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Entrevista | Geandre Tomazoni e Olavo Ekman do Estúdio Bijari
Núcleo de criação em artes visuais e multimídia, o Bijari existe desde 1997 e possui um trabalho de pesquisa calcado na convergência entre arte, design e tecnologia, e tem como objeto de interesse as narrativas, poéticas e conflitos que moldam e dão vida à paisagem urbana.
Neste ano, o Estúdio Bijari foi responsável pela produção da videocenografia da CCXP22, onde eles criaram e desenvolveram todos os conteúdos das telas que ambientam os painéis do evento, relacionando-os diretamente com as diversas programações exibidas. Ao todo, foram produzidas 35 artes para a cenografia digital, amplificando a cenografia física e apresentando imagens relativas aos temas abordados.
O OtaGeek teve a oportunidade de entrevistar os fundadores do Estúdio Bijari, Geandre Tomazoni e Olavo Ekman, onde eles comentam como foi trabalhar nessa edição da CCXP, arte e muito mais. Confira abaixo:
Qual a inspiração e o critério do Estúdio Bijari na escolha e execução dos trabalhos?
Geandre Tomazoni: Um dos principais caminhos inspiracionais do grupo é a busca de projetos com possibilidades experimentais de reflexão cultural e investigação audiovisual. Nosso campo de trabalho e pesquisa se dá na fronteira entre arte, design e arquitetura, e o olhar sobre novos territórios políticos e poéticos. Todos os projetos que nos permitam exercitar experimentos nesses campos nos atraem e nos estimulam, esse acaba sendo o primeiro critério, o foco de interesse.
Para a execução, buscamos manter nossa pesquisa atualizada de modo alcançar excelência técnica, tanto no que se refere à expressão de linguagem adequada ao trabalho, mas também sobre as técnicas de animação e pós produção mais eficientes para a implantação e operação do material produzido.
Nessa convergência entre a arte, design e a tecnologia, vocês empregam e foram pioneiros, no Brasil, em várias linguagens como o live-images, video mapping e vídeo 360. Quais técnicas e tecnologias foram, majoritariamente, empregadas nos paineis da CCXP?
Geandre Tomazoni: Além das diversas técnicas de produção das animações digitais 2D e 3D, nosso trabalho se relaciona à visão espacial, algo que é fundamental dentro da história do nosso grupo, oriundo da formação em arquitetura de maioria dos integrantes que iniciou o Bijari. Essa espacialização da arte gráfica, de compreender um vídeo fora dos formatos das telas 16×9 ou variações e pensá-los na escala do ambiente arquitetônico, se torna uma das técnicas mais importantes para a realização desse tipo de trabalho. Assim como no que se convencionou chamar de videomapping, o entendimento da dimensão espacial muda completamente as características das animações; a composição, escala, ritmo, velocidade dos elementos; como isso será percebido pelo público tendo em vista sua dimensão física. No caso da CCXP22, criamos uma ambiência virtual que buscava expandir os andaimes e luzes da cenografia da plenária para o palco, fazendo uma ponte entre o físico e o virtual.
Além disso, as técnicas de “Live-Images” foram fundamentais para a criação das ambiências dos painéis em um trabalho conjunto com alguns dos estúdios que, ao perceber in loco o conjunto completo de elementos que compõem o palco para além dos leds e projeções; os músicos, dançarinos e performers que vão compor a cena, e, a partir dessa vivência, construir alterações singulares ao projeto. Nesse sentido, nos leva a um tipo de construção que se assemelha ao VJing, a construção em tempo real em função da percepção das singularidades do evento.
Quantas pessoas fizeram parte do projeto de painéis da CCXP e quais foram os desafios para realizá-lo?
Geandre Tomazoni: São diferentes níveis de desafios, técnicos e expressivos. Nossa equipe foi formada por 2 diretores de arte, 5 motion designers com habilidades diversas entre técnicas de 2D e 3D e 1 coordenador de operação, simulando a timeline e composição de filmes que foi entregue e parcialmente elaborada na ilha de operação do evento. Além do desenvolvimento de imagens relativos a CCXP 2022 são diferentes estúdios e temas com suas próprias identidades, fundamentos visuais e temáticos a serem organizados dentro dessa grande paisagem que se forma no Palco Thunder como um todo. Temos estúdios que se responsabilizam inteiramente por seu conteúdo de ambientes virtuais e outros que nos solicitam colaborações pontuais ou mesmo da íntegra dessas ambiências.
Olavo Ekman: Em alguns casos, composições que se dão in loco, ao visualizar o conjunto completo de elementos que compõem o palco para além dos Leds e Projeções; os músicos, dançarinos e performers que vão compor a cena, e, a partir dessa vivência, construir alterações singulares ao projeto.
Vocês têm trabalhos relacionados à criação de territórios políticos e poéticos, imergindo o público dentro e além da arte em si. Como vocês fizeram para que a CCXP se mesclasse nesse sentido de imergir as pessoas dentro e fora do mundo de super-heróis e obras cinematográficas num aspecto geral?
