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Crítica | Deixa na Régua
O documentário Deixa na Régua, do diretor Emilio Domingos, retrata as barbearias da zona norte do Rio de Janeiro e nele acompanhamos os barbeiros Belo, Deivão e Ed interagindo e socializando com seus clientes. O filme apresenta pessoas de uma comunidade falando de seu cotidiano, revelando questões que variam entre sua auto-estima, diferenças entre gerações, família, rotina e suas realidades dentro da comunidade.
A estética criada nas barbearias traz consigo a riqueza e simbologia que revelam o olhar do jovem e sua relação com a beleza e imagem. Pelo olhar do diretor, temos a oportunidade de enxergar o quanto o ato de cuidar-se valoriza a auto estima. Isso diferencia o cabeleireiro que, segundo Belo, trata o cabelo com a técnica que estudou do barbeiro que trabalha com a mão de obra, o “Dom”.
Nos relatos do documentário, seus clientes dizem o quanto ficar sem seu corte e barba em dia faz com que se sintam tristes e deprimidos. Vemos ali a identificação dos moradores com o estilo de corte utilizado em suas comunidades, usando gilete para dar forma a vários desenhos. Em certo momento, até uma homenagem ao dia das mães é produzida, trazendo alegria e bem-estar aqueles que passam pelas cadeiras.
Destaques da narrativa
As barbearias retratam bem a sensação de um ambiente de troca e acolhimento, com rodas de conversa e até música, trazendo discussões sobre o cotidiano.
Entre as histórias de destaque está a relação de um dos membros mais velhos com o auto cuidado. O homem relata ao barbeiro Belo que é “zoado” pelas pessoas da mesma idade por fazer luzes no cabelo e por ir ao barbeiro toda semana. No entanto, esses procedimentos fazem com que ele se sinta bem e mais jovem. Ele acredita que as pessoas precisam se modernizar e “vir para o nosso tempo”.
Outro ponto interessante é a relação que muitos tem com os tipos de cabelo e como essa relação interfere com a escolha do corte. Uns seguem um estilo mais afro, valorizando os fios e formando penteados mais clássicos que lembram o cantor Michael Jackson ou o ator Will Smith. Outros até versões renovadas de penteados que com tintura, lâmina maquininha foram adaptados pelos próprios barbeiros para a contemporaneidade.
O corte, segundo suas reflexões, faz com que eles sejam notados por pessoas que gostam do “corte diferente” e querem saber mais. Corte de jacá, corte colombiano, corte do manguinho…eles podem levar até uma hora para serem feitos, variando pelo tamanho do cabelo do cliente. Deivão, um dos barbeiros retratados, que diz que é gratificante o efeito final, passando a sensação de um rosto mais limpo e iluminado.
A moda da periferia
O documentário é fluido e com uma ótima fotografia, hora trazendo cenas externas que mostram um pouco onde estamos, hora focando nos rapazes. O diálogo com os barbeiros enriquece o filme, pois valoriza a visão que eles têm da ética e da realidade do seu trabalho, muito diferente de outros locais do próprio Rio de Janeiro como a zona Sul.
Vários outros temas abordados da vida cotidiana nas periferias dos jovens podem ser temas de grande destaque como os bailes funk, gravidez na adolescência e seu crescimento como pessoas. Assim, o diretor consegue em seu recorte da realidade trazer muito do que a moda de periferia é.
Emilio Domingos também é diretor dos filmes Favela É Moda, de 2019, A Batalha do Passinho, de 2012, e L.A.P.A., de 2008. Em 2020 o cineasta completou 20 anos de carreira privilegiando a poética que existe em locais pouco valorizados de nossas metrópoles.
O documentário Deixa na Régua foi exibido no último dezembro no Feed Dog Brasil 2020.
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