Acompanhe o Otageek nas redes sociais
Entrevista | Diego Aguiar Vieira – o escritor brasileiro que você precisa conhecer!
31 de outubro, dia das bruxas e nada melhor do que comemorarmos apresentando um excelente autor brasileiro que trabalha o universo lovecraftiano numa ambientação nacional. Otakus & Geeks, conheçam o bruxo Diego Aguiar Vieira.
Otageek– Como começou sua carreira literária? Qual a sua formação?
Diego Aguiar- Em primeiro lugar, Claudio, gostaria de agradecer pela oportunidade de responder a essas perguntas e falar sobre os projetos em que estou envolvido. Acho que sempre escrevi, desde que minha mãe me ensinou a ler e a escrever, passando pelas primeiras redações na escola, sinto que já tirava um grande prazer de poder acessar a minha imaginação de uma forma mais ou menos elaborada.
Por volta dos meus doze anos, meu pai comprou o primeiro computador pra nossa casa, um PC 386 de segunda mão com tela preto e branco e lá eu comecei a batucar o teclado de maneira mais consciente. O que antes eram apenas pequenos ensaios de histórias, feitas principalmente na Olivetti portátil de minha mãe, passaram a ser tentativas de narrativas mais longas, como um pequeno livro que escrevi nessa época sobre uma das minhas grandes obsessões da infância: Os Três Patetas.
Por volta dos dezesseis anos, já com acesso a internet, pude conferir como eram escritos os roteiros de cinema e me aventurei a escrever um também. Quando me dei conta de que não conseguiria filmar aquilo, achei que seria uma boa ideia transformá-lo no roteiro de um quadrinho – nenhum dos dois nunca foi realizado, claro, mas sinto que foi um bom começo, porque no ano seguinte já conseguia escrever histórias mais elaboradas, principalmente em quadrinhos, o que permitiu que eu tivesse minha primeira HQ ilustrada pelo Antonio Eder, já então um desenhista consagrado.
Essa história foi publicada no Fanzine Informal, que havia acabado de ganhar o HQ Mix, o que me faz crer que, no mínimo, era uma boa história para figurar numa publicação como aquela, editada pelo André Diniz e pelo Antônio, na extinta editora Nona Arte.
De lá pra cá, pude participar de algumas coletâneas, lançando um álbum experimental, Pássaros Artificiais, em 2016, além de ter sido contemplado duas vezes com o edital de cultura da prefeitura de Curitiba, junto com o João Ferreira, publicando os álbuns Crônicas de Calavera: O Artista do Fim do Mundo e Memento Mori.
Mas só agora, depois de mais de vinte anos escrevendo, é que começo a ver algumas portas se abrindo pra mim no mundo editorial. Pode ser que eu finalmente tenha alcançado um ponto comercialmente viável com o meu texto ou que eu esteja sendo descoberto de alguma maneira.
Pra mim é um pouco dos dois, acredito que sempre escrevi as histórias que gostaria de ler, mas agora eu estou mais consciente da força de meu texto, dos caminhos para onde posso levar uma história e, principalmente, como não alienar o público nesse processo.
Sempre escrevi as histórias que gostaria de ler, mas agora eu estou mais consciente da força de meu texto
Ainda posso dificultar a vida de algumas pessoas, claro, mas acredito que a maior parte das coisas hoje em dia está a uma pesquisa de distância e, convenhamos, isso não impedia que as pessoas virassem as páginas de uma enciclopédia, então como seria tão difícil agora?
Quanto à minha formação, sou essencialmente um contador de histórias, embora tenha uma graduação em jornalismo e um mestrado em comunicação, cultura e educação em periferias urbanas.
A maior parte da minha trajetória profissional consiste em escrever, sejam matérias, tradução literária e de quadrinhos, roteiros para o audiovisual (inclusive um reality show gospel), quadrinhos e, nos últimos dez anos, a prosa, que foi o caminho pelo qual enveredei quando me dei conta de como era difícil publicar quadrinhos no Brasil – o que foi ótimo, porque sinto que pude amadurecer muito da minha persona, não apenas como autor, mas também como leitor nesse processo, o que considero essencial para o ofício da escrita.
Otageek– Você está envolvido em 13 projetos de quadrinhos, alguns como editor. Quais os seus projetos atuais?
