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Crítica | “Pinóquio por Guillermo del Toro”, a obediência e o menino de verdade
“Pinóquio por Guillermo del Toro” é uma animação stop-motion com elementos de musical. Somos apresentados ao senhor carpinteiro Gepeto e a seu filho Carlo (que a propósito é o nome do autor que escreveu “As Aventuras de Pinóquio”, obra originária desse universo).
Durante um bombardeio em um local vizinho à vila deles, Carlo acaba sendo alvo de uma dessas “bombas perdidas”. Gepeto, desolado pela morte de seu filho, cria um boneco de madeira que, por milagre da Vida, toma consciência como uma criança chamada “Pinóquio”.
Contexto de Guerra e a Magia
O universo dessa animação é mais realista do que um conto de fadas convencional, a magia não é algo tão comum no meio urbano, seguindo a ideia exposta no making of “Cinema Feito à Mão”: “Se tudo é mágico, nada é mágico”.
Uma Itália fascista e uma vila fortemente influenciada pelo Cristianismo é o que compõe a ambientação, o lema de tom bélico Credere, Obbedire, Combattere (Acreditar, Obedecer, Lutar) está presente com frequência nos muros; a presença do padre e do podestà (figura de autoridade fascista no filme) é forte e autoritária, assim como o ideal e a presença da guerra.
Os personagens também sofrem o efeito do realismo, ou, nesse caso, a humanização. Gepeto sente raiva e desconfiança, o Grilo é arrogante, Spazzatura é ciumento. Com esse tom realista, expondo os defeitos humanos, a personalidade de Pinóquio (empático, inocente) e de outros personagens com uma mística envolvida (frios, indiferentes) se destacam nesse mundo.
Aqui, a sociedade que segue um padrão de preconceitos e paradigmas determinados, que tem medo daquilo que é diferente, enfatiza as virtudes quando elas são colocadas em evidência.
Pinóquio e as Criaturas
Essas são as marcas registradas de Del Toro. Pinóquio foi inspirado no Frankenstein, um corpo assimétrico (com a presença de uma só orelha, por exemplo) com movimentos anormais e expressões “forçadas”. Inicialmente, tudo causa estranheza por conta da sua estrutura corpórea rígida de madeira.
Porém, rapidamente (ou magicamente, talvez), uma alma pura e doce nos é mostrada, nos apegamos a Pinóquio por sua personalidade e autenticidade que destoa e dá vida à paisagem ao seu redor.
Já se tratando das outras criaturas místicas, elas também possuem aparência louvável, com traços marcantes que já nos dão um breve parâmetro do que elas são.
A Morte tem forma de Esfinge, ou seja, um enigma, a Vida apresenta asas (lembrando um anjo ou fada), representando de algum modo uma liberdade, e ambas possuem olhos na extensão de seus corpos, revelando algum tipo de onipresença e onisciência sobre o universo em que atuam.
Além disso, as criaturas todas (exceto Pinóquio) possuem a cor azul em sua biologia, elas estão interligadas de algum modo, assim como a própria natureza, que é formada pelo conjunto de seus seres e fatores.
No geral, elas têm comportamentos de entidades ou forças da natureza. A Morte, a Vida, os espíritos da floresta, a grande criatura que vive no mar, eles todos são frios, indiferentes aos personagens e fiéis ao papel que devem exercer como seres ou forças superiores e excepcionais.
A Obediência
A obediência é um dos assuntos mais abordados, principalmente no início da trama. Todos ali estão sujeitos a obedecer, seja uma lei, um contrato comercial, um Estado, uma sociedade, uma igreja, um pai, a vida ou a morte. A obediência é a regra base dentro do espaço do filme e o contrato social firmado ali.
É importante frisar que a animação se passa num período no qual o fascismo vigora na Itália, com isso, podemos inferir alguns pensamentos.
Seres inocentes, com valores não formados inteiramente e abertos a tudo que o mundo pode oferecê-los, são coisas das quais um governo autoritário se beneficiaria, porém, é uma linha bem tênue, perfeitamente expressa no personagem Pinóquio.
Pinóquio tem todas essas características citadas anteriormente, só que difere em um ponto: ele tem curiosidade, e isso traz questionamentos diversos sobre a modo de vida daquelas pessoas à sua volta. Um pensador independente é um rebelde, e rebeldes ameaçam estruturas de poder autoritárias.
Mas, antes disso tudo, as características de curiosidade, inocência e pensamento aberto que definem um rebelde, definem também uma criança.
O Menino de Verdade
As crianças do filme são colocadas como pontos-chave dessa obediência: ser um “menino de verdade” significa seguir ordens cegamente em prol de corresponder a expectativa dos outros, trabalhar para cumprir metas impostas sobre eles.
Pinóquio não segue a biologia padrão de um garoto humano, não obedece que nem as crianças humanas e não é um filho considerado “exemplar” nos moldes do fascismo.
Contudo, ainda não sendo um “menino de verdade”, consegue ser mais humano que todos os humanos dentro da trama, sabe o porquê?
Porque o filme de Guillermo Del Toro não se trata de uma jornada para se tornar um “menino de verdade”, é uma jornada de retomada e aceitação. Aceitar que a morte é um processo natural, que a obediência não é uma virtude, e que as crianças nos ensinam como ser “pessoas de verdade”, enquanto isso, tentamos enquadrar elas no caminho de se tornarem parte de uma sociedade de “marionetes de verdade”.
“Pinóquio por Guillermo Del Toro” é uma animação stop-motion disponível na Netflix, dirigida por Guillermo Del Toro e Mark Gutafson e roteirizada por Guillermo Del Toro, Patrick McHale, Gris Grimly, Matthew Robbins.
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