Crítica | O espetáculo técnico de “Duna” (2021)

Terceira incursão do canadense Denis Villeneuve na ficção científica, a nova adaptação de Duna finalmente consegue fazer justiça à magnitude da obra de Frank Herbert.

Duna não é uma obra fácil. Magnum opus do estadunidense Frank Herbert, o livro foi um sucesso de vendas e permeou toda a cultura pop – alguns de seus elementos estéticos e narrativos foram utilizados por George Lucas em Star Wars; outros, por H.R. Giger e Dan O’Bannon em Alien, de Ridley Scott.

Após a adaptação feita em 1984 pelas mãos (atadas) de David Lynch, totalmente massacrada pela crítica; e a versão morna em formato de minissérie, exibida em três partes pelo canal Syfy; finalmente a obra de Frank Herbert parece ter recebido a atenção e o carinho necessários para se adaptar de forma eficiente uma história de tamanha magnitude.

Essa adaptação, com roteiro de Denis Villeneuve, Jon Spaiths e Eric Roth, não trata com preciosismo e protecionismo a obra de Herbert (não há, por exemplo, medo algum em mudar o gênero e a etnia de alguns personagens importantes), mas sim, com reverência e inteligência, sempre cientes de que o público talvez não tenha a mesma reverência e o mesmo conhecimento sobre a obra.

Portanto, absolutamente tudo sobre a jornada da Casa Artreides (uma família nobre de Caladan que é convocada para comandar o árido planeta Arrakis, de onde é extraída a Especiaria, substância essencial para o transporte intergaláctico e para a manutenção do status quo no universo) é muito bem explicado, porém sem exageros (nada de personagem especialista em alguma coisa explicando a coisa para outro especialista).

Então, o ritmo que se estabelece é lento, porém bem meticuloso e seguro de si, no sentido de que consegue transmitir para o público a sensação de que este caminhão de informações é essencial para que o filme seja uma experiência prazerosa e imersiva, e não confusa e tediosa – ou seja, muito se aprendeu com as tentativas anteriores de se fazer Duna no audiovisual (inclusive a tentativa perfeita de Alejandro Jodorowsky, que é perfeita justamente porque nunca saiu do papel para vermos ao vivo e em cores seus defeitos).

Imagem promocional do filme "Duna", onde vemos a Casa Atreides reunida.
Os membros da Casa Atreides. Fonte: Divulgação/Warner Bros.

Ainda que menções ao livro e às outras adaptações de Duna sejam inevitáveis, vale a pena ressaltar, contudo, que filme não deveria precisar de muleta ou bula. Se há um consenso de que “só quem leu o livro/HQ entende/gosta do filme”, o filme muito provavelmente falhou em introduzir aquela história a um novo público.

Não é o caso aqui – Villeneuve, fã confesso dos livros de Herbert e que também ocupa a direção, sabe muito bem disso e amarra o filme de forma coesa e consistente, tornando-o algo próprio, uma obra dele mesmo, com uma qualidade e escala apoteótica que não seriam possíveis com qualquer outro realizador.

Se Denis Villeneuve mostrou a que veio em A Chegada e reafirmou em Blade Runner 2049, agora, em Duna, ele se consagra como um grande nome do cinema de ficção científica. Isso se dá pela já citada escala imensa do filme, com sets grandiosos e uma ambientação imersiva; mas também pela construção de um referencial visual específico do cinema de Villeneuve.

Muitas vezes visto como um mero “diretor contratado” desde que fez a transição do cinema canadense (onde produziu pérolas como Incêndios e Polytechnique) para o mundinho hollywoodiano, Villeneuve dá, em todas as obras que assume a cadeira de diretor, uma importância tremenda para algumas temáticas recorrentes que lhe são caras: família, alteridade e violência.

Aqui, essas temáticas estão mais uma vez nitidamente presentes, mas, para além delas, está presente um visual típico de seus últimos filmes: é possível identificar ecos de A Chegada no visual de algumas naves e personagens, assim como de Blade Runner 2049, principalmente no brutalismo do design de produção nos ambientes internos. Não é cópia, é referência, e de certa forma dá a impressão de que os três filmes se passam no mesmo universo – ou, no mínimo, constituem uma “trilogia sci-fi” involuntária na filmografia do diretor.

Paul e Lady Jessica com Stilgar e Chani. Fonte: Divulgação/Warner Bros.

Duna, é claro, é um espetáculo técnico – com elementos como a trilha sonora de Hans Zimmer (que já havia colaborado com Villeneuve em Blade Runner 2049), a fotografia de Greig Fraser (conhecido por Star Wars: Rogue One) e o design de produção de Patrice Vermette (colaborador frequente de Villeneuve, com quem fez A Chegada, Sicario: Terra de Ninguém, Os Suspeitos e O Homem Duplicado), fica difícil não imaginar uma chuva de indicações – justíssimas – nas categorias técnicas do Oscar.

Contudo, magnificência técnica nenhuma resiste a atuações fracas – e felizmente, este não é o caso aqui. Mesmo com um elenco imenso, diverso e com estrelas de diversos calibres (de Charlotte Rampling a Dave Bautista, de Javier Bardem a Zendaya), todos parecem confortáveis em seus papéis e ninguém está fora de tom – um feito e tanto, visto que mesmo o menor dos coadjuvantes tem grande importância na história e não está ali por acaso.

Vale a pena destacar, aqui, Rebecca Ferguson como Lady Jessica Atreides. Se Timothee Chalamet, o mais novo arroz de festa do cinema estadunidense, foi uma escolha perfeita para o protagonista Paul, a escalação de Ferguson como sua mãe foi ainda mais certeira. Como Lady Jessica, Ferguson é um óasis de vulnerabilidade e sentimento em um mar de personagens, em sua maioria, ou estoicos ou brutais, e imprime personalidade a uma personagem que poderia facilmente ter sido definida apenas por suas relações com homens – mãe de Paul, esposa de Leto. Quando ela aparece, a cena é dela.

Imagem promocional de "Duna" (2021), onde vemos Rebeca Ferguson como Lady Jessica, à esquerda e de vermelho, encarando Oscar Isaac, que interpreta o duque Leto Atreides, à direita e com as costas viradas para a câmera.
Lady Jessica e Duque Leto Atreides. Fonte: Divulgação/Warner Bros.

Por fim, vale frisar que Villeneuve estava certo: é um filme para ser visto na telona. Portanto, recomendo que quem se sentir seguro, estiver vacinado e tiver condições e um cinema em funcionamento por perto, vá e veja o filme por lá.

Em IMAX, se possível – contudo, não acredito que aqueles que assistirem ao filme em salas comuns vão “sair perdendo” algo em comparação àqueles que o verem em IMAX: em alguns momentos, a razão de aspecto muda, quiçá aleatoriamente, e o filme passa a ser widescreen. Provavelmente é uma decisão artística, mas depois de tanto alarde sobre a versão em IMAX, não deixa de ser uma decisão artística peculiar.

Depois de quase dois anos sem cinema de forma presencial, Duna é uma experiência sublime e catártica – é quase um diálogo de um mundo devastado para o outro.

Que venha a Parte Dois.

Confira o trailer de Duna:

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Gabriela Spinola
Gabriela Spinola

Tradutora, mineira, e eternamente emo.

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