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Crítica | ‘Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar’ e o empreendedorismo pernambucano
Recentemente exibido no evento Feed Dog Brasil, o filme Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, de Marcelo Gomes, nos leva ao agreste pernambucano na cidade de Toritama. Lá conhecemos um pouco de sua história e de como a pequena cidade, que antes era um lugar de trabalhadores rurais, se tornou um dos maiores produtores de jeans do Brasil.
O filme inicia-se com a chegada do cineasta Marcelo Gomes à cidade de Toritama. Logo podemos ver um grande outdoor que mostra com orgulho o título da cidade como “Capital do Jeans”.
A cidade, que já foi um lugar de tranquilidade, se tornou um polo frenético de produção e de trabalho. O silêncio foi substituído pelo constante barulho das máquinas de costura que incessantemente criam o jeans que será comercializado no Brasil e no mundo.
Gomes observa que a cidade está completamente diferente do que ele se lembrava. Terrenos vazios se transformaram em fábricas e as casas dos habitantes aos poucos foram se convertendo em pequenas oficinais de produção de jeans, as “facções”.
Ao longo do documentário somos apresentados a alguns personagens dessa cidade, que por muitos é tida como uma “mãe”. A partir disso, conhecemos suas histórias e a forma como enxergam o trabalho com a produção do jeans na cidade. O longa foca em trazer a relação dessas pessoas com o trabalho e com o jeans, mas podemos acompanhar e perceber as vidas dessas pessoas, suas aspirações e sonhos de uma forma quase que subliminar.
Questões como capitalismo e direitos trabalhistas são abordados pelos personagens que Gomes encontra ao longo de sua visita, mesmo que não de uma forma profunda com amplas discussões. Mas podemos entender como a cidade enxerga a importância de ter sua autonomia e de “trabalhar para si mesmo“. Em Toritama, o sonho de todo trabalhador (ou pelo menos sua maioria) é de ser seu próprio patrão.
O processo de produção do jeans se dá em várias etapas e o trabalho parece não ter fim. Gomes nos mostra como as pessoas encaram essa rotina, na qual os trabalhadores ganham por produção. Com pouco descanso e muitas horas de trabalho, mesmo muitas vezes fazendo seus próprios horários eles optam por trabalhar mais, o que significa mais dinheiro no bolso.
O cineasta interage constantemente com os personagens do documentário e procura saber um pouco de suas vidas e de como trabalham. A direção também nos dá momentos em que podemos apenas observar a rotina de quem trabalha com o jeans: ver peças sendo cortadas, dobradas, costuradas, assistindo o “balé” das mãos de um trabalhador na máquina de costura. Tudo isso irá desencadear nas feiras que acontecem todo domingo, onde em sua última etapa, o jeans deve ser finalmente comercializado.
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E quando chega o carnaval
Em determinado momento do documentário vemos que a cidade modifica sua rotina. O carnaval se aproxima e com ele a vontade que os habitantes de Toritama tem de poder deixar o jeans de lado e simplesmente “curtir”.
Nossos personagens já não mais estão com suas máquinas de costura ligadas e tesouras na mão, agora eles buscam apenas uma oportunidade de viajar com suas famílias e aproveitar o carnaval na praia. É como se o ano todo esperassem por isso.
Nesse ponto somos apenas levados pela curiosidade do cineasta e pela empolgação e ansiedade da população de Toritama em poder viver o carnaval da melhor forma possível. Muitos deles chegam a vender seus eletrodomésticos, motos e até pegam dinheiro emprestado para que possam viajar. Pois para eles o carnaval deve ser vivido e aproveitado, já que trabalham tanto durante o ano e “não sabem como será o dia de amanhã”.
Assim, nossos personagens seguem suas vidas, trabalhando em um dos maiores polos produtores de jeans do Brasil e esperando, para poderem se divertir mais uma vez quando o carnaval novamente chegar.
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