Diego Aguiar- Acabo de contar aqui na minha lista e notei que esse número aumentou para 25. Desses, 19 são de minha autoria ou contam comigo em alguma parte do processo de roteiro. Infelizmente, pela minha experiência, pode ser que alguns desses projetos se transformem, deixem de existir ou, simplesmente, fiquem por anos numa gaveta, até que encontrem uma maneira de respirar de novo. Atualmente estou trabalhando em algumas coisas e batalhando para que outras saiam do papel:
1) A Locadora do Farol, HQ em série, ilustrada pelo João Ferreira, e que sai em formato digital pela Conrad, vai começar a sair em formato físico pela minha editora, a Mambembe Livros. Nossa intenção é lançá-la de forma seriada, conforme for sendo ilustrada. Atualmente estou escrevendo a 5ª edição enquanto o João está ilustrando a segunda, e creio que temos umas 25 edições programadas. Acredito que até o ano que vem já teremos 7 edições engatilhadas, o que meio que fecha o primeiro arco e abre caminho para o segundo, maior e mais complexo.
A Locadora, superficialmente, é um quadrinhos de heist*, sobre um grupo de funcionários de uma antiga videolocadora que invadem os filmes para roubar obras de arte e vender por valores exorbitantes para colecionistas e aficionados – mas o que eu acho mesmo que ela é, é uma crítica ao atual modelo de consumo do entretenimento, onde tudo é descartável, só se aguarda pelo próximo hype, ao mesmo tempo em que vemos pequenos grupos de fãs tão vocalmente encantados pelas coisas que amam, que não aceitam mudanças e diversidade, o que, francamente, é vergonhoso em todos os sentidos.
*Subgênero policial que mostra um grupo de pessoas envolvido em um roubo ou grande golpe. A introdução do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas e a série A Casa de Papel são dois bons exemplos.
2) Há ainda Fences of the Wire, uma HQ em inglês, que estou escrevendo aos poucos, sendo ilustrada por um rapaz muito talentoso, o Jonatas Sagretti, da minha cidade natal, Macuco. Este trabalho, como mencionado anteriormente, é uma dessas coisas que era de um jeito e acabou ficando de outro. Inicialmente tratava-se de um livro, Os Fios de Zacarias, que escrevi há cerca de 7 ou 8 anos, mas nunca saiu da gaveta.
Eu pensava que precisava polir ele de alguma forma e, agora, me parece que só não era o formato ideal. Esta é uma história de super-heróis, mas de um jeito muito incomum, e eu pedi ao Jonatas para que desse um tratamento antropomorfizado para cada personagem, então agora está realmente virando outra coisa, o que muito me agrada, principalmente por se tratar de uma história sobre alquimia.
3) Em breve, muito provavelmente até maio, a Mambembe Livros também vai reeditar meu quadrinho Pássaros Artificiais, agora no formato em que ele foi originalmente escrito, como uma HQ em formato canoa (com grampos), onde o leitor deveria desmantelar a coisa toda pra encontrar outras leituras do material.
Escrita em 2009, essa história foi originalmente publicada como uma tira de jornal que saia semanalmente, mas em 2016 o Antonio Eder, que havia desenhado essa primeira versão, fez tudo de novo e publicamos num formato experimental, num envelope com as páginas soltas. Foram apenas cem exemplares, que tinham textos de minha autoria no verso das folhas, além de uma página datilografada em cada um, parte de uma pequena novela de cem páginas, que finalmente também deve ganhar a luz do dia em algum momento do futuro.
4) Acabo de confirmar que vou escrever um álbum de cinquenta páginas da personagem Valkíria, criada pelo Alex Mir e Alex Genaro. A minha história foi criada originalmente para outra personagem, a Red Sonja, e seria apresentada por lá por um grande ilustrador brasileiro, com fama no exterior. O projeto acabou não indo adiante, mas tive a oportunidade de retrabalhar os conceitos e até o meio do ano o roteiro já estará escrito. A história provavelmente será ilustrada pelo Genaro e deve sair pela Thotix, do meu amigo Hamilton Kabuna.
5) Também estou, nesse exato momento, escrevendo o roteiro de uma HQ que mistura dois autores que, eu acho, pouca gente associaria, um brasileiro e outro norte-americano. É um projeto antigo, que também deveria ter começado a ser gestado por volta de 2017, mas só agora está finalmente saindo. Não sei o quanto posso dizer sobre isso, mas estou coescrevendo com meu escritor brasileiro vivo favorito e se isso não é um sucesso por si só, não sei o que seria.
