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Crítica | A Lenda de Candyman é terror sob uma nova direção
Produzido por Jordan Peele, dirigido por Nia DaCosta e escrito por ambos na companhia de Win Rosenfeld, A Lenda de Candyman chega aos cinemas quase trinta anos após a estreia do filme de 1992. De acordo com Peele, o intuito era trazer o vilão Candyman para uma visão negra e moderna.
Ao mesmo tempo em que A Lenda de Candyman homenageia O Mistério de Candyman, a nova equipe criativa se esforça para criar um filme novo, com sua própria mitologia e muita licença criativa para se afastar do longa de 1992. E mesmo se esbarrando em alguns problemas, A Lenda de Candyman traz uma narrativa importante para o terror.
O filme apresenta Anthony McCoy, um artista visual que se encontra com bloqueios criativos. Em uma noite com sua namorada, Brianna, e o irmão dela, Anthony, ele então descobre a história de Helen Lyle, uma estudante que se obcecou pelo mito de Candyman no Cabrini Green dos anos 90.
Anthony decide criar um projeto em cima do Cabrini Green, como uma forma de explorar os traumas de um grupo marginalizado, mas ele começa a desenterrar informações do passado do conjunto habitacional e de seu próprio passado quando se vê imerso no mito do Candyman.
A Lenda de Candyman é um filme com muitos pontos a serem levantados, principalmente no roteiro. Assim como A Hora do Pesadelo, Candyman é um vilão que depende de regras estabelecidas dentro de seu próprio universo. Como este filme novo descarta as continuações de 1995 e 1999, Jordan e Nia aproveitam para tirar suas próprias conclusões do mito em cima do espírito vingativo.
Começando pelo básico, Nia busca inspirações dentro de sua própria infância, quando escutava a história de um Candyman que oferecia doces para as crianças em sua vizinhança. Ao invés de trazer Tony Todd de volta como vilão principal, o roteiro decide focar em novos conceitos para a trama.
Aqui, as motivações não chegam a ser tão fortes quanto no original, pois Anthony apenas procura um novo trabalho para levantar seu nome no mundo da arte. Diferentemente de Helen, protagonista do primeiro filme, o personagem central desse longa se encontra sem motivação.
Então, o roteiro segue um fluxo mais natural e a ordem de eventos não busca seguir as explicações mais mirabolantes do mundo. Apenas uma cena apresentada de forma mais descompromissada dentro do filme acaba desencadeando uma ordem de eventos. Assim, o roteiro de Nia e Jordan busca desencadear uma ação de eventos que são mostrados para o espectador dentro da mentalidade do próprio protagonista.
Essa junção entre a escrita e a visão de McCoy acaba elevando o enredo do filme. Enquanto a falta de motivação e os furos que a mitologia causa no ritmo da obra são pontos negativos, a direção de Nia opta por recuar desses problemas, juntando os recursos narrativos usados pela mesma e Peele quando decide trazer uma visão quase que de primeira pessoa ao personagem principal.
O que parece é que Nia e Peele desistem de buscar por lógicas narrativas, fazendo com que o filme se esforce muito mais na direção para criar a experiência imersiva proposta pela obra. Mas como o intuito aqui é mostrar como uma lenda urbana tem efeito sobre a cabeça de uma classe marginalizada, o roteiro se desprende de qualquer linearidade que possa traçar com o filme de 1992. Portanto, é importante ter consciência dessa proposta, porque a equipe criativa decide deixar o filme de 1992 em seu próprio lugar na tentativa de abrir espaço para sua própria mitologia.
Entretanto, o longa tira um espaço para trazer referências ao filme original, o que ocorre quando Nia faz uso do teatro de fantoches para rebuscar eventos cruciais da primeira película, ou até mesmo quando trazem atores para reprisarem seus papéis em pequenas participações.
