Crítica | Jolt e uma Fúria não tão Fatal

Nova produção da Amazon Prime Video tem dificuldade para trazer uma história que se justifique em sua própria mitologia.

O novo filme da Amazon Prime Video, “Jolt: Fúria Fatal”, foi lançado no dia 23 de julho e conta a história de Lindy (Kate Beckinsale), que desde sua infância sofre com uma condição chamada Transtorno Explosivo Intermitente.

O filme de ação entrega muitas cenas de luta, perseguição e uma mulher fod*na chutando a cara de todo mundo… mas nem tudo é tão eletrizante assim. Em virtude do transtorno citado acima, Lindy constantemente tem ataques de raiva desproporcionais: mais até do que essa condição já sinaliza (sim, ela existe).

Desde quando era criança, Lindy foi testada por organizações governamentais, foi para o exército e passou por diversas situações, tudo como uma forma de tentar entender a química do seu corpo. E eu prometo explicar mais pra frente!

Todo esse contexto afetou sua forma de se relacionar com as pessoas, além de distanciar-se de seus pais problemáticos. Lindy descobre que, se ela disparar uma carga elétrica pelo seu corpo, será capaz de anular o início do seu ataque de fúria.

Com a ajuda de um dispositivo criado por um médico conhecido, assim, ela vem descobrindo formas de se manter sob controle. Depois de uma introdução rápida sobre sua história, caímos então no filme pra valer. E daqui pra frente teremos spoilers pequenos, mas spoilers!

Nem sempre o “e se…” funciona

Quando a história efetivamente começa, ela não começa.

O primeiro ato do filme é quase todo baseado em cenários do “e se a Lindy sucumbir à sua ira?”. A personagem, literalmente, caminha pela rua, irrita-se e o filme mostra como seria se ela explodisse. Em seguida, ela vai ao restaurante e se exalta com outra pessoa.

Esse processo segue se repetindo e repetindo e repetindo… mais vezes do que a gente poderia lidar. Claro que esse é um recurso interessante e até mesmo divertido, mas uma piada contada mil vezes fica extremamente cansativa.

No entanto, é possível perceber que o maior problema da escolha de repetir esse recurso é que perdemos tempo de tela que poderia ser utilizado para desenvolver a história de Lindy, que fica completamente esquecida.

É possível inferir que ela se afastou completamente dos pais, que ela não se relaciona bem com as pessoas… e só. Não existe um cuidado verdadeiro para que essa história seja construída com calma e possamos compreender os problemas e motivações da protagonista. Isso nos leva ao próximo ponto dessa crítica.

Lindy, protagonista de Jolt, está socando um homem num ringue improvisado. Otageek
Pega ele… Frita ele… Faz purê!

Motivação… mas que motivação?

Em dado momento da história, Lindy conhece um homem que muda sua vida, ou ao menos o filme tenta mostrar isso. Após dois encontros e um pouco de sexo, ela desenvolve um forte interesse por ele. Até que ele é encontrado morto.

É aí que o filme nos mostra que a inconformidade com o assassinato desse rapaz se torna o motivador para Lindy mergulhar nos enigmas desse crime e correr atrás de respostas. Motivação interessante, certo?

Sim e não.

A motivação funcionaria muito bem se a história da protagonista enquanto indivíduo e/ou com esse interesse amoroso fosse bem trabalhada no roteiro, o que não acontece. Inclusive, em mais de um momento, a Lindy chega a afirmar para outros personagens que os dois não tinham nada sério, estavam indo apenas para o terceiro encontro e por aí vai.

Podemos assumir, de um ponto de vista psicológico, que Lindy desenvolveu essa conexão rapidamente porque, pela primeira vez em sua vida, encontrou alguém que a permitiu “ser ela mesma”. Mas dá pra perceber que a motivação fica frágil porque não houve uma construção narrativa que a justificasse.

E esse, sem dúvidas, é o maior problema de Jolt: a dificuldade de construir um contexto plausível em meio ao qual a história irá se desenrolar. Tudo parece solto, tudo parece “auto-justificável”, quando sabemos que não é.

Lindy, protagonista de Jolt, treina tiro. Otageek
Queria ter visto mais cenas dela dando tiro na galera.

