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Crítica | A perspectiva acrítica de “Zona de Confronto”
Escrito e dirigido por Frederik Louis Hviid e Anders Ølholm, “Zona de Confronto” é um thriller interessante que se perde devido à acriticidade dos realizadores ante os eventos que eles mesmos expõem.
Um dos principais lançamentos do cinema dinamarquês do último ano, Zona de Confronto (“Shorta”) foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Veneza 2020. Escrito e dirigido por Frederik Louis Hviid e Anders Ølholm, o filme apresenta uma Dinamarca marcada por tensões raciais após a hospitalização de um jovem muçulmano, Talib Ben Hassi (Jack Pedersen), que entrou em coma após uma abordagem brutalizada por parte da polícia.
Assim, acompanhamos os policiais Jens (Simons Sears) e Mike (Jacob Hauberg Lohmann) quando, após realizarem uma abordagem desnecessária no rapaz Amos (Tarek Zayat), se veem presos em Svalegården, bairro (fictício) de habitantes em sua maioria negros e muçulmanos, quando a notícia da morte de Ben Hassi é anunciada. O que se segue são quase duas horas de uma ação frenética, contudo, pouco disposta a voltar um olhar mais reflexivo para as tensões que expõe.
O filme estabelece desde o início que há uma dinâmica maniqueísta entre os dois policiais forçados a fazerem dupla: Mike é o policial grandão, turrão e malvado; enquanto Jens é sua contraparte mais sensível, empática e comedida. Essa dinâmica se inverte ao longo da projeção, com Mike mudando de perspectiva após um evento em particular, e com Jens se brutalizando cada vez mais a fim de sobreviver enquanto está no olho do furacão.
Porém, o longa raramente questiona as motivações para essas mudanças nos caracteres dos personagens – por exemplo, um dos personagens “muda de lado” porque é pai e se solidariza com a dor de uma mãe, mas não havia sequer mencionado antes que era pai e, além disso, era um personagem que, até meia hora antes, fazia piadas racistas e utilizava termos igualmente derrogatórios para se referir aos personagens pelos quais, de repente, se mostra disposto a ser protegido por e a proteger.
Zona de Confronto também não apresenta qualquer perspectiva mais ampla sobre o ódio destilado pelos personagens em relação à comunidade muçulmana. Não há qualquer criticidade sobre a marginalização e a criminalização desta parcela da população, o que vemos é racismo puro e simples.
Não há qualquer diálogo ou insinuação de que a questão migratória na Europa seja algo que está sendo fomentado há séculos devido ao colonialismo promovido pelos próprios Estados europeus, ou de que seja algo mais complexo do que apenas “pessoas racializadas versus brancos europeus”; no máximo, o filme parece insinuar, por vezes, que a população tem certa razão em se revoltar e que a polícia é extremamente negligente nas regiões onde esses imigrantes habitam.
Porém, esse discurso não se sustenta, visto que há toda uma sequência dedicada a mostrar como esses indivíduos são “malvados de graça”, com os policiais salvando o dia. E o próprio filme não consegue sustentar a mudança dos personagens ao final do longa, justamente por não ter exibido criticidade alguma ao longo da narrativa.
A sensação que fica é a de que quiseram apenas mostrar que nem todo mundo é totalmente bom ou totalmente mau – nem os policiais, nem os imigrantes. Mas tudo se mostra raso e não há impacto emocional algum, exceto pela morte gratuita de um cachorro e uma criança, ambos servindo unicamente de degrau para que o personagem do policial turrão e racista pudesse se “suavizar”.
Uma única decisão narrativa interessante é a de não mostrar de fato os eventos que levaram à agressão de Talib Ben Hassi e sua eventual morte – desta forma, o filme nos deixa pensando qual o grau de envolvimento dos policiais que acompanhamos. Isso, ao mesmo tempo, dificulta que tenhamos empatia com eles – afinal, tudo o que sabemos é o que é dito, e é dito que Jens foi omisso e Mike estava mais envolvido do que qualquer pessoa com o mínimo de senso moral deveria estar.
E nenhuma dessas atitudes exatamente suscita empatia no público, a menos que o espectador concorde com a brutalidade policial (e, nesse caso, Zona de Confronto provavelmente lhe será apenas mais um filme agradável de ação, e não um emaranhado de problemáticas mal trabalhadas ou abandonadas no meio do caminho).
Apesar da narrativa frouxa, vale destacar o excelente trabalho técnico feito neste filme. A trilha sonora de Martin Dirkov, por vezes, carrega ecos de Blade Runner 2049 e conduz muito bem os momentos de ação – vale a pena assistir ao filme com fones de ouvido ou aumentar sem dó o som da televisão. A trilha sonora é a grande estrela do filme, ao lado da montagem segura de Anders Albjerg Kristiansen e a fotografia estonteante de Jacob Møller, que trabalha muito bem com jogos de cores e momentos de chiaroscuro.
Zona de Confronto é um filme de ação que tinha tudo para ser mais interessante e fora da caixinha; contudo, a ilusão de uma “neutralidade” tornou o longa tão apático quanto qualquer um dos inúmeros filmes de ação genéricos estadunidenses que vemos ser lançados ano após ano, a despeito dos nítidos esforços de sua fotografia, edição e trilha sonora; bem como a boa atuação do trio principal, que faz o melhor possível com um material que deixa tudo muito preto-no-branco, mas quer que o espectador se iluda a crer que há ali alguma nuance.
O filme está disponível para compra e aluguel na Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple Tv, Google Play e YouTube Filmes.
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