Sempre escrevi as histórias que gostaria de ler, mas agora eu estou mais consciente da força de meu texto
Os outros projetos em que estou trabalhando como autor são algumas adaptações literárias, algumas histórias originais e até reescritas de alguns dos materiais que escrevi lá atrás, enquanto estava começando. Se não dou os nomes ou entro em mais detalhes, isto é simplesmente porque não quero entediar ainda mais as pessoas do que elas já devem estar à essa altura.
Já como editor, posso adiantar que vamos ter muitas novidades pela Mambembe Livros esse ano, como Palmas para o Esquilo, de David Soares e Pedro Serpa, dupla portuguesa, vencedora de prêmios como o Amadora, e inéditos no Brasil; os Quadrinhos Azedos, de Felipe Limão; Mãe, uma adaptação de Hans Christian Andersen, do Felipe Campos; Gu ê Krig e Now Sem Rumo, do Lor, que já publicamos com uma nova edição do clássico dos quadrinhos nacionais, Retrato Falado, entre outros.
Leia também:
Otageek– Você escreveu alguns curtas e talvez escreva um longa metragem. Quais são eles e qual o enredo do longa?
Eu escrevi uma websérie trash, Na Terra dos Pés Juntos, que foi filmada de forma completamente amadora pela primeira própria anti-produtora, a Macuco Beleza. Tenho vontade de retrabalhar essa história, talvez como um conto ou até uma HQ, mas sinto que ainda não é a hora.
Escrevi o roteiro de um longa com Lúcio Manfredi e Dell Freire, dois grandes amigos, com grande experiência no audiovisual e, ele também, enquanto não encontra um sinal verde entre produtoras, pode acabar virando outra coisa.
Estou com uma história longa de terror coçando no fundo da cabeça, pedindo para ser solta, mas vou deixar ela lá por um tempo por uma questão financeira – seria bom variar e ser pago para criar algo no audiovisual.
Durante os primeiros meses de pandemia, num surto criativo, escrevi cerca de vinte curtas metragens e dois ou três longas. Desses curtas, a maioria foi escrita com a intenção de ser filmado pelos próprios atores, em isolamento social, repetindo um pouco do que parece ser a sina de cada época, onde criadores tentam a todo custo entender os fenômenos e circunstâncias nas quais estamos mergulhados, então aproveitei essas histórias para falar sobre relacionamentos a distância, política, trabalho e outras questões. Que eu saiba, apenas dois foram filmados e eu cheguei a ver um deles finalizado, mas não sei qual o status desse projeto ou mesmo se algum desses curtas foi inscrito em algum festival, etc.
Eu estou com uma história longa de terror coçando no fundo da cabeça, pedindo para ser solta, mas sem ter uma produtora associada, acho que vou deixar ela lá por um tempo, principalmente por uma questão financeira – já escrevo coisas demais sem receber por isso, seria bom poder variar e ser pago para criar algo no audiovisual, por exemplo.
Otageek- Além de Crepúsculo, de Howard Chaykin, quais outros quadrinhos já traduziu?
Diego Aguiar- Junto com a Ludimila Hashimoto, que foi a primeira pessoa a me dar uma chance nessa área, traduzi dois volumes da Saga de Thanos, um dos Novos Titãs e Scooby-Apocalipse. Acho que houveram outros, mas como nem sempre fomos creditados, perdi a conta.
Junto com a Ludimila Hashimoto, que foi a primeira pessoa a me dar uma chance nessa área, traduzi dois volumes da Saga de Thanos, um dos Novos Titãs e Scooby-Apocalipse. Acho que houveram outros, mas como nem sempre fomos creditados, perdi a conta.
Otageek- A sua tradução de Ulisses, de James Joyce, será lançada por qual editora?
Diego Aguiar- Pela Colenda, de Brasília, que também vai publicar outra tradução minha do Joyce, Stephen Herói. A tradução está na fase final de revisão e notas. Foi um trabalho longo, dedicado, em que, mais uma vez, tive a oportunidade de reler o livro enquanto o cotejava com as outras traduções, que muitas vezes eram muito mais úteis para o processo do que muitos artigos e livros dedicados ao livro.
