Greta Gerwig: do Mumblecore aos holofotes de ‘Barbie’

Revestida pelo feminismo e espontaneidade, é fato que Greta Gerwig sempre brilhou
Foto da diretora Greta Gerwig. - Otageek

Greta Gerwig é um dos maiores nomes da sua geração de cineastas. A atriz, roteirista e diretora norte-americana, construiu seu nome em produções de pequeno/médio porte, imprimindo sua capacidade de trabalhar questões femininas de forma sensível e íntima. É dona de uma filmografia enxuta, mas recheada de comentários positivos da crítica especializada. Em 2018, se tornou a quinta mulher a concorrer ao Oscar de Melhor Direção por ‘Lady Bird: A Hora de Voar’. Agora, às vésperas da estreia de ‘Barbie’ – o mais recente trabalho da diretora – e com projetos futuros já engavetados, Greta trilha outros caminhos dentro da carreira. Isso porque era avessa aos holofotes dos grandes blockbusters. Com ‘Barbie’ e a futura direção das ‘Crônicas de Nárnia’ encomendada pela Netflix, seus projetos parecem buscar outra direção. Mas, afinal, você conhece a história de Gerwig?

Toda jornada tem um começo

A história da jovem Lady Bird e de Gerwig tem um par de “coincidências”. Greta Celeste Gerwig é atriz, diretora e roteirista. Nasceu em 1983 em Sacramento, nos Estados Unidos, cidade da jovem Lady Bird. É de ascendência alemã e altamente conhecida pelo seu envolvimento com o movimento cinematográfico nova-iorquino Mumblecore. O movimento é parte de um subgênero do cinema independente de baixo orçamento, marcado por atuações naturalistas, com ênfase nos diálogos e foco nas relações pessoais. Muitas das filmagens são feitas em lugares reais, com trilha sonora limitada ou inexistente. Em suma, são cineastas tentando criar seus filmes sem depender dos grandes estúdios, desafiando padrões estéticos e narrativos. 

“É interessante pra mim como é sempre um pequeno grupo de pessoas. Quando você realmente chega lá, e olha por quê todos esses grandes filmes estão saindo deste lugar, nesse momento, você percebe que todos eles se conhecem.” 

Greta Gerwig

Assim como sua personagem, estudou em uma escola católica, e se formou na Barnard College da Universidade de Columbia em Inglês e Filosofia. Seu sonho era ser dramaturga, mas foi rejeitada por todos os programas de mestrado na área. Entretanto, em 2006, conseguiu um pequeno papel no filme ‘LOL’ de Joe Swanberg, e se apaixonou pela atuação. Logo em seguida, Greta e Swanberg escreveram juntos o roteiro de ‘Hannah Sobe as Escadas’ (2007), no qual ela estrelou. Ambos filmes são considerados partes do Mumblecore. Em ‘Hannah Sobe as Escadas’, ela interpreta uma universitária que acaba de ser contratada como estagiária de uma produtora. Lá, ela conhece Matt (Kent Osborne) e Paul (Andrew Bujalski), dois escritores que despertam o seu interesse amoroso, colocando a amizade entre eles em risco. Ambos também escreveram, dirigiram e atuaram em ‘Nights and Weekends’ (2008), o retrato de um relacionamento à distância.

Mark Duplass e Greta Gerwig em ‘Hannah Sobe as Escadas’ (2007). - Otageek
Mark Duplass e Greta Gerwig em ‘Hannah Sobe as Escadas’ (2007). Foto: Divulgação/IFC Films

Em 2010, interpretou Florence em ‘O Solteirão’, filme dirigido por Noah Baumbach. A história segue Roger (Ben Stiller), um solteirão de 40 anos que resolve ficar sem trabalhar por um tempo. Quando ele decide passar um tempo na cidade natal para cuidar da casa do irmão, tenta retomar antigas amizades, mas percebe que o tempo modificou as pessoas que conhecia. Sentindo-se perdido, ele conhece Florence (Greta Gerwig), que está na mesma situação. 

