Entrevista | Israel Botelho – O ilustrador brasileiro que traduz o imaginário lovecraftiano como ninguém!

Conheçam Israel Botelho, o gênio que parece ser a reencarnação de Abdul Alhazred, já que sua obra reproduz perfeitamente o lendário Necronomicon.

Dia 26 de abril comemora-se mundialmente o Alien’s Day, o Dia do Alien, a criatura da franquia Alien, tanto no cinema quanto nos quadrinhos, que atende pelo “nome científico” de xenomorfo. A concepção da criatura adveio do pintor e escritor suíço H.R. Giger, que se inspirou em Lovecraft e seu bestiário para criar a estética dos xenomorfos. Ninguém percebeu que a Rainha Alien é uma releitura do Grande Cthulhu? O Grande Cthulhu aparece na Marvel Comics em duas versões: como o deus Chthon, criador do Darkhold e da Magia do Caos e como Shuma-Gorath, o polvo gigante que está presente no primeiro episódio de What If.

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Organograma mostra o bestiário lovecraftiano.

O ilustrador Israel Botelho, de São Joaquim da Barra, São Paulo, parece ser a reencarnação de Abdul Alhazred, o “árabe louco” presente na mitologia lovecraftiana. O personagem teria sido o autor do Al Azif, o Necronomicon, presente em toda a mitologia do autor H.P. Lovecraft. O livro está presente, ainda que de forma velada, até na mitologia marvete como o Darkhold, traduzido previamente como Tomo Negro e, mais tarde, como Livro dos Pecados, Livro dos Feitiços ou Livro dos Condenados.

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Sendo um escritor, H.P. Lovecraft teve suas criaturas representadas não por ele, já que apenas as descrevia em suas obras, mas por ilustradores que, como Israel Botelho, se apaixonaram por suas criações.

Otageekers, com vocês, o gênio Israel Botelho:

Israel Botelho, de perfil, exibe suas habilidades em sua prancheta,  enquanto ilustra seu próprio Necronomicon, em uma foto em preto e branco.
Otageek- Com quantos anos você começou a desenhar? 

Israel Botelho- Desde bem novo fui incentivado pelo meu pai e meu avô a desenhar e na escola sempre gostei mais das atividades de desenho do que de qualquer outra. Ao longo dos anos essa paixão foi só se intensificando e sempre que podia estava desenhando dragões e dinossauros de todos os tipos. 

Na imagem, um dinossauro conhecido como Parassaurolofo, de perfil, em preto e branco.
Otageek- A maioria começa a desenhar ainda pequeno e todos desenhamos quando crianças. Muitos dizem que basta se dedicar que qualquer pessoa continuará a desenhar na sua vida. Basta estudo ou tem que se ter o dom? 

Israel Botelho- É indiscutível que algumas pessoas têm mais facilidade e aptidão a desenhar e criam obras insanas sem muita dificuldade, mas uma boa combinação de estudo e prática sem sombra de dúvidas vai apresentar resultados mais que satisfatórios. 

Chucky Berry desenhado por Israel Botelho quando era criança

“É indiscutível que alguns têm mais facilidade e aptidão, mas estudo e prática, sem sombra de dúvidas, apresentam resultados mais que satisfatórios.” 

Otageek– Desde quando se interessa por H.P. Lovecraft e pela mitologia lovecraftiana

Israel Botelho- Na verdade, não tem muito tempo. Fui apresentado ao mundo lovecraftiano em 2020 através do podcast Nerdcast de RPG Cthulhu que ouvi por indicação de um amigo. Me encantei com a história do RPG e toda a mitologia em volta e fui atrás de mais conteúdo do tipo. Foi quando encontrei os contos de Lovecraft e outras histórias que envolviam os mitos de Cthulhu. 

Israel Botelho exibe um papiro produzido por uma de suas técnicas exibindo o Grande Cthulhu na postura do Homem Vitruviano, de Da Vinci.
Otageek- Qual o seu conto ou romance preferido do escritor? 

Israel Botelho- Gosto muito de Dagon e atualmente estou lendo Nas Montanhas da Loucura, mas já posso dizer que essa é minha história favorita! Essa pegada de aventura científica e descoberta de novos mundos a la Indiana Jones me deixa bem empolgado.