É particularmente impressionante ver como meus antecessores tomaram caminhos diversos em várias situações e como pude, sem exatamente ser um especialista na área, ou mesmo no livro (ainda que tenha, como disse, o lido diversas vezes e seja particularmente fascinado por ele), criar novos caminhos para esse texto, sendo tão fiel quanto possível e em consonância com o espírito rebelde e desafiador encontrado em todas essas outras traduções.
Otageek- Quais os desafios para quem quer se tornar escritor profissional no Brasil? E quais os desafios de se montar uma editora?
Diego Aguiar– O primeiro deles é entender que esse é um patamar onde poucos chegam. E eu não estou lá. Ou, pelo menos, não como entendo. Foram pouquíssimas as vezes em que fui pago para ou por escrever em todos esses anos. Acredito que um escritor profissional deve ser pago pelo seu trabalho e eu não acho que receber apenas os royalties de um livro ou quadrinho seja o suficiente.
Não estou reclamando de nenhuma editora em particular, principalmente porque sou honrado de trabalhar com aquelas que se sentem atraídas pelos meus trabalhos a ponto de publicá-las. Mas eu realmente acredito que esse é um status reservado a poucos no Brasil e, por isso mesmo, tomei a decisão de que este é o meu último ano trabalhando nesse modelo.
Ser um escritor profissional é um patamar onde poucos chegam. Um escritor profissional deve ser pago pelo seu trabalho e não apenas receber os royalties de um livro ou quadrinho.
A partir de 2025, só escreverei quando tiver vontade ou se me pagarem – ou se for pra eu mesmo me editar, provavelmente pela Mambembe. É claro que pretendo honrar todos os meus compromissos até lá, de maneira que esse, sem dúvida, deve ser o ano em que mais vou escrever até hoje.
Antes de se tornar um escritor profissional, você precisa se aceitar como escritor. Entender que não se pode ter pressa, ainda mais no campo da criação.
Além de todas as HQs que tenho planejadas, também tenho pelo menos dois livros, um para concluir, e outro para retomar, além de algumas novelas engavetadas que finalmente devem ganhar à luz do dia em momentos futuros, o que me faz concluir que a resposta ideal é a de que antes de se tornar um escritor profissional, talvez você precise se aceitar como um escritor, entender que não é preciso ter pressa, que nem tudo é pra ontem, ainda mais no campo da criação.
Precisamos entender que os autores não vivem de luz. Não basta publicá-los. Queremos pagá-los antecipadamente. Não se trata de competir com outras editoras, mas garantir que todos estejam envolvidos, artistas e editores.
Quanto aos desafios para se montar uma editora, o primeiro deles é justamente entender que os autores não vivem de luz, não podemos nos colocar numa posição de publicá-los e achar que isso está bom. Por mais que sejamos pequenos, queremos pagar os autores antecipadamente por essas publicações.
Os desafios seguintes tem a ver justamente com essa nossa missão, precisamos entender quais tiragens são lucrativas, como vender, que espaços ocupar. Não se trata necessariamente (apenas) de competir com outras editoras, mas de garantir que todos os envolvidos, passando dos artistas a equipe técnica e nós, os editores (no caso, eu e minha esposa, Júlia C. Rodrigues professora, doutora especialista em literatura, tradutora e escritora).
Otageek- O Brasil tem um rico folclore e uma vasta gama de criaturas mitológicas e assombrações. Mesmo assim, o mercado para terror e ficção fantástica é fraco, não por parte dos leitores, mas das editoras. A que se deve isso, na sua opinião?
Diego Aguiar– Por alguma razão que me escapa, em algum momento da nossa história, o realismo mágico perdeu espaço para um realismo chato e altamente burguês. Mesmo durante a editora, autores como Antonio Callado não estavam inteiramente ligados ao realismo, um dos nossos maiores escritores, Jorge Amado, se banhava nesse rio, onde também estiveram Guimarães Rosa e Ignácio de Loyola Brandão, mas, ao que parece, esse rio virou um fio d’água que poucos nos aventuramos a desbravar.
Precisamos, na minha opinião, é furar a bolha, deixarmos de sermos vistos como “literatura de entretenimento”, como o Jabuti, por exemplo, insiste em chamar.
Particularmente, com algumas exceções, eu não me atraio tanto pelo realismo, principalmente por esse forjado em balcões de bar e herpes na Avenida Paulista. Mas nós somos um povo do sul, nós nos deitamos com bestas aquáticas e voamos nas asas de pássaros encantados. O que precisamos, na minha opinião, é furar a bolha, deixarmos de sermos vistos como “literatura de entretenimento”, como o Jabuti, por exemplo, insiste em chamar, mesmo que para isso tenhamos que ser tomados como “literatura séria” ou algo que o valha.