Em 2011, Gerwig e Baumbach iniciaram um relacionamento e, hoje, estão casados. Assim como o casamento, a parceria entre o casal no cinema ainda perpetua. Em 2012, os dois escreveram juntos o roteiro de ‘Frances Ha’, onde Greta protagonizou, e rendeu o que é chamado de o papel mais memorável de sua carreira. A história acompanha uma jovem mulher lidando com as dores do amadurecimento. Apesar do sucesso da obra, em entrevista ao The New York Times Magazine, ela contou que nem sempre os dois receberam o mesmo reconhecimento:

“Costumava me magoar muito quando as pessoas diziam: ‘Você ajudou a escrever o roteiro?’ E eu respondia: ‘Eu coescrevi, não ajudei a escrever.’”

Greta como Frances no longa ‘Frances Ha’. - Otageek
Greta como Frances no longa ‘Frances Ha’. Foto: Divulgação/Focus Features 

Ainda, Gerwig fez uma aparição no filme ‘Sexo sem Compromisso’ (2011), estrelado por Natalie Portman e Ashton Kutcher, sendo sua estreia no cinema mainstream. Estrelou ‘O Prato e a Colher’ (2011) de Alison Bagnall e ‘Lola Versus’ (2012) de Daryl Wein. No mesmo ano, conseguiu o papel de Sally no filme do diretor Woody Allen, ‘Para Roma, com Amor’

Greta Gerwig: A Hora de Brilhar

Em 2017, Greta dirigiu seu primeiro projeto sozinha. ‘Lady Bird: A Hora de Voar’ é um longa do gênero coming-of-age, uma história sobre amadurecimento que enfatiza o crescimento do protagonista da passagem da juventude para a idade adulta. O longa recebeu cinco indicações ao Oscar em 2018. Além disso, venceu o prêmio de Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Atriz para a atuação de Saoirse Ronan no Globo de Ouro. A trama segue a história da jovem Christine McPherson (Saoirse Ronan), que insiste em ser chamada de Lady Bird, numa tentativa de renegar a identidade que lhe foi conferida no nascimento e trilhar seu próprio caminho no último ano do ensino médio. Seu maior desejo é ir fazer faculdade longe de Sacramento, mas a ideia é rejeitada por sua mãe (Laurie Metcalf). ‘Lady Bird’ é a história da jornada de uma adolescente com a chegada da universidade, a relação com a mãe que por vezes parece complicada, e as alegrias e tristezas do primeiro relacionamento.

Saoirse Ronan e Greta Gerwig nas filmagens de ‘Lady Bird’. - Otageek
Saoirse Ronan e Greta Gerwig nas filmagens de ‘Lady Bird’.

Lady Bird é uma jovem segura de si, que não espera que os caras cheguem nela para demonstrar interesse, e não se sente pressionada a usar saias curtas para impressionar um par romântico. Em sua trajetória, a importância da aparência fica para trás, uma vez que o foco da narrativa está em suas incessantes atitudes para fazer com que seus sonhos aconteçam. A trajetória de Lady Bird e sua mãe tem um bocado de semelhanças. As duas têm personalidade forte e empatia alheia, mas costumam ter atitudes egoístas por medo de perder aqueles que amam. As intermináveis brigas são mais fáceis de lidar do que a dor do crescimento. 

Enquanto observa a filha crescer, Marion precisa aceitar as escolhas de vida de Lady Bird, que lhe causam dor e aborrecimento, mas também influenciam no crescimento pessoal de ambas. Por isso, a escolha de focar na complexa relação de mãe e filha para impulsionar e aprofundar a narrativa, ao invés de um romance, revela o olhar feminino da própria diretora, que entrega a sutileza e profundidade de uma história sobre mulheres e suas singularidades. Em entrevista ao The Globe and Mail, Gerwig enfatiza a importância dos relacionamentos entre personagens femininas:

“Estou interessada em mulheres se relacionando umas com as outras, porque acho que, muitas vezes nos filmes, as mulheres são reduzidas a se relacionar por meio de um cara. O que, você sabe, rendeu muitos filmes maravilhosos, então não pretendo jogar qualquer shade sobre isso. Mas eu acho que isso significa que há um vasto território desconhecido de relacionamentos que não são explorados.”

