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O horror gótico de ‘A Maldição da Mansão Bly’
Tudo hoje em dia parece suscitar uma necessidade de continuidade, mesmo sendo evidente a desnecessidade de uma. Parece que o público não é lá muito acostumado com histórias finitas, que não precisam ter diversas temporadas. Porém, quando essas continuidades chegam aos olhos do público, tudo parece mais do mesmo e ele entende que não precisa mais do mesmo material, mesmo já sendo tarde demais. Esse caso não se aplica aqui.
Lá por 2018 a Netflix decidiu renovar a série para uma segunda temporada, mesmo que “A Maldição da Residências Hill” não deixasse portas abertas para uma continuação. Isso fez com que a equipe criativa, encarregada por Mike Flanagan, se dedicasse ao show como uma antologia, provando tomar a decisão certa.
Diferentemente de séries como “Stranger Things” e “American Horror Story”, as quais sempre preferem repetir o que deu certo em suas técnicas, “A Maldição da Mansão Bly” aposta em um tema contraposto ao da primeira temporada da série.
A nova trama conta a história de Dani Claiton, vivida por Victoria Pedretti, a qual foi contratada como uma au pair para duas crianças que moram em uma mansão no interior da Inglaterra. Não demora muito para Dani começar a perceber algumas peculiaridades dentro da casa, fazendo com que ela e os outros personagens sejam expostos a comportamentos estranhos, condição que também parece estar refletindo nas crianças.
Diferentemente de seu primeiro ano, “A Maldição da Mansão Bly” não aposta no analógico uso de fantasmas para representar os traumas passados de seus personagens, mas sim usa seus fantasmas para obrigar os novos personagens a confrontarem seus medos.
A segunda temporada da série usa como base o romance “A Volta do Parafuso”, assim como outros contos do mesmo autor, Henry James, como “The Jolly Corner”, já que apenas o romance não daria corda para nove episódios inteiros.
Como o livro já fora adaptado bastante vezes, era de se esperar que o novo ano da série fosse ter poucas questões previsíveis, e o show mesmo não faz questão nenhuma de esconder isso. Entretanto, a obra abraça e busca novos artifícios narrativos para operar sua narrativa em cena. A estratégia acaba causando um pouco de estranheza na primeira vista, mas a direção de Flanagan vai achando formas de ser palpável no meio de tanta esquisitice.
O que se torna um belo ponto positivo para o show é a maneira como o trauma se reflete na narrativa. Conforme os demônios internos de cada personagem são aprofundados, a série se afunda na subjetividade e no surrealismo, abrindo mão de uma história mais linear e se livrando dos conceitos comuns de tempo. Mas graças aos clichês da série, ela sabe muito bem para onde caminhar, então esses pontos não se tornam algum problema para o encerramento.
Mike Flanagan consegue contar uma história de amor gótica de maneira jamais vista em uma obra visual, afastando-se do filme “Os Inocentes”, também adaptado do mesmo livro. Porém, ele não abre mão da linguagem principal do livro, então a série a expõe em tela: parece ser mesmo um livro em cena, e o diretor até abraça um pouco de teatralidade.
Além disso, ele também parece referenciar alguns de seus trabalhos anteriores, até mesmo a primeira temporada, com alguns elementos repetidos. Isso tudo, claro, concedendo um espaço maior para compor uma narrativa mais prolongada, dando o tempo necessário para pegar seus pontos positivos e ampliá-los.
O elenco também sustenta muito a trama, dando gás aos diálogos e monólogos extensos de Flanagan. Victoria Pedretti está esplêndida com sua Dani, construindo camadas para a personagem, demonstrando diversas facetas e oscilando entre a doçura, a rigidez e a profunda mágoa que a mulher sente.
Ademais, os outros atores também estão ótimos, principalmente os mirins Amelia Bea Smith e Benjamin Evan Einsworth, que constroem personagens complexos e difíceis para atores tão novos serem capazes de captar com tanta essência. Vale lembrar ainda que T’Nia Miller e Amelia Eve brilham mesmo com papéis secundários, pois têm a permissão do roteiro para demonstrar a ferocidade de suas atuações.
E para finalizar a atuação estelar, Oliver Jackson-Cohen e Tahirah Sharif marcam presença ao viverem um casal abusivo, sabendo mostrar a complexidade que as relações abusivas possuem. Inclusive, todo esse tema é abordado com bastante sensibilidade na obra.
“A Maldição da Mansão Bly” não é como sua primeira temporada… aqui a história foca muito mais no simbolismo do terror, usado apenas como um retrato, e não como seu tema principal. Esse artifício dá mais objetivo aos personagens, deixando a trama escapar dos clichês de casa assombrada e até mesmo da sua temporada anterior.
No final, “A Maldição da Mansão Bly” é uma história densa, surpresa e complexa, mas muito bem levada por sua equipe criativa e elenco estelar. Ela oferece ao espectador um equilíbrio entre o terror conceitual de hoje em dia e tramas mais favoráveis ao senso comum, bem seguradas pela escrita. Dessa forma, a franquia “A Maldição” firma-se como, talvez, o maior produto de terror que surgiu nessa leva recente. Vamos todos torcer por uma terceira temporada.
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