Otageek- Qual o enredo de Macuconha (embora o título já nos dê uma pista)? E por que o pseudônimo Tompinhão?
Diego Aguiar- Macuconha é um livro divertido, nascido da minha pesquisa de mestrado sobre narrativas intermidiáticas no interior do fluminense. Ela surge como um blogue, onde as histórias se hiperlinkavam com um site já apagado e uma websérie já mencionada.
É a história de um grupo de amigos em uma cidade pequena, um retrato absurdo e fantástico da melancolia que toma conta das pessoas isoladas em cidades pequenas – algo que eu conheço bem de perto. Quis lançar o livro usando o pseudônimo de Tompinhão Coelho, que é uma homenagem a Thomas Pynchon, porque na época fiquei receoso de que iria dar alguma repercussão. Não foi o caso.
Otageek- Qual o enredo de A Fera de Macuco?
Diego Aguiar- Esta é uma história real: na década de setenta a cidade foi, pela segunda vez, assombrada por um lobisomem. A primeira havia sido nos anos 1950, mas desta vez a coisa ganhou grandes repercussões, principalmente políticos e sociais. Jornais impressos passaram a noticiar a coisa, o que foi usado como uma ferramenta pra fomentar a emancipação de Macuco, então distrito de Cordeiro, e até o Sergio Bittencourt, um importante apresentador da época, foi a cidade fazer uma matéria, entrevistando até o suspeito de ser o lobisomem.
Foram centenas de páginas de roteiro de quadrinhos, das quais apenas cinquenta foram desenhadas e publicadas, sem meu conhecimento, no blogue do desenhista.
Diego Aguiar- Este homem, o Cadito, fez tudo de propósito. Bem, não tudo, mas ele queria pregar uma peça na cidade e a coisa deu certo até certo ponto. Essa história foi escrita, muito provavelmente, entre meus dezesseis e dezoito anos. São centenas de páginas de roteiro de quadrinhos, das quais apenas cinquenta foram desenhadas e publicadas, sem meu conhecimento, no blogue do desenhista.
Otageek- Além da Fera de Macuco, você quer escrever mais um livro sobre a cidade que se chamará Às Voltas do Umbigo. Qual o enredo do futuro livro? Personagens e talz?
Diego Aguiar- Às Voltas do Umbigo é, na verdade, uma reverberação dessa frustração de não conseguir publicar A Fera de Macuco como queria. Tanto que boa parte da trama daquela HQ se tornará prosa aqui. Minha ideia com esse livro é, a partir das eleições de 2018, mais precisamente dos dias que antecedem a facada no bucho do Bozó com as semanas anteriores ao primeiro turno, criar um retrato patético e, ainda assim, mágico do Brasil naquele momento.
É uma meditação sombria, tomando como protagonista um personagem de Macuconha, Darío Vuturuá, que se encontra em uma espécie de odisseia para si mesmo, enquanto encontra pessoas de sua vida e uma doença estranha se alastra, contaminando todos os personagens: a doença da narrativa.
Dessa forma, os personagens tomam para si a narrativa do livro, desvirtuando-o a todo momento, contando suas próprias histórias, que se conectam, mas não inteiramente, como um espelho tomado por rachaduras. É um livro sobre muitas coisas, em que eu quero experimentar muitas coisas.
Por muito tempo, quis que alguns capítulos fossem em quadrinhos e cheguei a escrevê-los dessa forma, mas agora eu mudei de ideia e estou reescrevendo tudo. Não sei o quanto vai levar até que eu termine esse livro, espero que menos tempo do que levou até que eu chegasse aqui.
Otageek- Você ambientou A Fera de Macuco na cidade e, ao mesmo tempo, no Sítio do Pica-Pau Amarelo (que tem tudo a ver com Lovecraft, cuja cor já remete ao conceito lovecraftiano) nas eleições de 2018. Qual o enredo do conto?
Diego Aguiar- Eu adoro contar isso do Sítio, mas a verdade é que só o começo do livro, coisa de umas cinquenta páginas, se passa no Sítio e a abordagem que eu faço dele é a de uma história policial de terror. Contada do meu jeito, o que provavelmente a afaste de ser qualquer uma dessas coisas quando comparadas com outras histórias do gênero.