É no final da jornada de Lady Bird, que ela percebe que sua identidade sempre foi a de Christine, e não aquela que criou dramaticamente, assim como boa parte das decisões tomadas até então. É nas falhas e acertos que descobre que sua mãe estava certa e que, afinal, existe beleza em Sacramento. Ter passado tanto tempo renegando o lugar era mais fácil do que enxergar a beleza e precisar lidar com a dor de deixá-lo para trás. 

Para todas as ‘mulherzinhas’

Depois de ‘Lady Bird’, Gerwig trabalhou na adaptação do clássico ‘Mulherzinhas’ (1868), escrito por Louisa May Alcott. Nos cinemas, a primeira adaptação do livro norte-americano estreou em 1917, dirigido por Alexander Butler. Desde então, foram filmadas mais seis versões da história de Meg, Jo, Beth e Amy March. A mais recente, ‘Adoráveis Mulheres’, de Greta Gerwig, estreou em 2019 e recebeu seis nomeações ao Oscar, onde venceu o prêmio de Melhor Figurino. Em uma entrevista a Michel Martin, Greta diz não se lembrar de uma época em que não soubesse quem era Jo March: 

“Ela [Jo] sempre esteve comigo. Então, de certa forma, é difícil saber se eu era como Jo March, e é por isso que a amava, ou se Jo March me moldou porque eu estava tentando me tornar como ela.”

Pôster de 'Adoráveis Mulheres'. - Otageek
‘Adoráveis Mulheres’ tem sido parte de quem eu sou desde que me conheço por gente”, conta Greta.

Apesar de ter dirigido ‘Adoráveis Mulheres’ após ‘Lady Bird’, o contrato para a adaptação do clássico foi assinado anteriormente à produção do seu primeiro projeto solo. “Eu sabia que havia um desejo com Amy Pascal e a Sony porque já se passaram 25 anos [desde a versão de 1994] e muitas jovens não sabem o que é esse livro. Isso foi antes de eu dirigir Lady Bird, mas eu havia escrito o roteiro para isso e ouvi do meu agente que as pessoas estavam se encontrando para falar sobre ‘Adoráveis Mulheres’. E eu disse, ‘oh, você tem que me marcar uma reunião. Eu tenho que escrever e dirigir esse filme’. E ele disse, ‘nenhum estúdio vai contratar você para dirigir um filme quando você não dirigiu um filme’. E eu fiquei tipo ‘Estou a caminho!’. Para mim, ficou muito claro que o livro era sobre mulheres, arte e dinheiro. O núcleo emocional sobre irmandade e família era verdadeiro, mas havia esse outro lado muito prático, que era igualmente emocional”, conta Greta em entrevista ao Film Comment

É a vez da Barbie!

O plano de desenvolver um filme baseado na Barbie não é recente. Em 2009, surgiu a notícia que a Mattel tinha firmado uma parceria com a Universal Pictures, mas o projeto não saiu do papel. Mas as tentativas não pararam por aí. Em 2014, a Sony Pictures adquiriu os direitos da obra, e contratou a roteirista Diablo Cody de ‘Juno’ (2007), para escrever o roteiro. O plano da Sony era unir a roteirista com a comediante Amy Schumer, mas Cody acabou caindo fora do projeto. Posteriormente, Hilary Winston foi contratada para dar prosseguimento ao filme ao lado de Schumer, que iria interpretar a própria Barbie. Acontece que Amy decidiu sair do projeto e alegou que teve “diferenças criativas” com o resto da produção. Mais tarde, Anne Hathaway foi contratada para interpretar a protagonista. O desfecho da história se repete: o projeto não viu a luz do dia.

Após tentativas falhas de dar vida à boneca mais famosa do mundo em formato live-action, os direitos adquiridos pela Sony expiraram, e assim surgiu o interesse da Warner Bros. Pictures de dar prosseguimento ao filme. Imediatamente, Greta Gerwig foi contratada para dirigir o projeto, o que lhe rendeu, assim como nos velhos tempos, a parceria com o marido, Noah Baumbach. Os dois são responsáveis por criar o roteiro do filme, e tiveram total liberdade criativa para encarar essa missão.

