Crítica | ‘Jury Duty’ faz de um protagonista surpreendente seu triunfo

É tudo mentira. Mas ele não sabe
Foto: Divulgação/Freevee

O interesse pelas narrativas de true crime são evidentes e dispensa explicações, afinal, o gênero que se tornou um produto altamente lucrativo para a indústria cinematográfica é de interesse do indivíduo enquanto pertencente a uma sociedade que impõe normas, julgamentos e classificações acerca de atos repreensíveis. Dessa forma, todos aqueles que saem da normatividade social são objetos de interesse dos integrantes ao seu redor. Afinal, o que leva um ser humano a cometer crimes tão hediondos? 

Nos últimos anos, essas narrativas têm sido exploradas e produzidas com o único intuito de rodar uma máquina de milhões de dólares. ‘Dahmer: Um Canibal Americano’ (2022), minissérie idealizada por Ryan Murphy, conta a história de um serial killer que cometeu crimes hediondos e, principalmente, explora a vida de vítimas sem quaisquer resquícios de empatia e respeito pelos familiares que permaneceram nessa dimensão. A 5ª temporada de ‘Black Mirror’ (2023) trouxe a exata crítica que venho tentando evidenciar através destas palavras. Crítica essa destinada a um streaming que vem se apropriando de histórias reais, através de vítimas e entes queridos que carregam com si uma bagagem emocional, numa tentativa de gerar lucro para si própria. No cinema, hipocrisia não é novidade. ‘Jury Duty’ poderia ser uma dessas narrativas, afinal, a história se passa nos bastidores do funcionamento de um júri nos Estados Unidos. Logo, poderia estar vinculada a esse tal gênero que denominamos de true crime. Mas na verdade não é bem assim.

Muitos são os elementos que fazem ‘Jury Duty’ ser tão especial. Aliás, muitos são os motivos que a tornam a melhor (até agora) série de comédia que você irá assistir neste ano. Um júri falso, atores incorporando papéis e um protagonista anônimo. Essas são as bases que sustentam a trama central da sitcom que subverte os padrões do subgênero, e apresenta uma narrativa num estilo atrelado a ‘O Show de Truman’ (1998). Apesar disso, há um elemento que faz a essência de ‘Jury Duty’ ser tão especial. O que é?

Foto: Divulgação/Freevee

Construída nos moldes do mockumentary – um estilo de documentário falso, ou seja, uma produção de ficção roteirizada, geralmente de comédia – ‘Jury Duty’ é idealizada pelos produtores da cômica e elogiada ‘The Office’, Lee Eisenberg e Gene Stupnitsky, e está disponível no Prime Video. A trama narra o funcionamento interno de um júri nos Estados Unidos através do olhar de Ronald Gladden – o protagonista desta história. O que eu ainda não te contei é que tudo em ‘Judy Duty’ é falso, menos seu elemento principal. Mas ele não sabe. 

Com um elenco de atores incorporando papéis de pessoas comuns – salvo por James Marsden, que interpreta ele mesmo, afinal, até mesmo celebridades podem correr o risco de serem convocadas para um júri – tudo que acontece dentro e fora do tribunal fictício é de maneira planejada. Todos sabem disso, menos Ronald Gladden, que mantém por convicção o fato de estar participando de um julgamento legítimo nos Estados Unidos. 

Existem alguns caminhos perigosos a se percorrer no que diz respeito à comédia no cinema. O gênero tende a ressaltar as fragilidades humanas e, além disso, hoje existe a consciência coletiva de que o terreno referente ao preconceito, em suas diferentes formas, não deve ser utilizado como alívio cômico. Mas há outro conflito, sob meu ponto de vista, que faz a comédia ser um gênero difícil de se aventurar. Sendo um local onde seu principal objetivo é fazer o outro rir, de que forma é possível criar uma obra que abarque todos e traga divertimento? Afinal, indivíduos possuem suas singularidades e vivências que podem não dizer respeito a um consenso geral. O singular nunca é universal. Mas, mesmo com tantos pontos a se pensar antes de idealizar um produto como esse – gosto de dizer que nessa trama tudo funciona de forma mecanicamente favorável – ‘Jury Duty’ é hilária e diferente do que vem sendo produzido e consumido dentro da máquina do boom copia – como os filmes de super-heróis – em Hollywood nos últimos anos.

E digo que tudo vai muito além das câmeras escondidas e pegadinhas, equivalentes a programas de humor, bem conhecidos pelo público brasileiro. Logo de cara, Ronald é convidado a uma proposta: participar de um documentário que pretende mostrar o funcionamento de um júri nos Estados Unidos. Todas as ações dos atores são planejadas de acordo com as reações de Ronald, os roteiros contêm poucas páginas, e são as escolhas, pensamentos e atitudes de Ronald que irão guiar os próximos passos da produção. É assim que há a concepção do naturalismo pragmático concebido pelos idealizadores da trama.

Sabemos que ao pensar em cinema moderno – na minha opinião, uma das “coisas” mais maneiras acerca dele – são as diversas interpretações que cada indivíduo pode ter acerca de uma obra, a partir de suas individualidades. Para mim, o objetivo de ‘Jury Duty’ é um: realizar um experimento social através da construção de uma realidade fictícia. Entretanto, nem mesmo os diretores contavam que, ao escolher o tal objeto deste experimento – neste caso, um homem ordinário – encontrariam um carisma surpreendente, que nem mesmo os grandes roteiros de Hollywood poderiam descrever. Não é todos os dias em que uma jóia (rara) como Ronald Gladden é encontrada e, é justamente essa “jóia rara” a essência dessa sitcom moderna.

Mesmo com seu elemento principal, durante os 8 episódios, é impressionante observar como cada personagem ganha voz e espaço para a construção e consequente desenvolvimento de sua jornada, que sempre se alinham e cruzam a caminhada de Ronald. Essencialmente opostos entre si, é em Ronald que muitos buscam consolos, conselhos, risadas e momentos de descontração. É o encontro de um ombro amigo em meio ao isolamento – mesmo que de forma fictícia, mas ele não sabe, lembra?

Cercado de absurdos e situações inusitadas, Ronald chega a comparar o que anda vivendo a um “reality”. Mas, mesmo com tantos incidências proporcionadas propositalmente a fim de enxergarem a forma pela qual Ronald se comporta frente às situações, não há brechas para que ele chegue a deduzir que a realidade a sua volta não passa de mero fingimento. Enquanto convive com caricaturas exageradas, Ronald é humanamente em si: ri de situações absurdas, busca resoluções para problemas envolvendo seus colegas – como um suposto término de um dos integrantes da banca de jurados – ou até mesmo a ajudar James Marsden na gravação de um suposto teste de um novo filme – projeto esse que o enredo brinca ao afirmar ser o novo, aguardado e misterioso trabalho de Quentin Tarantino. 

São várias as situações na qual ele é confrontado a tomar decisões. Ver Ronald assumindo culpa por situações que não lhe tem nada a ver, fazendo amizades com caricaturas estranhas e por vezes engraçadas, ou guardando segredos para proteger os outros, é o que o torna o grande triunfo e o sucesso de ‘Jury Duty’. Sem sua estrela, tal experimento não alcançaria o êxito. Apesar do caráter ficcional, a relação afetiva em que os personagens criam uns com os outros é real, sincera e leal. E tudo isso é graças a um único elemento: Ronald Gladden. 

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Isabella Breve
Isabella Breve

Futura jornalista, leitora voraz, amante da Sétima Arte e eternamente fã.

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