Os homens-peixe de Dagon ilustrados por Israel Botelho em um de seus papiros.
Otageek- O pintor e escultor suiço H.R. Giger se inspirou bastante em lovecraft inclusive para criar os xenomorfos (a criatura do filme Alien, o 8º Passageiro e suas sequências). Você curte a obra dele? Claro, né? Qual a sua opinião sobre Giger e sua obra? 

Israel Botelho- A obra de Giger sempre me deixou incomodado, mas no bom sentido. As estruturas biomecânicas que ele criava causam muito estranheza e sempre me geram o questionamento: “Como raios alguém consegue pensar nisso?”, o que é, de fato, o espírito lovecraftiano

A anatomia de um Grande Antigo, por Israel Botelho
Otageek- Mike Mignola, roteirista e desenhista de quadrinhos fundamentou Hellboy, da Dark Horse Comics, entre outras coisas, na obra de H.P. Lovecraft. Como você avalia a obra de Mike Mignola? 

Israel Botelho- Na verdade eu conheço bem pouco do universo de Hellboy, ser um adolescente em 2012 numa família cristã não me permitia ler muita coisa além de Batman e Superman haha. De todo modo estou familiarizado com o trabalho do Mignola e posso dizer que enquanto desenhista, a precisão minimalista que ele tem em definir coisas com poucos traços me encanta muito. Sem sombra de dúvidas é detentor de um traço único e autêntico.  

Otageek- Recentemente foram lançadas duas séries colocando H.P. Lovecraft e Nikola Tesla como heróis, protagonistas e parceiros de aventuras. Fora que já saiu Nas Montanhas da Loucura em quadrinhos, no traço ligne claire. Você já trabalhou ou pensa em trabalhar com HQs? 

Israel Botelho-Passei boa parte da minha adolescência lendo quadrinhos da DC e replicando ilustrações do Alex Ross, Frank Quitely e Lee Bermejo, que acabaram por ser as minhas primeiras referências artísticas, então tenho muito carinho pelo mundo dos quadrinhos. Apesar de não querer trabalhar exclusivamente com quadrinhos ainda tenho vontade de desenvolver alguns projetos nessa área no futuro. 

Otageek- Há diversos games que trabalham a obra do escritor, desde adventures como Call of Cthulhu: Shadow of the Comet a superproduções como Call of Cthulhu: Dark Corners of the Earth, Call of Cthulhu: The Wasted Land e os mais recentes, Call of C’thulhu, de 2018, e The Sinking City (2019) e o clássico Darkseed e sua continuação foram desenvolvidos a partir das pinturas de H.R. Giger. Você já trabalhou ou gostaria de trabalhar com games?

Israel Botelho- Sim! Tenho muito interesse em creature design e desenvolver trabalhos de concept art pra filmes e jogos é uma das minhas metas como artista. Atualmente faço parte do time de artistas do estúdio malasiano Project Myth Studios que está desenvolvendo um jogo independente inspirado em algumas obras de dark fantasy no mundo dos games, e algumas criaturas bem insanas devem aparecer no meio da história 

Otageek- Além de H.P. Lovecraft, de quais outros autores você gosta? 

Israel Botelho- Fora da temática de horror, sou um grande apreciador de J.R.R. Tolkien, Conan Doyle e Julio Verne

Otageek- Artistas como o argentino Santiago Caruso fazem obras primas como você, valendo-se da pintura para ilustrar o bestiário lovecraftiano. H.R. Giger é surrealista; Mike Mignola, se vale do Expressionismo Alemão. Santiago Caruso, do simbolismo. Como você definiria o seu estilo? Quais artistas te inspiram? 

Israel Botelho- Tá aí algo que realmente não sei dizer, se você souber como classificar por favor me diga. Mas entre minhas referências atuais estão Adrian Baxter, Richard Luong e Jon Wigley

Otageek- Você mostrou em um de seus reels o processo de “envelhecimento” do papel (com café) para ficar com aparência de papiro. Pode narrar um pouco do processo para nós? Há algum outro modo de envelhece-lo ou outros recursos estilísticos gráficos que você lança mão? 

Israel Botelho- Na verdade a técnica é bem simples, eu sempre começo o processo deixando o papel de molho no café frio por 5 min para absorver o líquido. Depois disso faço as texturas na folha usando uma escova de cerdas duras, assim consigo extrair um resultado bem interessante de desgaste no papel. Logo depois uso um secador com ar quente para secar a folha, e então o papel enrijece e adquire a aparência de algo realmente afetado pelo tempo.