Ryan Gosling e Margot Robbie nos seus respectivos papéis de Ken e Barbie. - Otageek
Ryan Gosling e Margot Robbie nos seus respectivos papéis de Ken e Barbie. Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Que o mundo é da Barbie todos nós já sabemos. Mas o mundo também é de Greta Gerwig. Avessa aos holofotes dos blockbusters até então, a diretora se mantém de cabeça aberta para futuros projetos. Aliás, a Netflix acaba de encomendar dois filmes das ‘Crônicas de Nárnia’, que serão assinados por Gerwig. Em entrevista recente à Rolling Stone, ela revelou seu desejo de ser diretora de filmes de grandes estúdios. Para ela, ‘Barbie’ é a transição perfeita para o caminho no qual deseja seguir. Ela chegou a comparar seus objetivos ao caso de Chloé Zhao, que fez ‘Nomadland’ (2020), seguido por ‘Os Eternos’ (2021) da Marvel, e revelou estar disposta a dirigir filmes de super-heróis. Quando perguntada sobre o arco narrativo de ‘Barbie’, ela diz esperar que duas coisas tenham feito essa jornada parecer surpreendente, mas inevitável: 

“Comecei com essa ideia de Barbieland, esse lugar sem morte, sem envelhecimento, sem decadência, sem dor, sem vergonha. Nós conhecemos a história. Nós ouvimos esta história. Esta é uma velha história. Está em muita literatura religiosa. O que acontece com essa pessoa? Eles têm que sair. E eles têm que enfrentar todas as coisas que foram protegidas deles neste lugar. Então isso parecia uma coisa.” 

O Female Gaze de Gerwig

Desde o início do cinema, as mulheres assumiram papéis em frente e atrás das câmeras. Acontece que, no princípio, a atividade não gerava muito lucro, e elas reinavam escrevendo roteiros, trabalhando como figurinistas e designers de produção. A ausência de protagonismo feminino no comando de projetos é resultado da representação da mulher no cinema hollywoodiano com base no olhar masculino, sempre passiva e preparada para fetiches e a se tornar objeto de ação do homem. A influência do movimento feminista proporcionou abertura para que essas mulheres pudessem contar suas próprias histórias, afastadas das singularidades e abarcando as pluralidades. 

É no cinema independente que essas cineastas encontram espaços para criar seus filmes, já que nos grandes estúdios seus papéis se restringiam a roteiristas e atrizes comandadas pelas mãos de um homem. Dessa forma, tornou-se missão dessas mulheres criar identidades além do “estar apaixonada por um par romântico”, mas que elas pudessem existir por vontade própria, e serem responsáveis pela construção da própria história. 

A visão feminina dentro do cinema sempre foi construída por olhares masculinos. Logo, o ideal de beleza, o comportamento, os enquadramentos das personagens eram expressos por essa única ótica. Giselle Gubernikoff explica que é através do olhar masculino que a mulher busca sua própria identidade, já que ela se identifica com imagens impostas pela cultura machista. Esse seria o chamado male gaze, o olhar masculino, termo cunhado pela teórica Laura Muvley, que identifica o retrato de mulheres ao redor do mundo, a partir de uma visão heterossexual, que apresenta a figura da mulher como objeto sexual de prazer do espectador homem. 

Em contraponto a isso, surge uma mudança de um ponto de vista. O female gaze se refere ao olhar da espectadora, personagem ou diretora de uma obra artística, é uma tentativa de dissolver tudo o que é proposto pelo male gaze. O olhar feminino abrange as diversas particularidades e pluralidades de cada diretora. É uma forma de quebrar a imagem da mulher como serviço ao homem, e a direção de Gerwig é um dos exemplos de como essas representações por olhares femininos funcionam dentro da grande indústria de Hollywood. Greta construiu através da subjetividade da sua arte, um espaço para apresentar histórias de mulheres e suas relações com as mesmas. Afinal, há um vasto território nas relações femininas a serem exploradas, que não incluem um par romântico como justificativa para sua existência.                                                                                                                                                   

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Isabella Breve
Isabella Breve

Graduanda em Jornalismo, leitora voraz, amante da Sétima Arte e eternamente fã.

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