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Quem é Elena Ferrante e por que você deveria conhecer a autora
Se você acompanha os mistérios do mundo literário – ou mesmo se é algo que te desperta a curiosidade –, provavelmente já ouviu falar em Elena Ferrante. Até porque o sucesso da Tetralogia Napolitana (2011-2014) fez com que, durante muito tempo, a “febre Ferrante” deixasse vários leitores extasiados, tal qual beatlemaníacos, a fim de descobrir os segredos e qualquer informação possível sobre a autora. Mas por que tudo isso?
O que causa, ainda hoje, tanta surpresa e curiosidade em torno da imagem da autora italiana, além do impacto de suas obras no cenário contemporâneo, é o mistério por trás da sua verdadeira identidade. Há 30 anos, desde a publicação do seu primeiro livro em 1992, Um Estranho Amor, Elena Ferrante é o pseudônimo de uma autora desconhecida, sem rosto e identidade definida, mas cheia de personalidade.
Mesmo depois de tanto tempo e fama, pouco se sabe de concreto sobre a autora. Entre entrevistas realizadas por e-mail ou intermediadas por seus editores, alguns relatos presentes no seu livro Frantumaglia (2003) e traços autobiográficos de suas obras, Ferrante optou, em sua carreira como escritora, pela ausência perante os holofotes.
Então, em meio à crescente curiosidade em torno da “pessoa real” por trás do pseudônimo, em 2016, Claudio Gatti, um jornalista italiano, resolveu investigar a fundo quem poderia ser Elena Ferrante. Apesar de diferentes pessoas também terem tentado descobrir a identidade da autora, fazendo, por exemplo, comparações de diversos livros de autores italianos com os livros de Ferrante, o caminho de Gatti seguiu uma direção muito diferente.
Por meio de extratos bancários e o rastreamento de compras de propriedades, Claudio Gatti chegou até Anita Raja, que trabalhava como tradutora na mesma editora que publicava os livros de Elena Ferrante. Além disso, Anita Raja é esposa do escritor Domenico Starnone, que também já foi indicado como um possível nome responsável por dar vida ao pseudônimo.
Mas muitas dúvidas ainda continuaram… os dois escrevem juntos? Essa investigação realmente procede? Pode haver mais pessoas por trás do nome Elena Ferrante? Por parte da autora, nada foi confirmado e a própria não fez questão de negar ou concordar com os argumentos de Gatti.
Por que se manter anônima?
Desde a publicação do seu primeiro livro, Ferrante comunicou em carta aos seus editores, para justificar o seu anonimato, que acredita que os livros, a partir do momento em que são escritos, não carecem mais de seus autores. Se estes tem algo a dizer, seus leitores encontrarão. Em uma conversa com seu editor, a autora até afirma “já fiz o bastante por esta história, eu a escrevi”.
Elena Ferrante acredita que os livros sejam autossuficientes e que a história tenha a capacidade e o sentido de se expressar por si só, sem a constante interferência ou validação do autor. Nesse sentido, entende que a fama, ou a vinculação sempre à imagem do autor, podem ser capazes de destruir esse sentido.
A autora, no entanto, nunca se considerou anônima, mas sim ausente. Conhecendo sua obra, é possível entender mais a fundo essa afirmação, principalmente quando se pensa nas temáticas abordadas, nos personagens e na construção como um todo. Em suas histórias e entrevistas, Ferrante deixa um pouco de si, seus pontos de vista, críticas, crenças, visões de mundo… ela deixa sua assinatura. A diferença é que não temos acesso à sua identidade – no sentido mais literal da palavra – , mas ela está ali.
Por último e mais importante: por que conhecer a obra de Elena Ferrante?
Há quem acredite que o sucesso de Elena Ferrante venha justamente de sua ausência e de toda a curiosidade pela sua identidade, algo que foi ganhando fama com o tempo, principalmente depois de seu primeiro sucesso mundial com a Tetralogia Napolitana. No entanto, olhar por esse viés é descredibilizar todo o trabalho da autora e toda a potência de sua obra.
Provavelmente, todas as questões que foram criadas ao redor do pseudônimo contribuíram de alguma forma para o marketing e/ou divulgação dos livros. Mas o que trouxe reconhecimento para a carreira de Elena Ferrante é a forma disruptiva através da qual sua literatura surgiu no cenário contemporâneo. A autora incorpora à sua obra características da antiguidade clássica: na grandiosidade de contar histórias, traz muito da tragédia e da epopeia, por exemplo.
Junto a isso, ela ainda agrega algo de novo, mesclando problemáticas atuais e formatos diferenciados para construir o seu texto. Na Tetralogia Napolitana, um romance de formação sobre a vida e amizade de duas amigas, é possível ver como Ferrante agrega o clássico e o contemporâneo, trilhando novos caminhos, mas acompanhada de uma rica bagagem.
É desse modo que aborda em suas obras assuntos como ser mulher, a realidade da maternidade, a corrupção, a violência e a desigualdade social, além de uma grande diversidade de assuntos. Em seus personagens, encontramos pessoas tão reais que é quase possível tocá-las. Em livros como Dias de Abandono (2002) e A Filha Perdida (2006), mergulhamos no fluxo de consciência intenso das personagens e não somos poupados dos pensamentos sórdidos, de suas atitudes impensadas, nem dos seus dramas.
Talvez por ser em si mesma uma criação literária, Elena Ferrante se permita criar sem margens, desfazendo-se e descontruindo-se em busca de algo intenso e inexplorado, mas que de alguma forma tenta traduzir e entender as relações sociais, os sentimentos humanos e a complexidade do ser.
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