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Previsibilidade e conservadorismo marcam a cerimônia do Oscar 2024
Nunca foi segredo para ninguém que o Oscar é uma premiação do cinema mainstream norte-americano. Desde sua concepção em 1929 – em um jantar privado que durou 15 minutos –, o prêmio é uma celebração para vangloriar o glamour da indústria, cercado pelo espetáculo midiático dos vestidos e smokings de luxo. Assim, é uma grande festa para celebrar a indústria, mas não a indústria mundial, e sim a estadunidense. Em termos gerais, é uma cerimônia de culto a Hollywood, que celebra nomes que, muitas vezes, não deveriam ter espaço midiático. Certas vezes demonstra estar aberta à diversidade – ao premiar “Parasita” como Melhor Filme em 2020, por exemplo –, mas não passa de mera ilusão. Na realidade, é uma forma de manter o poder dentro da indústria.
Neste ano, ao contrário das duas edições anteriores – com indicações que se tornaram esquecíveis com o passar do tempo –, grandes atores, diretores e, especialmente, filmes foram postos em cena. Apesar da diversidade na qualidade técnica, desde o início da temporada de premiações, o favoritismo já havia sido confirmado. Com 13 indicações no Oscar e mais de 20 acumuladas nas outras premiações do circuito hollywoodiano, “Oppenheimer”, filme dirigido por Christopher Nolan (“Interstellar” e “A Origem”), já confirmava sua vitória. Com a conquista de 7 estatuetas – incluindo Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Fotografia e Melhor Montagem –, o filme é baseado no livro de mesmo nome, que reconta a história do físico Robert Oppenheimer, conhecido pelo título de “pai da bomba atômica”, uma vez que coordenou o Projeto Manhattan, criado com o intuito de desenvolver as primeiras bombas atômicas do mundo – fato que ajudou a pôr fim na Segunda Guerra Mundial
Embora sua qualidade técnica seja inegável, é fato que na filmografia de Nolan as mulheres raramente têm espaço e, em muitos casos, são construídas a partir da ótica da insanidade. Aqui, Emily Blunt interpreta a esposa de Oppenheimer, Katherine Oppenheimer, e não foge aos padrões narrativos do diretor de “Interstellar”. Somado a esse cenário, “Oppenheimer” representa tudo aquilo que a indústria hollywoodiana venera: filmes dramáticos com temáticas relacionadas à guerra que valorizam a nação estadunidense. Tal fato remonta aos primórdios do prêmio: “Asas” (1927), o primeiro filme a vencer a categoria de Melhor Filme, apresenta elementos de produções vencedoras do prêmio até os dias de hoje: romance, guerra e luta pela sobrevivência. “Oppenheimer” é um filme sobre um físico norte-americano que comandou um projeto encomendado pelo governo americano e, além disso, sobre uma descoberta norte-americana capaz de destruir o planeta Terra: a bomba atômica.
Ainda que a obra de Nolan não ofusque os horrores da invenção – o olhar aterrorizante do personagem interpretado por Cillian Murphy evidencia isso –, no fim, ao aclamar “Oppenheimer” nesta temporada, não estará a indústria clamando a si mesma?
Mesmo com os arrependimentos do físico norte-americano, que dedicou o restante da sua vida a combater as armas nucleares, em especial a criação da bomba de hidrogênio, o envolvimento do cientista no projeto, e sua posição em relação ao arremesso das bombas em Hiroshima e Nagasaki é marcada por diversas interseccionalidades, e não pretendo trata-lás aqui. Apesar disso, a história é como ela é, não existem modificações do passado, e a decisão do físico foi tomada naqueles tempos. “Vivemos em um mundo criado por Oppenheimer. Quero dedicar (o prêmio) àqueles que defendem a paz em todos os lugares”, disse Cillian Murphy ao receber o Oscar por sua atuação no longa.
Com tantas questões em jogo, o favoritismo do filme desde o início da temporada não deu espaço para que outras produções ocupassem espaço, tornando o cenário polarizado. No fim, Hollywood premiou a si mesma por uma invenção que matou aproximadamente 60 mil pessoas. Por outro lado, produções como “Assassinos da Lua das Flores”, dirigida pelo aclamado e lendário Martin Scorsese (“Os Infiltrados” e “Os Bons Companheiros”), retratam os anos de abuso e assassinatos cometidos pelo homem branco estadunidense contra a nação indígena Osage, um povo que detinha alto poder monetário devido à região rica em petróleo que habitavam.
