Crítica | Jogo Grime e inovação em 2D

Desenvolvido pela Clover Bite e da editora Akupara Games, Grime é um jogo de plataforma desenvolvido para PC.

O jogo Grime mostrou sua demo no Steam Next Fest e finalmente saiu no dia 2 deste mês. Desenvolvido pela Clover Bite e a editora Akupara Games, ele é um jogo de plataforma desenvolvido para PC.

Capa do jogo Grime mostra o protagonista escancarando as defesas do primeiro chefe, Amálgama, numa cena que alude à derrubada das colunas do templo, por Sansão.

Quem tá ligado nos games que têm saído na última década já reparou que muitos seguem um mesmo padrão, ou ao menos uma estética semelhante. E não se trata de plágio, mas de uma tendência

Cena do jogo mostra uma face esculpida em pedra, gigantesca, ao fundo do cenário desértico.

Antigamente (década de 1990), a onda era fazer games de gráfico cada vez mais rebuscado, buscando o 3D. Alguns, como Mortal Kombat (1992), Night Trap (1992) e Phantasmagoria (1995), chegavam a utilizar o que chamavam de gráficos digitalizados, filmando pessoas e cenários para apresentá-los de forma crível ao espectador. Sim, espectador, porque, além de jogadores, somos espectadores da 10ª arte.

Os games com gráficos cada vez mais trabalhados ainda ocorrem, claro. Temos como exemplos a série Crysis (que, se rodar na sua máquina, é sinal de que você é um cara muito felizardo), The Las of Us, L.A. Noir (cuja própria temática, que se baseia em leitura de microexpressões faciais, requer que seja bem trabalhado) e uma infinidade que não convém dizer aqui. Mas há uma tendência atual à criação de jogos em 2D, de plataforma, com gráficos ainda rebuscados, mas que, de certa forma, buscam uma estética retrô. 

Trecho do game Prince of Persia, de 1989
O clássico Prince of Persia (1989).

Se antes tínhamos games de plataforma como Sonic (1991), Bubsy (1992) e Earthworm Jim (1994), hoje temos petardos como Limbo (2010), Nihilumbra (2012), Deadlight (2012), Inside (2016) e Gris (2018), que revivem o gameplay do clássico Prince of Persia, de 1989. Quem deu um revival nesse tipo de gameplay foi a série Oddworld, com o game Abe’s Oddysee (1997) e sua continuação, Abe’s Exoddus (1998).

Imagem do jogo Oddworld: Abe's Oddysee, que reviveu o estilo Prince of Persia
Abe’s Oddysee (1997).

Desde Oddworld e com o novo revival de Limbo, os personagens protagonistas sempre têm uma condição de supremacia em relação aos demais e, ao mesmo tempo, de debilidade para consigo mesmos, o que faz jus à etimologia do termo: prótos e agonistès; aquele que está ali para agonizar, sofrer. E com este jogo, não é diferente. Otakus and Geeks, o Otageek orgulhosamente apresenta Grime.

Tela de apresentação do jogo

Pra começar, “grimesignifica algo como “sujeira”, “fuligem”, algo encardido, a poeira do carvão e também um estilo de rap inglês muito maneiro*! Não, não é o dubstep, embora também seja filhote do drum ‘n bass.

*Legal, cool e da hora! em carioquês

A abertura do game já é um show à parte, mas pode decepcionar alguns, porque não condiz com o que é o jogo durante o gameplay. Mas muitos games são assim e a abertura é apenas para ilustrar o clima, já que a história será contada à medida que se avança no jogo.

Imagem da abertura do game Grime mostra um casal, que, no jogo, é uma deusa que dá o sopro de vida a todas as criaturas.
Cena da abertura do game.
A Deusa Mãe dá o Sopro de Vida ao protagonista.

Em Grime, o personagem é um construto humanoide feito de pedra… granito… fuligem mesmo. Sua cabeça, no entanto, é pura energia. Uma espécie de luz negra… algo entrópico, que é usado como defesa enquanto não se adquire as armas do game.

Imagem do protagonista de Grime. Seu corpo é uma escultura  fita em pedra. Sua cabeça, uma esfera de energia de luz negra.
Protagonista de Grime.

Os personagens que compõem o universo do jogo são antagonistas (com exceção de alguns, que interagem amigavelmente com o personagem) e adoram uma pedra semelhante à Caaba, adorada pelos islâmicos. Ela está representada também no filme 2001, Uma Odisseia no Espaço. No jogo, a pedra serve para salvar o progresso e buildar* o personagem.

*Realizar os upgrades necessários (força, destreza, etc.).

Imagem mostra outras criaturas do mundo de Grime adorando uma pedra semelhante à Caaba.
A pedra sagrada do universo de Grime.

Não há o tradicional correr e pular, mas um dash, através do qual o personagem se desmaterializa e a fuligem que o compõe perpassa o gap entre uma plataforma e outra. Isso ocorre, por exemplo, no jogo Vampyr, em que o personagem se torna uma sombra, mas não em jogos de plataforma em 2D.

Protagonista se desmaterializa para passar de uma plataforma a outra.
O dash do protagonista. Uma inovação em games 2D.

Enquanto não se tem acesso a nada que se possa usar para bater nos inimigos, os ataques são feitos na forma de contragolpe. Você tem que esperar o inimigo lhe agredir para dar o comando e rechaçar o adversário, fagocitando-o e alimentando a barra de especial. Esta será usada para regenerar a barra de vida do personagem.

Muita ralação* depois e você tem acesso à primeira arma do jogo: uma clava(!). “Mas pra quê eu quero uma clava, se eu posso absorver os inimigos?” É, realmente, o ataque passivo parece melhor do que a primeira arma a que se tem acesso, mas à medida que se progride, percebe-se a necessidade de descer a porrada nos pedrosos adversários.

* trabalho, tribulação em carioquês.

A troca de armas e itens, que obriga o jogador a recorrer ao inventário o tempo todo, é um balde de água fria e compromete a dinâmica do jogo. Além disso, o primeiro chefe, Amalgam, foi nitidamente inspirado na aranha de Limbo, mas isso não chega a comprometer.

Primeiro chefe do jogo, Amálgama.
Amalgam – o primeiro chefe do jogo.

Recomendo seriamente o game para aqueles que amam jogos de plataforma, para os que amam jogos de temática obscura ou ao menos para os que amam jogos com o subtexto nas entrelinhas. Sei que parece uma redundância, mas o game fala de fanatismo religioso e busca pelo próprio Eu de forma velada e sub-reptícia (e não estou sendo pejorativo).  

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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