O Vilão Heroico – surge uma nova categoria de personagem

Ele é um vilão e é o protagonista.

Ele não é Herói nem Anti-Herói, é Vilão! A diferença é que não ocupa a função de antagonista da trama. Ele é um vilão e é o protagonista! Estamos diante de uma nova categoria de personagem. Otakus e Geeks, apresento-lhes o Vilão Heroico.

Asseguro-lhes que não estou criando uma nova categoria de personagem, estou dando lugar a uma categoria que nunca foi reconhecida. Creio não ter sido o único a percebê-la, mas não vi até hoje nenhum artigo que definisse a classe, talvez por falta de uma nomenclatura adequada e conceitos bem definidos acerca da mesma. Imagino que o Anti-Herói deva ter sido tratado assim antes de lhe darem um lugar de destaque no palco das tramas aristotélicas.

Superman
Superman: o estereótipo do Herói Clássico… e ainda devolve o balão

No início, havia apenas o maniqueísmo Herói versus Vilão. O Herói (forte, bonito, inteligente e virtuoso) ocupava o lugar de protagonista e o Vilão, seu zênite particular (feio, mau e desprezível) ocupava, invariavelmente, o lugar de antagonista. A figura do Anti-Herói já existia, mas era vivida por personagens coadjuvantes que reinavam em suas próprias tramas paralelas e só ocupavam o posto para evoluírem de seu papel de Vítimas. Separo o Anti-Herói em duas categorias: o Anti-Herói Algoz e o Anti-Herói Vítima.

O Herói

O Herói tem como prioridade salvar a Vítima. Ele vai tentar punir o Vilão com os rigores da lei. Ele é capaz de se sacrificar em prol da Vítima. Quando o Anti-Herói Algoz entra em cena, o Herói passa a ver o Vilão como uma possível Vítima e deverá salvá-lo.

Batman
Batman, um dos primeiros Anti-Heróis,. Agora, um herói, nos sombrios tempos modernos

O Herói tentará convencer o Anti-Herói Algoz a desistir de seu intento agressivo e mostrar-lhe que a prioridade é salvar a Vítima inicial em vez de criar outras. Se não tiver êxito, deverá tratá-lo como um Vilão. Super-HomemHomem-Aranha e tantos outros se enquadram nessa definição.

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O Anti-Herói Algoz

Anti-Herói Algoz quer vingar a Vítima. Seu objetivo é punir o Vilão pelo mal irremediável que fez a ela. Se o Herói tentar impedi-lo, ele o tratará não como um Vilão, mas como um mero antagonista. Um vilão maquiavélico tentará convencer o Anti-Herói Algoz a passar para o lado do mal. “Você tem potencial. No fundo, você e eu somos parecidos, queremos a mesma coisa. Somos diferentes dessa escória. Juntos, você com o seu… e eu com o meu blá-blá-blá podemos dominar o mundo!”

Motoqueiro fantasma
“Cê tá no erro, vacilão!”

No fundo, o Vilão teme o Anti-Herói Algoz mais do que ao próprio Herói. O Algoz não se sacrificará pela Vítima porque seu sacrifício já foi feito: foi o incidente que o fez se tornar um Anti-Herói. JusticeiroWolverineMotoqueiro FantasmaEspectro… fora que, hoje em dia, todo mundo é Anti-Herói!

O Anti-Herói Vítima

O Anti-Herói Vítima deve se submeter aos caprichos do Vilão por chantagem. Sua prioridade (assim como a do Herói) também é proteger a Vítima mas ele se sacrifica, subjugando-se ao Vilão. Seu objetivo, como o do Anti-Herói Algoz, também é a redenção, mas enquanto o Algoz escreve certo por linhas tortas, o Vítima pratica o mal não por querer, mas por não ter outra opção.

Constantine
Constantine aceita o pacto com Nergal. Senããão…

O Herói e o Algoz o enxergam como um mero capanga, mas seu grande sonho é unir-se a eles contra o Vilão. Sempre que pode, procura uma maneira de escapar de sua condição miserável, sabotando ou entregando os planos do grande Vilão, ou até mesmo suicidando-se.  John Constantine, é o caso mais famoso. Quem não concorda, vá ler o episódio da treta com Nergal.

O Vilão Heroico

O Vilão Heroico dificilmente salva a Vítima; geralmente não se preocupa com ela. Ele pode submeter-se aos caprichos de um Vilão maior, mas não em prol da Vítima e sim de seus interesses mesquinhos. Ele pode brigar com o Vilão maior e com os Heróis/Anti-Heróis em prol da Vítima. Ele pode matar a Vítima num ato de misericórdia que não seria do feitio de um Herói, Anti-Herói ou Vilão. Ou seja, é a Rainha do jogo! Mas não é fácil encontrar um personagem que se encaixe na definição de Vilão Heroico.

Para ilustrar o presente ensaio, vamos à minha pequena:

Galeria de Vilões Heroicos:

Lobo (1983)

Hell Angel intergalático matou a própria mãe e um mundo inteiro para ser o único remanescente de seu planeta natal. Teve sua primeira aparição em junho de 1983 na revista Omega Men #3 e é considerado, portanto, o primeiro Vilão Heroico das HQ’s.

