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Crítica | I Did Not Buy This Ticket e os olhos de um passado que persegue
Através do surrealismo, I Did Not Buy This Ticket nos imerge na mente de Candelária enquanto embarcamos na escuridão e nos olhos julgadores da Eigengrau.
I Did Not Buy This Ticket é uma visual novel brasileira independente desenvolvida pelo Time Galleon (responsáveis por obras como Nowhere Manor e Alexandria IV) e pelo escritor Tiago Rech (conhecido por No Place for Bravery e Galaxy of Pen & Paper).
O jogo de suspense e terror psicológico nos convida a acompanhar a jornada intimista de Candelária em meio a um hobby/trabalho peculiar de carpideira (trabalho de chorar pelos mortos em funerais).
Inicialmente, o que mais prende a nossa atenção é, sem dúvidas, a arte de Lirio Ninotchka, estreando no mundo dos games. Com predomínio de cinza e objetos flutuantes (em especial olhos piscando, que perseguem e julgam, representando possível culpa) em situações mais intimistas, referências à colagens em papel e filtro granulado.
Apesar de jogarmos em primeira pessoa, não enxergamos o mundo do jogo só com os olhos de uma pessoa normal. Em alguns momentos mais íntimos da personagem, é como se enxergássemos por um filtro/véu criado pela mente de Candelária, ou seja, é como ver o mundo afetado pelo surrealismo de suas emoções.
Aliado à arte, I Did Not Buy This Ticket consegue criar uma atmosfera de tensão com uso maduro e ponderado dos famosos jumpscares, sem forçar sustos pela ideia amplamente usada de estourar os ouvidos dos jogadores com um áudio ensurdecedor.
Os áudios/barulhos bizarros, a predominância do silêncio periodicamente quebrado por breves sons súbitos e imagens arrepiantes que vêm de supetão ou se movimentam de modo bastante lento trazem um diferencial na direção de arte.
Com a duração curta do game, o maior desenvolvimento apresenta-se dentro de um ônibus da Estação Eigengrau. Um bilhete misterioso que sempre aparece, seguido de um motorista estranho e um ônibus não esperado são as portas de entrada para a trama da personagem.
Dentro do automóvel, no assento 000, Candelária enfrentará seus traumas e aos poucos sua história passa a ser mais clara.
O termo “Eigengrau” traz uma conotação bem enriquecedora. Eigengrau seria a cor acinzentada que enxergamos ao fechar os olhos ou quando estamos na escuridão completa (em situações de ausência de luz, no geral). Uma coloração que não chega a ter a tonalidade preta e que é alterável à medida que a luz varia no ambiente, podendo ficar mais clara ou mais escura (convido você a fechar os olhos e experienciar o eigengrau).
Abaixo, uma breve matéria sobre o significado da cor eigengrau:
Penso que o uso deste conceito é melhor do que simplesmente falar que ela está na completa escuridão (referente à dúvida que ela tem sobre acontecimentos passados), pois a tonalidade do eigengrau oferece a possibilidade de ficar mais claro ou mais escuro.
Assim, a mente dela está sujeita à receber esclarecimento e tornar-se mais saudável, sendo passível à superação dos traumas que a perseguem, Frisando de modo implícito que a trama não é linear. Suas decisões de diálogo serão os determinantes de como o enredo se desenrolará.
Isso resume, de um jeito belo, a jornada de aceitação e descobrimento de Candelária. Ela começa jogada em meio a uma rotina automática de insônia, falta de dinheiro e utilizando seu hobby para fugir de seus problemas. Ao embarcar na estação Eigengrau, ela estará num lugar onde familiares, estranhos e reflexos de si mesma vão confrontá-la e guiá-la a revisar seus pensamentos.
Em suma, I Did Not Buy This Ticket é exemplo de diferencial artístico no gênero proposto e nos entrega inquietação, horror e drama intimista numa situação vivida por todas as pessoas: a tentativa de se afogar em hobbies e trabalho em busca de fugir de um passado de ressentimentos, uma gama de arrependimentos e do presente que cobra uma resolução.
“I Did Not Buy This Ticket” está presente na Steam e para Xbox.
Confira o trailer abaixo:
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