Crítica | “Cyberpunk Mercenários” entende o que é uma distopia cyberpunk

Explorando a ganância, desigualdade social e a biologia humana levada ao limite através da tecnologia super avançada, “Cyberpunk: Mercenários” é pontual em suas críticas e maravilhoso esteticamente.

Vale deixar um aviso de que essa resenha foi feita por alguém que não jogou a obra originária desse universo todo.

O anime está disponível na Netflix desde 13 de setembro de 2022 e se passa no mesmo universo do jogo Cyberpunk 2077, imergindo-nos em uma Night City dominada pelas grandes corporações e fortemente influenciada pelo crime organizado.

Temos pessoas fazendo o que for necessário para conseguir uns “edinhos” (euro-dólares é a moeda usada nesse universo) e uma sociedade regida pelo desenvolvimento tecnológico avançado e desenfreado.

O gênero é resumido como um todo na expressão “high tech, low life” (alta tecnologia, baixa qualidade de vida).

Acompanhamos, no decorrer da trama, David Martinez, um garoto que vive em condições precárias com sua mãe, mas que, apesar disso, é muito sagaz e apresenta alta capacidade de aprendizado e resistência.

O anime começa com um David deslocado numa escola da “classe alta”. Após acontecimentos importantes e com sua cabeça cheia de fúria, David toma a ação impetuosa de instalar o Sandevistan, um implante militar capaz de deixá-lo extremamente rápido e com uma percepção lenta do tempo ao seu redor, um protótipo poderoso e perigoso por inumeros motivos.

Pode-se definir a obra como um show de animação que, apesar de exagerar em alguns quesitos ligados à sua estética, nos garante textos fortes e ocasiões carregadas de significados.

Night City como personagem

Night City é viva, ela interage diferentemente com cada grupo de personagens inserido nela, é o personagem mais implacável dessa série.

Se você é funcionário de uma grande corporação, a cidade provavelmente vai te garantir os privilégios de uma vida luxuosa, mas, se você é alguém que dedica corpo e alma a um trabalho, tentando garantir o básico para viver, Night City é o inferno na terra.

Porém, ninguém escapa da expressão mais decorrente dessa metrópole, a violência que faz parte de todas as instituições da sociedade: das gangues de mercenários, do Estado, das corporações etc.

Arte e Animação

O anime é feito pelo Studio Trigger (estúdio responsável também por “Kill La Kill”; “Little Witch Academia” e “Darling in the Franxx”) e seus traços são bem característicos com a presença de: cores fortes que se aliam à temática futurista; personagens com designs vibrantes; animação de combate fluida e uma característica marcante das animações do Studio Trigger, a capacidade de criar cenas com textos memoráveis.

Vale mencionar que, de acordo com os momentos e os tons das cenas, a animação se altera de forma satisfatória.

Em momentos que a psicose e emoções fortes são tratadas, a arte se torna mais psicodélica com traços e formas irreais, trazendo a impressão de instabilidade e de alguém que beira o próprio limite. Na própria abertura do anime, tanto na arte como na música “This Fire”, de Franz Ferdinand, tem-se essas sensações.

A estética cyberpunk e seu conceito em si já é bastante atraente no jogo e, quase perfeitamente, transfere-se o sentimento de uma cidade grande forrada por propaganda e luzes neon, onde tudo acontece de modo orgânico.

Tenho pequenas ressalvas em relação ao gore e à violência. No começo, eles cumprem o papel de causar agonia e até espanto — passando a impressão de um corpo humano frágil.

Contudo, ao avançar os episódios — principalmente falando dos dois últimos episódios — todo o sangue e tripas perdem o significado pesado que carregavam e vão impactar, depois, com bem menos intensidade e decorrência do que deveriam, ambos viram ferramentas para reforçar sem necessidade a violência que é ênfase desde o início.

O que “Cyberpunk: Mercenários” quer nos passar?

Não há como falar de “Cyberpunk: Mercenários” sem abordar o próprio sistema econômico capitalista em um nível extremo.

O primeiro panorama que temos é de injustiça. A desigualdade social é gigantesca, em patamares tão discrepantes que, para se ter aceso ao nível mais básico de educação, saúde e até sistema funerário, é necessário (no mínimo) beirar a riqueza, e para alcançar essa ascensão social todos os caminhos são criminosos e arriscados.

“As pessoas em Night City querem empregos corporativos por um motivo.”

Falando em capitalização de setores da sociedade, temos também uma objetificação da biologia humana.

Os implantes permitem melhoras sobre-humanas na performance dos membros do corpo, se você pensa em se tornar uma máquina de matar ou um trilha rede, os implantes são indispensáveis para te deixar com o status de forte.

Esse e outros fatores, como a ganância, fazem com que os personagens busquem realizar metas egoístas e impossíveis de poder e perfeição, ninguém é confiável em Night City.

Só que, em contraste, David segue outro desenvolvimento. O garoto começa o anime parecido com uma esponja, absorve tudo o que falam e o que observa, portanto, ele nunca encontrou uma meta verdadeira a seguir, vive para realizar o sonhos dos outros.

E, para realizar esses sonhos, acaba buscando se tornar um ser blindado dos efeitos do mundo.

“Aí percebemos. Se vamos morrer, por que não ir atrás dos próprios sonhos?”

Os dois últimos episódios apresentam cenas de luta boas e momentos de encerramento um tanto quanto emocionantes, mas perdem esse teor de crítica ao universo em questão, e os fechamentos dos arcos aparecem de forma corrida.

Podemos concluir que aquele que prospera e ascende socialmente é um vencedor, mas talvez não seja o único jeito de ganhar. Pois aquele que termina os seus dias em liberdade e na companhia daqueles que ama, mesmo que em uma neuro-dança, é um vencedor em Night City.

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Joel Neto
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