologias, mas com uma argumento sobre o significado real da suástica antes da apropriação pelo nazismo. O manji (nome original do símbolo) transpassa a história cultural japonesa desde tempos antigos e está intimamente ligado à religião budista, aparecendo em uma série de locais e cerimônias no Japão. Os defensores ainda argumentam que o símbolo do manji transcende por mais de 5 mil anos, enquanto a suástica utilizada por Hitler no Terceiro Reich, em 1920, tem menos de 100 anos.
Pelo manji ser extremamente tradicional e interligado aos ritos religiosos, muitos dialogam sobre o paralelo que existe entre o apagamento dessa simbologia e a definição de apropriação cultural. Com a globalização e a popularização das obras japonesas no ocidente, fica evidente a preocupação com a deturpação de significado dessa simbologia e muitas empresas realizam o movimento de apagamento/censura do símbolo quando as obras são transpostas para o outro lado do planeta.
Sendo um símbolo tradicional da cultura japonesa, é comum e natural que influencie as obras que são produzidas no país. Em muitos animes e mangás, a simbologia é apresentada e interligada aos significados espirituais dos personagens ou ao significado de “boa sorte” ou “bem-estar”.
A edição das obras para distribuição no ocidente
O movimento de alterar o manji ao transitar as obras para o ocidente não é lá tão recente. Podemos citar como exemplo, lá na década de 90, o momento em que a Rede Manchete censurou a presença do manji na testa do personagem Kazemaru, em Yu Yu Hakusho. A alegação dessa edição é que eles tinham receio das pessoas confundirem-no com um personagem nazista. O mesmo aconteceu com a Pierrot e a Toei ao adaptarem o mangá de Naruto e One Piece, pois o símbolo do manji foi substituído por outras formas.
Mais recentemente, foi a vez de Tokyo Revengers, pois o estúdio Liden retirou o símbolo para a adaptação em anime. A Crunchyroll, stream responsável pelo anime no ocidente, postou um tweet dizendo que não participou das alterações: “Não censuramos nada. Essa é a versão que o Japão nos deu. Estamos estritamente proibidos de editar ou retocar episódios”, retirando-se a polêmica, já que muitos usuários estavam acusando-a de censura.
Qual a conclusão sobre Tokyo Revengers?
Por fim, depois de apresentarmos os dois lados dessa discussão e seus respetivos argumentos, de qual lado você está nesse debate? Desde a popularização de Tokyo Revengers, os grupos de animes brasileiros apresentaram tópicos com essas discussões de forma acalorada.
Honestamente, dando um teor do que acredito, acho que o cenário não é tão preto e branco (como a maioria das temáticas sociais no mundo), e sim uma grande massa em escala cinza. Ao longo dos meus anos consumindo animes e mangás, já tive acesso a obras com ambos os teores.
É inegável que existe um certo fascínio de alguns autores por temáticas nazistas, como o caso de Carlo Zen em Youjo Senki e a cruz de ferro no uniforme, mas também acredito que o Yoshihiro Togashi em Yu Yu Hakusho realmente tinha uma visão interligada ao budismo, ao apresentar o manji na testa do personagem (até pela estética do mesmo).
O caso de Tokyo Revengers entra no grupo que tem certo fascínio com as temáticas nazistas, na minha opinião, visto que além da estética minuciosamente definida, a escolha da construção narrativa (de certo ponto até romantizada) em torno da Bosozoku e todo o seu estigma é no mínimo para se refletir a motivação do autor.
É bem compreensível a visão de quem acredita que o Japão tenha uma crença hegemonista generalizada, interligada a essas ideias imperialistas. O país é sempre indicado com ondas de alto teor xenofóbico e um conservadorismo extremamente enraizado em sua cultura. Contudo, acredito que seja sempre válida uma análise profunda para visualizar os movimentos de apropriação de símbolos por diferentes grupos políticos hegemônicos, para evitar, assim, estigmatização e preconceito.
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Ótimo texto, e sigo a mesma linha de raciocínio. É de se analisar caso a caso, e, no tocante ao Tokyo Revengers, me dá essa sensação de adoração.
Mas claro, o autor não deixa de pontuar a “Toman” como algo cruel, mas também dá um ar de pureza quando tenta consertar, atribuindo um clamor com a ideia da Bosozoku.