O filme é baseado no livro-reportagem de mesmo nome e explora a criação do FBI, uma vez que as mortes da nação Osage foram o estopim para a criação do serviço. Em “Assassinos da Lua das Flores”, Scorsese questiona a posição de poder dos homens brancos estadunidenses através da construção do personagem de Leonardo DiCaprio, que, num primeiro momento, tem sua moralidade questionada pelo espectador; e também pela personagem indígena interpretada por Lily Gladstone, que fez história nesta temporada. Assim, o ofuscamento de “Assassinos da Lua das Flores” – que não conquistou nenhuma categoria no Oscar, nem mesmo as técnicas – representa o silenciamento e, até mesmo, a ignorância estadunidense perante sua história sangrenta.
Martin Scorsese é um dos maiores diretores da história do cinema mundial. Ao longo de sua carreira, acumulou mais de 10 filmes em sua filmografia. Neste ano, seu 3º filme recebeu 10 indicações na premiação, mas não obteve nenhuma vitória. Apesar do número impressionante de indicações ao longo de sua carreira, Martin ganhou apenas uma vez como Melhor Diretor por “Os Infiltrados” em 2007. Mais uma vez, em 2024, aos 81 anos de idade, o diretor saiu da premiação sem nenhum prêmio.
As categorias, em sua maioria, continham vitórias previsíveis. Entretanto, ainda que o cenário se concentrasse em dois grandes nomes, a escolha pela Melhor Atriz causou discordâncias nos bolões. Aqui, três grandes nomes eram destaque e, dessa forma, independente da escolha, a resposta, ainda que merecida, poderia parecer injusta para as outras duas. Emma Stone em seu papel de Bella Baxter em “Pobres Criaturas”, Lily Gladstone em “Assassinos da Lua das Flores”, e Sandra Huller em “Anatomia de uma Queda”, ainda que em papéis opostos em relação ao filme uma da outra, eram os grandes destaques da categoria, uma vez que seus papéis brilharam e ofuscaram os outros personagens de sua história.
Apesar da excelente performance de Sandra Huller em “Anatomia de uma Queda”, que remete ao dilema moralista de “Dom Casmurro” de Machado de Assis, a disputa pelo prêmio de Melhor Atriz se resumia a Emma Stone e Lily Gladstone. No início da temporada, Emma Stone acumulava prêmios na categoria, enquanto a temática de “Assassinos da Lua das Flores”, dirigida por Scorsese, levantava a questão se a indústria premiaria um filme que abordava o passado sangrento dos Estados Unidos, mesmo que “Pobres Criaturas” tratasse de temas tidos como tabu pela sociedade. Ao final da temporada, o cenário era equilibrado, sem uma favorita definida para o Oscar. No fim, Emma Stone venceu pelo seu papel brilhante, original e divertido no filme de Yorgos Lanthimos. Ao receber o prêmio, ela dedicou-o às suas colegas: “Sandra, Annette, Carrey, Lily, eu divido esse prêmio com vocês. Eu admiro vocês e tem sido uma honra fazer isso com vocês e espero que a gente possa continuar fazendo”.
Lily Gladstone venceu o Globo de Ouro e o Sindicato dos Atores pelo seu papel de Mollie em “Assassinos da Lua das Flores”, tendo sido a primeira mulher indígena a vencer o primeiro prêmio, em uma categoria da premiação que tem 81 anos de existência. Caso ela tivesse ganhado o Oscar, também faria história na categoria. No Globo de Ouro, ela aproveitou para agradecer Scorsese, DiCaprio e homenageou o povo indígena:
“Estou segurando este prêmio junto com as minhas irmãs, que estão na mesa. Com Leo [DiCaprio], Martin [Scorsese], com a minha mãe. Vocês transformaram muita coisa, obrigada por serem aliados. Dedico à nossa nação. Obrigada a todos vocês, esse prêmio vai para todas as crianças de áreas urbanas e nativas que tem um sonho, se veem representadas no nosso trabalho. Obrigada pela confiança.”