Quanto aos outros recursos na direção, a visão de Nia busca ser contemporânea, como um quadro artístico moderno. Seu trabalho não foge da arquitetura de Chicago, muito pelo contrário: Nia insere sua câmera em espaços que trabalham o conceito da tensão e do terror propostos pelo filme, usando a geografia de Chicago.
Inclusive, a diretora opta por não usar o recurso de jump-scares dentro da geografia que sua câmera constrói. Em meio aos cenários, há um olhar mais amplo, sem esconder a figura de seu assassino, trazendo o choque dentro da violência intimista que sua direção constrói.
Através da noção de espaço que a direção possui, o olhar desvia para prédios, elevadores e janelas, trazendo a impossibilidade de fugir de um assassino que busca matar suas vítimas através do reflexo, aumentando o sentimento de insegurança dentro de uma cidade contemporânea.
O terror consegue ser acentuado pela impossibilidade de fugir. Em alguns momentos, é possível sentir a agonia apresentada por Yahya Abdul-Mateen II, que vive Anthony McCoy, principalmente nas partes mais pessimistas do terceiro ato da trama, quando toda a ideia da lenda está destruindo seu psicológico.
As performances apresentadas pelo elenco também são de rasgar o coração, principalmente as de Colman Domingo como William, um residente do Cabrini Green que ajuda Anthony, e Teyonah Parris como Brianna, a namorada do personagem central.
Ambos encarnam personagens menores se comparados aos de Yahya, mas com mistérios bem envolventes que, mesmo não tendo tomado grande tempo em tela, ainda conseguem ter lógica através de alguns diálogos e explicações que o terceiro ato oferece ao espectador.
Já em relação ao protagonista, Yahya entrega uma performance completa, perpassando pelas nuances de seu personagem, despido de qualquer timidez ao encarar um papel que demanda bastante fisicamente. É um ator que mergulha no sentimento do personagem central e o segue até o fim do filme.
Mas, no geral, a importância de A Lenda de Candyman se concretiza dentro da data de lançamento. Ele chega ao mundo um ano após os protestos contra a polícia racista dos Estados Unidos, devido ao assassinato de George Floyd, e o movimento Vidas Pretas Importam no Brasil, ocasionado pela morte de João Pedro.
Jordan Peele afirmou que decidiu trazer Candyman para uma roupagem nova com o intuito de inovar o significado do vilão para pessoas negras, uma vez que o longa original é feito por pessoas brancas. Assim, o produtor reafirma o status de suas produções, retomando um gênero para pessoas negras, algo que já estava claro com Corra! e Lovecraft Country.
Para tal impacto, o produtor escolheu Nia DaCosta, uma diretora emergente que já está contratada pela Marvel, para contar a história da nova versão do vilão Candyman, trazendo assim, um maior significado ao contexto do qual o filme faz parte nessa nova leva de terror.
Ver novos cineastas chegando e burlando convenções narrativas para criarem novos tipos de histórias para novas audiências chega a ser um alívio em uma era do cinema mais quadrado, com filmes feitos sob encomenda. A Lenda de Candyman tenta avançar a linguagem narrativa ao usar recursos diferentes no seu visual e na sua escrita. Isso pode irritar muitos, mas é inegável que o discurso da inclusão de artistas pretos pode providenciar histórias diferentes.
Aos trancos e barrancos, A Lenda de Candyman traça um novo rumo para cineastas negros no cinema, apostando em histórias fora da curva, que se preocupam bem mais em passar o recado e focam nos sentimentos que o gênero do terror pode trazer em uma obra, uma experiência muito mais sensorial do que lógica. Mesmo com roteiro problemático, o filme ainda consegue amarrar as pontas e entregar um resultado coerente, embalado por uma surpreendente direção e atuações fortes.
Diga seu nome cinco vezes na frente do espelho, pois A Lenda de Candyman já está disponível em todos os cinemas.
Candyman! Candyman! Candyman! Candyman! Candyman!
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