Jolt pelo viés da ciência

Ok, mas ao menos a parte científica que embasa a história funciona, certo? Também não. O transtorno apresentado por Lindy existe! 

Conhecido como Síndrome de Hulk, o Transtorno Explosivo Intermitente (TEI) é uma condição que gera no indivíduo uma incapacidade de gerenciar seus impulsos agressivos, respondendo a certos estímulos de forma desproporcional, com comportamentos agressivos e ataques de fúria.

Mas isso não é um superpoder nem algo que faria uma pessoa ser estudada a vida inteira por organizações militares. É uma condição psiquiátrica que tem tratamento. Ah, e pessoas acometidas por essa condição também não ficam mais velozes e fortes quando vivenciam uma crise.

O que nos leva à explicação científica: Jolt nos conta, em sua mitologia própria que, devido à uma descarga de cortisol, Lindy fica volátil e nervosa, além de, como eu disse antes, rápida e veloz.

A protagonista de Jolt, Lindy, escala um prédio apenas com seu próprio corpo, sem cordas. Otageek
Se eu te contar onde ela está, você não vai acreditar.

No entanto, o que causaria essa mudança no físico da personagem seria uma descarga de adrenalina. Como quando uma menina conseguiu levantar uma caminhonete para salvar o pai, lá nos EUA. Histórias assim são comuns e, normalmente, são justificadas como descarga de adrenalina.

O cortisol é o hormônio que ajuda o organismo a controlar o estresse e, muitas vezes, nos deixa em estado de alerta. Ele não tem um desempenho essencial no Transtorno Explosivo Intermitente. Além disso, existe uma problemática social latente aí: retratar uma condição de saúde real de forma fictícia e tão distante do que ela realmente é cria barreiras demais.

Para além de uma falta de representatividade positiva, pessoas com o TEI ainda podem sentir-se incomodadas e, a partir disso, sofrerem até mesmo preconceito de outras pessoas. E é por esse motivo que a explicação proposta em Jolt para os “poderes” de Lindy é um tanto agridoce

A não ser que outros detalhes possam surgir, uma vez que ao chegarmos no final do filme, surge uma revelação que desperta o questionamento: será que o caso de Lindy é mesmo de Transtorno Explosivo Intermitente?

Mas independentemente disso, passar 1h30 reforçando que essa é a condição da personagem para, talvez, desfazer isso ao fim não resolve o problema da representação fictícia do transtorno.

Resta esperar uma possível (mas improvável) continuação para descobrir mais, uma vez que o filme planta o gancho para uma sequência.

Lindy, protagonista de Jolt, agita uma corrente para bater em alguém
Metendo a corrente na cara de geral e essa nem é a melhor cena de ação…

Alguns detalhes funcionam, mas Jolt continua meio fraco

Apesar de uma proposta forte, que lembra muito o filme Atômica (2017), Jolt desliza em uma mitologia fraca, motivações esdrúxulas e subdesenvolvimento de todos os personagens, principalmente a protagonista. 

Porém, a trilha sonora é muito boa, com momentos muito bem sincronizados. A direção também aposta em efeitos de câmera interessantes que, mesmo não casando tão bem com o quadro geral, são divertidos de se ver em tela.

Eu diria que a Kate Beckinsale está bem no papel e conseguiu fazer o que cabia com os poucos pontos de sustentação que a protagonista tem para construir alguma personalidade. Ela, sem dúvidas, executa bem os momentos de sarcasmo e ironia que Lindy desenvolveu da metade ao final do longa.

Também não podemos deixar de destacar que, diante de pontos sensíveis e problemáticos, o filme consegue construir muito bem o momento de vitória da protagonista com um foreshadow da sua crescente resistência ao tratamento de choque.

Se você busca um filme de ação despretensioso para consumir sem prestar muita atenção em roteiro ou construção de personagem, Jolt entrega uma boa distração, com uma bela dose de cenas de ação.

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Riuler Luciano
Riuler Luciano

Jornalista Cultural e Marketeiro, cresceu lendo quadrinhos dos X-MEN é amante de Cultura Pop e Pequi!

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