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Resenha | “Já que você perguntou”: o que é sucesso para você?
A imaginação é um terreno fértil no que diz respeito às capacidades mentais humanas, pois permite a concepção de universos, cenários e acontecimentos através do talento promissor de reproduzir vividamente essas concepções. “Já que você perguntou” é uma dessas histórias, onde um acontecimento proporcionou a uma mente criativa a concepção de uma história fictícia capaz de despertar emoções em que a lê.
Refiro-me à entrevista que o responsável por dar vida ao papel de Capitão América nos cinemas, Chris Evans, deu a revista norte-americana QG em 2011. O resultado – graças ao trabalho da jornalista Edith Zimmerman – foi um perfil divertido e íntimo do galã da Marvel, que na época filmava o primeiro volume dos “Vingadores” (2012). A entrevista começou em um pub de Santa Mônica, nos Estados Unidos, foi regada a muito álcool e terminou com Edith “totalmente bêbada e saindo de fininho da casa dele às cinco e meio da manhã”, segundo ela mesma. Assim, não demorou muito para que diferentes teorias circulassem na mídia, principalmente a de que ambos teriam tido um envolvimento íntimo.
Doze anos depois, e com muitas teorias concebidas pela arte da imaginação, o episódio serviu de inspiração para o livro da norte-americana Elissa Sussman, bacharela pela Sarah Lawrence College e mestre pela Pacific University, e autora de outras obras. “Já que você perguntou” segue a história da jornalista Chani Horowitz e do astro de cinema Gabe Parker que, há dez anos, tiveram suas carreiras transformadas após a publicação de um perfil a respeito do novo papel de Parker como James Bond, escrito por Chani. Enquanto Chani se tornou uma jornalista famosa, Gabe viveu um período de ascensão e queda em Hollywood. Desde que a história foi publicada, a imprensa e o restante do mundo formulou teorias a respeito do envolvimento entre ambos. Eles teriam se apaixonado? Dez anos se passaram e, agora, Chani é convocada, mais uma vez, para se encontrar com Gabe e escrever a respeito de seu novo papel nas telonas, numa tentativa de repetir o feito de sucesso do passado. Contudo, ela ainda pensa naquele fatídico final de semana no qual ambos viveram há dez anos. Mas e quanto a Gabe?
Enquanto graduanda de jornalismo e amante da Sétima Arte, histórias que unem meus dois universos favoritos comumente são alvo da minha atenção. Ainda que a temática não seja original, recorro a um antigo consentimento perante o que é produzido na indústria cinematográfica e que aplica a literatura: não há história que não tenha sido contada e, por isso, o que a torna excitante é a maneira pela qual é contada. Histórias entre figuras anônimas e famosas, por sua vez, não se destacam pela inovação. Em 1999, “Um Lugar Chamado Notting Hill” estreava nas telelonas, narrando a história entre um livreiro e uma famosa atriz estadunidense, caracterizando uma estética e uma fase de produções de comédias românticas em Hollywood, a gloriosa era das rom-coms nos anos 2000.
Contudo, apesar da temática e da inevitável narrativa romântica, o que há de relevante em “Já que você perguntou” é o caminho pelo qual a autora optou para narrar a história de Chani e Gabe e, principalmente, as questões propiciadas por ele. Contado por meio de flashbacks, a narrativa se divide entre passado e presente, narrando o fatídico encontro entre os personagens há dez anos e o que está prestes a ocorrer no presente. Além disso, a história se desdobra por meio de uma prosa que adentra nos pensamentos de Chani, um blog mantido pela jornalista, e artigos escritos por fãs e outros envolvidos no meio cinematográfico. Sem contar, é claro, fragmentos do notário perfil escrito por ela.
Chani Horowitz é uma jornalista insatisfeita na profissão. Enquanto observa grande parte dos seus colegas de faculdade trilhando certos caminhos que ela vê com afeição, tudo o que mais deseja é ser publicada por uma editora. Gabe Parker, por outro lado, é visto como um dentre muitos rostos bonitos em Hollywood. E apenas isso. Prestes a estrelar o papel de uma das figuras mais emblemáticas do cinema hollywoodiano, a de James Bond, Gabe foi negativamente recebido pela opinião pública. Em um portal, foram listadas “cinco razões para Gabe Parker ser o pior Bond de todos os tempos”. Por isso, a ideia de um perfil relativo ao astro de Hollywood parece ser a oportunidade ideal para reverter a opinião pública a seu respeito.