Lobo
Lobo está morto… mas ainda mata!

Lobo é um assassino de aluguel que não tem compromisso com ninguém que não seja ele mesmo e com nada além de seu código de honra de nunca deixar de cumprir sua palavra que, no caso, se resume em matar alguém. Só deve lealdade a Vril Dox, outro Vilão Heroico. Em cada aventura muita gente vai, a esmo, morrer a troco de nada.

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Frank (House of Cards – 2013 a 2018)

Francis Underwood é um congressista democrata da Carolina do Sul que não mede esforços para subir na vida e assegurar a eleição do presidente Garrett Walker com o intuito de ser nomeado Secretário de Estado. Frank justifica seus atos como algo necessário, que deve ser feito, não importa o quão terrível seja.

Francis "Frank" Underwood
Francis “Frank” Underwood

A série abusa do recurso da Quarta Parede para demonstrar o ponto de vista maquiavélico de Frank, que olha para nós para contar seus próximos passos ou dar um panorama geral do que está por trás dos gestos e sorrisos dos personagens que, no fundo, só querem se dar bem ou ao menos atingir um lugar ao sol.

Light Yagami (Death Note – 2006)

Ele recebe o Death Note (ou Caderno da Morte) de um Shinigami (um deus da morte do Xintoísmo) e a partir daí torna-se um assassino em série, mas não como o personagem Dexter, que só mata “quem merece morrer” (seguindo um código de ética imputado desde criança por seu pai adotivo).

Death Note

Yagami engana seu pai verdadeiro para continuar executando as mortes por um capricho pessoal, matando, inclusive, quem descobre a trama e fica em seu caminho. Nós espectadores torcemos pra ele, pois, caso “rode” (ser pego, em carioquês), a série acaba.

Eli (Deixe Ela Entrar – 2008)

Já falei o suficiente (e até mais do que) sobre ela (ou ele) ou Eli no artigo World of Darkness: O divisor de águas nas histórias de vampiros e lobisomens para o século XXI, mas o filme Deixa Ela Entrar nunca é demais.

Deixa ela Entrar
Eli pulando a cerca… literalmente

Nesse caso, o Vilão Heroico (Eli) pune  o Vilão e vinga a Vítima (Oskar), mas para torná-la sua acólita. A Vítima ocupará provavelmente o papel de Anti-Herói Vítima (embora não saibamos, pois o desfecho se dá em aberto). Spoilers em demasia me tornaram o Vilão Heroico do artigo.

Barão Meier Link (Vampire Hunter D: Bloodlust – 2000)

O todo-poderoso vampirão do mal sequestra a pobre donzela Carmilla. A pobre donzela não é tão coitada (e talvez não tão donzela) assim, enquanto o pobre Barão a ama de verdade… a ponto de não querer transformá-la em vampira, mas casar com ela e lhe dar uma vida mansa no Castelo das Estrelas.

Homem-Aranha Superior (2013)

Convenhamos que Peter Parker é bonzinho demais para vingar como herói no admirável mundo novo em que vivemos. Prova disso é que o Homem-Aranha chegou a ser ninguém menos que o Dr. Otto Gunther Octavius, o Dr. Octopus.

A sua voz continua a mesma, mas a sua cabeça…

Após um “transplante de mentes” bem-sucedido, Octopus agora encarna o Amigo da Vizinhança de uma forma maquiavélica, que faria o Venom morrer de inveja. E, pela aceitação dos leitores, essa tendência não tem hora para acabar.

David – Prometheus (2012) e Alien: Covenant (2017)

A muito criticada prequel da franquia Alien nos deu um personagem interessante. David é um androide de um modelo anterior aos dos demais filmes e consegue “fugir” da programação ao se perceber lacanianamente realmente como um Eu, no melhor estilo Isaac Azimov.

Cena de Prometheus
“Prefiro reinar no Inferno do que ser um escravo no Paraíso..”

Entre suas diversas citações, David, em Prometheus, reproduz perfeitamente o clichê “O culpado é o mordomo”. A despeito das falhas de ambos, a nova safra de filmes da franquia não narra a Jornada do Herói (como foi com Ripley), mas a saga do Vilão.

Lúcifer (1989)

Lobo que me desculpe, mas ser o Primeiro dos Caídos confere a qualquer um o título de primeiro Vilão Heroico da História! E não me refiro à Etrigan, o capetão que tampa na porrada com o Maioral em algumas edições, mas ao Tinhoso em pessoa!

E digo tinhoso porque, depois que deu as caras em Sandman #4, em abril de 1989, teve que ralar muito para recuperar suas asas, quando resolveu emplacar sua própria série em Sandman Apresenta: Lúcifer, dez anos depois. Mike Carey nos brindou com o maior Vilão Heroico da História!

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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Pedro Melo

Ótimo artigo!
Então em resumo, o vilão heróico é aquele que não se define por uma relação de antagonismo, mas sim por seguir fortemente a regra de “fins justificam os meios”?

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