Geandre Tomazoni: Aqui exploramos um processo de escuta, compreendendo dentro das demandas que nos são colocadas quais imagens/poéticas e em quais momentos podemos colaborar para uma reflexão interessante no momento e contexto em que ocorre o evento, nesse caso, o Brasil de 2022. No painel de “Cidade de Deus”, por exemplo, ao criar a animação de ambientação, decidimos declinar da imagem dos personagens armados na iminência do conflito e explorar outro dos muitos aspectos expressivos do filme e utilizamos a imagem da Cidade de Deus juntos a pipas flutuando no céu; uma referência à essa brincadeira que produz imagens sublimes, presente fortemente nas periferias brasileiras e que nos evoca o sonhar – no sentido aspiracional – que é algo que surge na abordagem de vários de seus personagens, seja no protagonista fotógrafo ou no que se insinua em diversos outros. Daí nossa imagem vai em sinergia com as reflexões abordadas no painel, sobre o fazer artístico, a produção cultural brasileira e suas implicações sociais e maneiras de produção e criação que foram inventadas para que o filme nascesse, reflexões em movimento aspiracional criativo, um antídoto que combate à necropolítica que nos foi tão intensamente imposta nos Brasil dos últimos 4 anos e apontar para punções de vida. Resistir é criar!
Vocês consideram que a CCXP é um local onde abordam-se conflitos e narrativas de relevância para a construção da nossa sociedade?
Geandre Tomazoni: Ele pode ser esse espaço de construção, depende da atitude de todos que participamos e construímos o evento, como produtores ou público.
Um exemplo disso foi dado por Tenoch Huerta, intérprete do Namor em Wakanda Para Sempre, que fez uma abordagem muito direta e forte sobre o racismo e identidade Centro e Latino Americana ao afirmar sua origem mexicana e falar sobre o orgulho da origem miscigenada negra e nativa. Mandou um recado aos produtores e diretores de casting: “Não sejam racistas!” e trouxe ainda dados sobre mercado e consumo da produção audiovisual e lembrou “a melanina também vende!”. Nessa manifestação ele ocupa de forma crítica um espaço com grande audiência e faz uma fala fundamental ao combater o racismo e apontar a construção de uma sociedade justa!
Para além disso, os próprios conteúdos ou processos de desenvolvimento de certas produções tornam-se representativos ou impulsionam discussões relevantes para a sociedade. O painel de “Cidade de Deus”, homenageado nesta edição pelo seu aniversário de 20 anos, também levou ao público um discussão sobre a acesso e formação dos atores no mercado brasileiro, um momento muito marcante desta edição no qual a informação sobre o filme fala sobre o ofício da arte e seu impacto na construção social.
Como geralmente é a reação e o feedback do público em frente à suas obras? Houve reação parecida na CCXP?
Olavo Ekman: Os projetos do Bijari tem como ambição criar experiências audiovisuais que inspiram e transformam o público. Nossa intenção é sempre provocar reações, fazer o público se engajar. Seja em um trabalho de ativismo artístico, seja em um trabalho comercial. Na CCXP recebemos com muito carinho o entusiasmo do público reagindo a cada painel revelado. É um público apaixonado formado por fãs, profissionais e entusiastas que aprovou nosso trabalho e demonstrou isso através de muita ovação e aplausos. É o tipo de reação que nosso trabalho recebeu nos grandes shows de artistas famosos que fizemos em estádios lotados.
O Estúdio Bijari é muito ligado à intervenção urbana e ao poético, isso se expressa muito bem, conceitualmente e esteticamente, nos painéis e instalações. Quais seriam os próximos passos do Estúdio e da própria ótica que a arte adotará nos próximos anos?
Olavo Ekman: Estamos sempre buscando novas fronteiras de pesquisa e inspiração. O olhar precisa estar sempre treinado para observar o novo, o diferente, o que está em evidência e também o que está escondido. Nesta eterna pesquisa, as fontes mudam, os locais se transformam e o estúdio que é composto por uma equipe super diversa vai se adaptando às novas tecnologias, novas idéias e novos conceitos. Não é possível prever qual ótica a arte vai adotar, mas estaremos sempre atualizando nosso trabalho artístico, poético e ativista com temas que consideramos relevantes.
O mercado da cultura pop, geek ou nerd tem lugar de relevância nesse futuro? Vocês acreditam que poderia ser uma ferramenta que traga algo novo para esses projetos de arte, design e tecnologia?
Olavo Ekman: A cultura pop moderna desde os anos 50 marca presença constante nas vidas das pessoas. Artistas como Andy Warhol eternizaram astros do cinema (Liz Taylor) e da música (Elvis Presley), notícias de jornal e até objetos do dia a dia em suas reproduções. Roy Lichtenstein pintava quadros que reproduzem tiras de quadrinhos. A história da arte e da cultura pop sempre andaram juntas. E hoje vivemos uma época de efervescência tecnológica que permite uma série de novas experiências e formatos de conteúdo. Já desenvolvemos projetos em Realidade Virtual e utilizamos Game Engines (Unreal e Unity) como ferramentas de desenvolvimento. Em 2019, antes da popularização do conceito de Metaverso lançamos o videoclipe Colors Fade da banda Lumen Craft inteiramente “filmado” em locações virtuais de um vídeo game.
Recentemente estamos vendo criações fantásticas realizadas com ferramentas gráficas de inteligência artificial. Como estúdio de arte e design temos que estar sempre atentos ao que há de novo e relevante em arte, cultura e tecnologia e por isso o mercado da cultura pop, geek e nerd sempre vão ter lugar de relevância. Nossa equipe é composta de uma pluralidade de indivíduos que têm uma coisa em comum é justamente serem muito geeks e nerds!
Entrevista assinada pelo colunista Joel Neto
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