Otageek entrevista Bernardo Barreto, diretor de “O Buscador”

Estreando na direção, Bernardo Barreto concedeu ao Otageek uma entrevista exclusiva, na qual ele fala sobre seu filme, O Buscador, que estreou no dia 29 nos cinemas.

Bernardo Barreto
Bernardo Barreto
Logo para a sua estreia como diretor, você decidiu apostar alto: gravando em 2 dias e majoritariamente em plano sequência. O que te motivou a assumir esses riscos?

É, é [riso]. Na verdade, o que foi pro ar foi filmado em dois dias. Na verdade, a gente tinha dois dias pra fazer o plano sequência e mais três dias pra fazer o início e o fim do filme. No final das contas, a gente tinha cinco dias. Porém, a gente só usou um porque os planos sequência do primeiro dia já deram certo. A gente fez três planos sequência: dois num dia e o terceiro no outro, e depois a gente filmou as cenas separadas. Não sei porque eu fiz isso, mas eu falei “cara, a gente já tem o filme”. Quando a gente chegou em Porto Alegre, choveu pra caramba. Nossos três dias viraram um dia de ensaio e, na verdade, foi meio dia de gravação. E foi isso.

Bom, na verdade a necessidade faz o homem. Eu sempre curti muito plano sequência, eu tinha uma ideia antiga de um outro roteiro, de fazer ele em plano sequência. Quando a gente começou com esse projeto e a gente captou, mas era uma grana muito pouca pra fazer o filme, aí foi a negociação dos dias. O famoso “temos vinte e um dias”, aí foi caindo pra dezoito, quatorze, e começou a ficar inviável fazer um filme da forma mais, digamos, cartesiana. E eu fui fazendo adaptações, comecei a surtar.

Para eu ter doze dias de filmagem, eu tinha que cortar todos os figurantes, não poderia alugar uma lente, teria que ter uma câmera inferior, começou a ficar muito apertado. Eu pensei: o que tenho realmente de valor nesse filme? É o elenco, e claro que a equipe também, mas como eu posso reduzir isso? E aí surgiu a ideia de fazer a coisa em plano sequência. Na verdade, como a gente tinha dois estados, na época não conseguiu fazer tudo em plano sequência, mas a gente faria todo o miolo do filme em plano sequência.

Você tem um currículo extenso como ator, mas imagino que este filme tenha sido uma experiência diferente. O que você diria que aprendeu com ele, e qual foi a lição que você tirou de dirigir um filme tão delicado e, ao mesmo tempo, tão complexo?

Cara, eu aprendi que tem uma parte que é do universo. Eu não tinha como controlar, eu não tinha como entrar na cena e fazer o ator repetir a cena. Eu não tinha como intervir, como manipular, que é toda a coisa de direção. Virou uma proposta no meio do caminho de fazer plano sequência e foi assim, do nada. Não fazia muito sentido fazer esse plano sequência porque você tirava todo tipo de maniqueísmo, todo tipo de manipulação do cinema, e isso é uma coisa muito viva.

Então realmente esses atores foram meus grandes parceiros, eles e os cameramans. Essas pessoas foram imprescindíveis para fazer esse projeto dar certo. Eu aprendi muito essa coisa de soltar o controle. Não que eu seja uma pessoa controladora, mas num filme é bem complicado, você quer o melhor e eu sou aquele cara que vai fazer 40 takes se precisar e se eu achar que o ator não tá bem. E lá eu tive que realmente deixar rolar.

Como foi o processo de coreografar e ensaiar todas as cenas, principalmente lidando com crianças e até animais?

O menino [Luiz Felipe Mello] era uma coisa incrível. Ele com marcação, com fala, ele era um absurdo. O garoto era um fenômeno. O cachorro ele simplesmente entrou em cena, ele aconteceu, ele entrou em cena. O nome dele era Cueca, ele já tava o tempo todo ameaçando que ia entrar em cena, aí eu virei pro Pierre [Santos] e falei assim: Pierre, se ele entrar em cena, o nome dele é Cueca, tu fala com ele [risos]. Aí o cachorro ficou tentando pular no pé dele, eu amo essa cena, era um plano aberto e veio o cachorro e ficou pulando no pé dele. Aí a gente dublou a cena “sai Cueca, sai p****!” Cueca aparecia em todos os lugares, queria roubar a cena.

O cavalo foi a galera da comunidade [Osho Rachana], eles são incríveis. Com o pessoal da comunidade foi fácil, difícil foi o temporal que a gente pegou. A gente não teve muito tempo. Eu trabalhei com dois preparadores de elenco que foram fundamentais pra tudo funcionar, tanto na parte de ensaio, que a gente teve que fazer uma adaptação pra locação. Não tinha nada a ver com o que eu tinha imaginado quando eu escrevi o roteiro. Então a gente foi ensaiando literalmente pelo espaço.

Pôster do filme de Bernardo Barreto
Pôster do filme de Bernardo Barreto.
Esse filme retrata com precisão a sociedade brasileira em todas as suas camadas e convergências. Como você definiria as relações entre os personagens?

Quando eu escrevi esse filme, já existia essa divisão no país, esses dois tipos de pensamento, na minha opinião negacionistas. Era uma raiva só, as pessoas se odiando, uma energia muito pesada. E eu tava num momento completamente diferente, eu achava que nada daquilo… bicho, não é uma coisa nem outra, as pessoas precisam se encontrar. E eu estava atrás de me encontrar, eu quero saber quem sou eu, onde mora a corrupção dentro de mim.

A corrupção tem um leque enorme e a gente nasceu com esse troço, quem nasceu no Brasil viu um pai parar e dar dinheiro prum cara. Eu ao mesmo tempo que vi que a situação era grave, eu entendi que se as pessoas não mudassem o jeito de ser, podia mudar partido que as coisas não iam mudar tanto assim. Mas não entrando em política, eu fui atrás da hipocrisia mesmo que é a nossa sociedade.

Parti de uma classe média alta decadente, porque foram coisas que eu vivi muito próximo, eu vi tudo isso acontecer porque eu nasci na classe média. E apliquei também todo o meu conhecimento de ter passado tanto tempo em comunidades no Brasil e fora me buscando, eu tava querendo me encontrar enquanto o Brasil estava em chamas.

O patriarca da família, um corrupto, tem como música favorita o hino nacional. Para você, considerando o cenário político nacionalista atual, qual é a importância desse simbolismo?

[Riso] Não tem nenhuma relação com os “bolsominions” não. É meio que uma piada porque eu acho que é isso, todo mundo é patriota na hora do futebol mas na verdade não exercita o patriotismo no dia-a-dia. Existe uma falta de consciência social que é geral, é esquerda e a direita. Existe porque a gente não tem consideração com o próximo. A gente tem ideias, mas a gente não tem ideais. 

Confira o trailer do filme de Bernardo Barreto:

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Clara Lima
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