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Crítica | ‘O Funeral das Rosas’ e a comunidade queer da Tóquio dos anos 60
Uma experiência transgressora, atemporal, política e poética é o que resume o Funeral das Rosas. Mas mesmo acompanhado de uma cinemática não-linear e experimental, o filme pode não agradar a todos. Afinal, às vezes a arte pode ser incômoda e visceral aos olhos dos telespectadores.
O filme é uma das principais obras da nouvelle vague japonesa e foi restaurado em 4k recentemente. Vemos hoje o motivo dele ter sido uma das referências de Kubrick para criar Laranja Mecânica.
Lembrando que é uma crítica sem spoilers
No filme, acompanhamos a história de Eddie e um grupo de mulheres trans vivendo em uma Tóquio ambientada nos anos 60. Eddie trabalha como hostess (responsável por receber clientes em bares, eventos e festas) em um dos clubes noturnos mais famosos da cidade.
A personagem ama o proprietário do clube, que é um homem comprometido com Leda, a “Madame” do bar, uma mulher trans mais madura. Eddie e as outras personagens se deparam no longa com os conflitos e preconceitos da época.
Como um grande grito de liberdade artística, Matsumoto conseguiu criar uma obra única, que não se prende aos gêneros cinematográficos. “O Funeral das Rosas” é uma grande viagem entre o drama, suspense, comédia e documentário, tudo isso entre as ruas, quartos apertados e bares de uma Tóquio bem distante de nosso tempo e cultura ocidental.
Falando em cultura ocidental, o Japão havia passado há poucos anos por uma guerra que deixou sequelas no país por muito tempo. Então, no filme é comum vermos essa representação cultural do imperialismo norte-americano através das músicas e dos pôsteres nas paredes.
Das duas grandes referências que Matsumoto usou no longa, podemos notar primeiro a Hiroshima Mon Amour já de cara através dos tons de preto e branco serenos. Já a segunda, que é citada na sinopse oficial do filme e podemos notar também em cartazes ao fundo durante a trama, é a lenda grega de Édipo Rei.
O que pode chocar algumas pessoas são algumas cenas de body horror. Porém, como eu disse no começo do texto, às vezes a arte é feita para chocar e ser incômoda.
O enredo do filme funciona como um grande quebra-cabeça, no qual entendemos a jornada de Eddie somente no final. Mas o caminho percorrido até esse final é uma grande caixa de pandora, não linear e ao mesmo tempo livre e consciente de ser uma obra vivida.
A obra parecia ciente de que iria transcender a barreira dos anos e ainda nos fazer questionar quantos funerais de rosas teremos que fazer até darmos visibilidade e dignidade não apenas à vida das mulheres trans, mas também a seus corpos e histórias.
Conteúdo recomendado:
Todos os personagens estão muito bem encaixados em seus papéis e conseguimos sentir suas dores. E isso mesmo não sabendo quando estamos vendo cenas reais do filme ou quando tratam-se das gravações de uma peça ou filme que os personagens estão interpretando.
O Funeral das Rosas também abraça a contracultura da época e busca tocar em questões de sexualidade, feminilidade e até mesmo sororidade entre mulheres trans na quase sempre noturna Tóquio dos anos 60. Ao final do longa, as luzes se apagam para alguns personagens e outros passam a enxergar.
Se você for ver o filme, desligue seu celular, tire um momento para si e embarque na história. Mas vá de coração aberto, que Eddie e suas parceiras de crime te aguardam no funeral das rosas.
Esse e outros títulos podem ser vistos no streaming Supo Mungam Plus, plataforma brasileira de streaming focada em cinema independente e autoral.