Tanto Chani quanto Gabe, apesar de exercerem ofícios distintos, vivem dilemas em suas vidas. Chani, por exemplo, se sente infeliz profissionalmente e nutre um relacionamento com um escritor que constantemente minimiza seus feitos. Apesar de seu desejo de uma vida além daquela que leva, a jornalista frequentemente se vê refém da opinião alheia, principalmente no que diz respeito ao seu namorado. Além disso, ela mesma encontra-se em uma posição confortável, ainda que anseie por mais. Gabe, por sua vez, embora seja um galã de Hollywood, evidencia o quão ardilosa a indústria pode ser perante seus astros. Um erro é suficiente para que sua reputação seja modificada, e astros, reféns da opinião pública, comumente enfrentam dilemas morais a respeito de si mesmos. Enquanto lia os comentários negativos sobre a escolha do astro para o novo papel de Bond, me recordei de Sofia Coppola no terceiro volume do filme do seu pai, “O Poderoso Chefão”. Na época, a atriz tinha 18 anos e foi altamente massacrada por sua performance pela crítica especializada. Qual peso aquele episódio teria exercido sobre sua vida?
Em certo momento, Gabe diz a Chani que não deseja que as pessoas o adorem, mas que o amem. A jornalista pergunta qual a diferença entre ambos, e ele: “você pode adorar alguém que não conhece, mas não pode amar essa pessoa”, numa possível referência à artificialidade da fama. Nos termos de Gabe, ao ser fã de alguém, você adora essa pessoa, mas não a ama. Por isso, seu próprio pensamento reflete seu desejo de ter alguém que o conheça além de sua carreira, evidenciando que tal fato nunca lhe ocorreu. “É esquisito, não é? Quando alguém acha que te conhece”, diz ele a jornalista, numa conversa a respeito da vida pública de artistas e o quanto os outros pensam que realmente os conhecem.
“É engraçado quando o mundo pensa que te conhece. Ou quando você pensa que aquilo que o mundo sabe é o que você realmente é.”
Nesse sentido, Sussman avança abordando novos questionamentos. A respeito da vida pessoal de Gabe, por exemplo, é de conhecimento público sua relação com a mãe e a irmã. A livraria, um presente de Gabe para ambas, é constantemente mencionada pelos tabloides. No que diz respeito ao seu pai, criou-se um consenso de que ambos não mantinham uma boa relação, uma vez que Gabe nunca o citou nas entrevistas. Outro senso da opinião pública diz respeito a Gabe e outro astro de Hollywood, Oliver Matthias, que apesar dos constantes boatos, é um dos melhores amigos de Parker. No entanto, na mídia, ambos são frequentemente retratados como rivais.
“Meu pai… a memória dele…. é algo meu. Entendo que parte do meu trabalho é me dividir com o público. Dividir histórias e intimidades da minha vida. Mas não posso fazer isso com o meu pai. Sei que é ridículo. Sei que me recusar a falar sobre ele o transformou em uma fonte de interesse. Mas algumas coisas não são para os meus fãs.”
Dez anos depois, Chani acabou de se divorciar e é uma escritora de sucesso. Gabe, por outro lado, passou por um divórcio e uma reabilitação por alcoolismo, e tenta reascender a carreira em Hollywood. Quando ambos se encontram novamente, o envolvimento do passado retorna para debate entre eles, assim como as questões deixadas pelo passado. “O que é sucesso para você”, perguntou Chani a ele dez anos atrás. “Sucesso é ter sido James Bond e, então, não se-lo mais”, responde Gabe em uma parte de seu monólogo a respeito do sucesso.
Enquanto o maior desejo da vida de Chani é ser reconhecida por seus livros – “esse, eu acho, seria o verdadeiro Dia Perfeito”, diz ela ao recriar uma cena na qual entra em uma livraria e a reconhecem – o de Gabe é ter uma relação autêntica, longe dos holofotes de Hollywood. Por meio de ambos, Sussman aborda questões relacionadas à toxicidade de Hollywood, à autenticidade nas relações humanas e às escolhas de vida, e em como elas nos impactam, principalmente no que tange a autossabotagem. Chani, acomodada em sua posição e refém de um relacionamento, ansiava pelo sucesso, mas sem imaginar que ele poderia ocorrer. Gabe, por outro lado, devido a seu histórico retratado pela mídia, nunca se sentiu merecedor de interpretar James Bond nos cinemas. “Quem é que sente que merece de verdade as coisas boas que consegue?”, diz ele.
Assim, na construção de um relacionamento entre duas pessoas, Sussman nos permite refletir a respeito do “sonho hollywoodiano” infiltrado e idealizado no imaginário popular; nos faz pensar na relação entre fã-ídolo e em como, muitas vezes, esta é tóxica. Também nos faz lembrar da coragem que um dia tivemos e que se perdeu no caminho; ou das pressões impostas socialmente e a forma pela qual escolhemos lidar com elas. Talvez seja uma história da autora a respeito de si mesma, afinal, “escrever é algo íntimo, desesperador e um pouco embaraçoso”, como lembrado por ela.
FICHA TÉCNICA
Título: Já que você perguntou
Autor(a): Elissa Sussman
Editora: Astral Cultural
Páginas: 400
Onde comprar: Amazon
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