Enquanto “Oppenheimer” e “Pobres Criaturas” – vencedor de 4 prêmios – foram o destaque da noite, “Barbie”, filme de Greta Gerwig que recebeu 8 indicações, passou despercebido e levou um Oscar para a casa. Ainda que a apresentação de “I’m Just Ken” tenha sido memorável – contando com a figura do guitarrista Slash e Martin Scorsese sorrindo na plateia – a emocionante “What Was I Made For?” de Billie Elish levou a estatueta para a casa. A não indicação de Greta Gerwig pela direção no filme foi alvo de polêmicas no início da temporada, uma vez que a história da boneca da Mattel foi a maior bilheteria do ano passado. Ryan Gosling, que interpreta o Ken, deu uma entrevista dizendo não existir “Barbie” sem Greta e Margot Robbie – que interpreta a boneca. Além disso, o fato não passou despercebido pelo anfitrião da premiação desse ano, Jimmy Kimmel, que aproveitou a situação para gerar alívio cômico. No fim, apesar das indicações, “Barbie” foi esnobado pela Academia.
Em Melhor Som, ao contrário de muitas apostas, o impactante “Zona de Interesse” foi o vencedor da categoria. Além disso, o filme também levou o prêmio de Melhor Filme Internacional para casa. Na ocasião, o diretor Jonathan Glazer fez um discurso alertando sobre os conflitos em Gaza: “O nosso filme mostra a forma como a desumanização moldou todo o nosso passado e presente (…) Neste momento, estamos aqui, como homens que refutam o seu judaísmo e criticam o facto de o Holocausto ter sido desviado por uma ocupação (…) Quer se trate das vítimas do ataque de 7 de outubro em Israel ou do ataque em curso em Gaza, de todas as vítimas desta desumanização, como é que podemos resistir?”.
Com esnobados, previsibilidade e conservadorismo, o Oscar 2024, quando comparado ao histórico dos últimos dois anos da premiação, conseguiu atrair o público – com 19,5 milhões de telespectadores, a premiação atingiu a melhor audiências nos últimos 4 anos – apostando em musicais que remetem a apresentações passadas – Ryan Gosling em “I’m Just Ken” prestou homenagem a uma apresentação de Marilyn Monroe na premiação pelo seu filme “Os Homens Preferem as Loiras” – ou na presença do cão Messi, que participou do incrível e conflituoso “Anatomia de uma Queda”. Apesar disso, o Oscar nada mais é que um produto feito para sustentar uma indústria elitista e glamourosa. Um filme de Oscar nem sempre é o “melhor” daquele ano, mesmo que o conceito de qualidade seja subjetivo. Muitas vezes, discussões e acontecimentos do último ano pesam na hora da seleção. Às vezes são escolhidos para mascarar uma diversidade que não existe, como a vitória de “Green Book” em 2019. Nenhum prêmio é suficiente para dominar o valor de uma obra de arte, e nem sua “qualidade”. Isso é fato.
🏆 Confira os vencedores:
Melhor Filme: “Oppenheimer”
Melhor Direção: Christopher Nolan por “Oppenheimer”
Melhor Atriz: Emma Stone por “Pobres Criaturas”
Melhor Ator: Cillian Murphy por “Oppenheimer”
Melhor Atriz Coadjuvante: Da’Vine Joy Randolph por “Os Rejeitados”
Melhor Ator Coadjuvante: Robert Downey Jr. por “Oppenheimer”
Melhor Roteiro Original: Justine Triet & Arthur Harari por “Anatomia de uma Queda”
Melhor Roteiro Adaptado: Cord Jefferson por “Ficção Americana”
Melhor Animação: “O Menino e a Garça”
Melhor Filme Internacional: “Zona de Interesse”
Melhor Documentário: “20 dias em Mariupol”
Melhor Documentário em Curta-metragem: “The Last Repair Shop”
Melhor Curta-metragem: “A Incrível História de Henry Sugar”
Melhor Curta-metragem de Animação: “War is Over”
Melhor Trilha Sonora: Ludwig Göransson por “Oppenheimer”
Melhor Canção Original: “What Was I Made For” (Barbie)
Melhor Som: “Zona de Interesse”
Melhor Design de Produção: Shona Heath por “Pobres Criaturas”
Melhor Fotografia: Hoyte van Hoytema por “Oppenheimer”
Melhor Cabelo e Maquiagem: “Pobres Criaturas”
Melhor Figurino: Holly Waddington por “Pobres Criaturas”
Melhor Montagem: Jennifer Lame por “Oppenheimer”
Melhor Efeitos Visuais: “Godzilla Minus One”
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