Otageek- Além desta técnica, há outras que você utiliza que são tão pouco usuais? Se sim, quais? 

Israel Botelho- Na verdade eu sempre opto por realizar o processo à mão por achar o método prático mais eficaz e de melhor resultado. 

Israel Botelho exibe um de seus papiros fictícios, produzidos por envelhecimento com café.
Otageek- Como está sendo a aceitação dos seus desenhos? Estamos vivendo um momento político e sua arte não trabalha a política, mas a mitologia lovecraftiana que você representa muito bem. Ademais, H.P. Lovecraft é conhecido por menções racistas e etnocêntricas. Isso afeta a aceitação do seu trabalho? 

Israel Botelho- Geralmente não tenho problemas com isso, a maioria dos fãs e consumidores de conteúdo lovecraftiano está ciente disso e normalmente interpretam de forma crítica as narrativas que carregam o ódio de raça do autor. A moral e conduta de Lovecraft é frequentemente discutida pelos fãs.

A Praga de Innsmouth, no traço de Israel Botelho
A Praga de Innsmouth

Há quem diga que seu racismo foi elemento fundamentalista de suas obras e há quem defenda que isso não interfere em suas histórias. Contudo, é fato que Lovecraft é fruto de sua época, um supremacista branco que apresentava aberta e explicitamente em suas obras visões etnocêntricas e xenofóbicas sem o menor ressentimento.

“A arte é um instrumento que possibilita subverter as questões impregnadas na obra original expondo e criticando os ideais retrógados e não humanitários ali presentes.”

A arte de modo geral é um instrumento que possibilita subverter essas questões impregnadas na obra original expondo e criticando os ideais retrógados e não humanitários ali presentes, assim como bem fez a série de TV Lovecraft Country, por exemplo.

Um fauno, no traço de Israel Botelho

Essa liberdade criativa me permite abordar as criaturas lovecraftianas a partir de outras perspectivas no meu trabalho, geralmente partindo do princípio de que do ponto de vista desses seres perversos todos nós somos iguais, independentemente de etnia ou classe. Todos somos pó, todo somos nada.  

Otageek- A mitologia lovecraftiana é rica em seu bestiário e artistas como H.R. Giger fizeram inovações a partir dela. A própria “Rainha” Alien, a Queen dos Xenomorfos (o “nome científico” da espécie), parece ser uma representação do Grande Cthulhu. Você criou algum (ou alguns) ser(es) lovecraftiano(s) em suas pinturas? 

Israel Botelho- Na verdade ainda não criei nenhuma criatura original, mas o que tenho explorado nos meus últimos projetos talvez seja algo próximo disso, onde abordo criaturas mais populares do imaginário lovecraftiano trazendo conceitos novos e originais para suas representações.

Cthulhu em uma versão xenomorfo, por Israel Botelho
Otageek- Qual criatura do bestiário lovecraftiano você mais gosta (ou mais gostou) de desenhar? Qual (ou quais) ainda não desenhou? 

Israel Botelho- O imaginário lovecraftiano é um tanto extenso, então tem muitas criaturas que ainda não tive oportunidade de ilustrar, mas entre as que mais gostei de ter feito estão A Cabra Negra e Shoggoth.

Shoggoth, pelas mãos de Israel Botelho
Otageek- Dia 26 de maio se comemora o Dia Internacional do Alien (embora a criatura se chame xenomorfo). Você curte a franquia Alien? Já desenhou os xenomorfos (chestbusters, facehuggers ou rainhas)? 

Israel Botelho- Na verdade só vim assistir (Alien) O Oitavo Passageiro recentemente. Ainda pretendo ver os demais mas gostei muito do primeiro. Não descarto a ideia de futuramente desenvolver algum projeto envolvendo essas criaturas bizarras. Fiquei realmente intrigado com o conceito dos chestbusters

Otageek- Ilustradores brasileiros como Guilherme Balbi e Cristiano Seixas ilustraram HQs do Alien lá na gringa. Você já fez algum trabalho oficial mesmo para publicações brasileiras? Que trabalhem o cunho lovecraftiano ou não? 

Israel Botelho- Ano passado tive o prazer de trabalhar com a Skript Editora desenvolvendo uma ilustração pro evento anual deles, a Cthulhu Fest. Ainda não tive oportunidade de desenvolver outros projetos editoriais mas é algo que eu realmente gostaria de fazer, vamos ver o que o futuro reserva.

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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