Otageek- Tanto Lovecraft quanto Monteiro Lobato têm fama de racistas e o conto se passa durante as eleições do Coiso. Aliás, The Thing é o título da obra lovecraftiana de John Carpenter (O Enigma de Outro Mundo) de 1982. Já teve algum problema por escrever contos lovecraftianos?
Diego Aguiar- Não só a fama, mas eles são mesmo racistas e acredito que nós devemos sempre chamar a atenção pra isso, não esconder esse aspecto de suas obras e vidas. Lovecraft tem tido várias experiências de releitura, como A Balada de Black Tom, de Victor Lavalle, e Território Lovecraft (Lovecraft Country), de Matt Ruff, onde a raça é fator predominante na narrativa, junto do terror.
Enquanto isso, aqui no Brasil, parece que as opiniões se dividem entre não publicar o Lobato ou então fazer releituras da obra, retirando o caráter racista da mesma. Eu sou absolutamente contra isso: O Saci já tem mais de cem anos, não é um livro que precisa ser lido por crianças, é outra mentalidade, de outra época, e, francamente, as crianças contam com autores modernos muito mais conscientes dos tempos em que vivemos, elas continuam tendo acesso a literatura infantil de qualidade. Ou, ao menos, deveriam ter.
No Brasil, as opiniões se dividem entre fazer releituras da obra ou não publicar o Lobato. Eu sou contra isso. Já temos reacionários demais querendo queimar livros, não precisamos nos juntar a essa gente.
Mas continuo dizendo: esses livros não deveriam desaparecer, eles merecem leituras críticas, sérias, introduções que contextualizem e critiquem, até porque é conhecendo a nossa história, nosso passado, que podemos entender o presente e, quem sabe, mudar o futuro. Já temos reacionários demais querendo queimar livros, não precisamos nos juntar a essa gente.
Otageek- Você escreveu um romance lovecraftiano chamado Uma Torre para Cthulhu… Fale um pouco sobre ele e sua história.
Diego Aguiar- Este livro da minha tradução de um volume de contos de (Edgar Allan) Poe, Ambrose Bierce, Robert Chambers e H.P.Lovecraft, chamado Carcosa. O livro saiu pela Editora Avec e me colocou num diálogo com o Artur Vecchi, editor e dono da Avec, que me incentivou a escrever algo que ocorresse depois do que é muito prometido, mas pouco mostrado nos romances de Lovecraft, que é essa mudança de realidade quando as estrelas se alinham para o despertar nesse plano dos Seres Anciões, as criaturas de outra dimensão que sonham a nossa realidade.
Pra isso, pelo menos nesse primeiro livro, eu escolhi uma cidade pequena, exatamente como a que eu vivi por boa parte da minha vida. E escolhi contar a história ao redor de uma família e de como eles sofrem e se adaptaram para sobreviver naquele mundo. Na minha opinião, não é nem mesmo um mundo muito diferente do nosso e, talvez por isso mesmo, é aí que está o que há de mais assustador.
Otageek- No romance Uma Torre para Cthulhu, a personagem Rafa tem um irmão chamado Ícaro. Ele, mais brando; ela, mais rebelde e a família se chama Dédalo (pai de Ícaro na mitologia grega). Rafa foi inspirada em Ariadne (irmã de Ícaro na mitologia grega)? Ícaro tem um fim semelhante no romance? (Sem dar spoilers, claro. Rsrsr)
Diego Aguiar- Acredito que Rafa tenha sim um tanto de Ariadne, com seus fios, ajudando a todos a sair desse labirinto, assim como Ícaro igualmente queima as asas ao se aproximar demais do sol, por assim dizer. Mas o sobrenome da família é uma homenagem minha ao Stephen Dedalus, do Ulisses, de James Joyce. Assim como Stephen, Rafa também testemunha a morte da mãe e se recusa a rezar com ela.
Otageek- O professor Juca foi inspirado em algum professor seu ou em algum (ou alguém) que você conhece?
Diego Aguiar- Sim, claro. Juca é inspirado em um professor homônimo, gente boa toda vida, que me deu aula de geometria mais de vinte anos atrás e com quem eu tinha ótimos papos sobre física e teoria do caos. Fiz um retrato exagerado e que ele pode não achar tão lisonjeiro, mas que definitivamente mostra o impacto que um bom professor pode ter sobre nossas vidas.