Crítica | “Bem-Vindos à Bordo”, apenas sorria e acene

Bem-Vindos à Bordo é uma comédia dramática que nos expõe uma problemática atual com temas de importante discussão, mas que se confunde no desenvolvimento de personagem e no tom que pretende utilizar.

“Bem-Vindos à Bordo” é um filme franco-belga, dirigido por Julie Lecoustre e Emmanuel Marre e roteirizado pelos mesmos, com a adição de Mariette Désert.

A trama gira em torno de Cassandre, personagem protagonizada por Adèle Exarchopoulos (“Azul é a Cor Mais Quente”).

Pôster do filme "Bem-Vindo à Bordo". - Otageek

Cassandre é uma comissária de bordo que, após acontecimentos traumatizantes envolvendo a morte de sua mãe, ainda tem de lidar com a pressão que seu trabalho exerce sobre ela de “viver as aparências”.

Acompanhamos vários conflitos ocorrendo dentro dela, embates entre sentimentos, rotina de trabalho e dramas familiares.

O trabalho como desumanizador

“Bem-Vindos à Bordo” aborda, durante todos os seus atos, o discurso desumano atualmente presente na sociedade que normaliza a rotina de trabalho frenética em detrimento da vida pessoal dos empregados. Cassandre vive esse dilema.

Toda a história parece se passar perto da época de Natal, o que traz uma semiótica interessante já que, normalmente, as festas de fim de ano seriam momentos de encontros familiares e junção de entes queridos.

Porém, Cassandre segue uma via contrária, ela não quer esse breve momento de estabilidade, o luto dela faz com que aceite trabalhar mais para não ter de enfrentar seus próprios impasses internos.

“Todas essas emoções que você tem, você precisa deixar isso para trás”

O trabalho aqui oferece uma ilusão de bem-estar, mas, como percebemos no decorrer da trama, qualquer momento de descanso, qualquer mínima lembrança ou tempo de reflexão, é um estopim que traz tudo o que não foi superado de volta à tona.

A solução (além do trabalho) é, então, frequentar festas, beber e ter relacionamentos curtos. Qualquer coisa que deixe Cassandre longe da realidade, nem que seja por breves períodos.

Fotografia e Câmera

A predominância é de planos fechados (mais próximos do rosto do personagem), a câmera já nos diz que se trata de uma obra intimista que vai dialogar com os pensamentos de Cassandre e com um foco nas expressões dos personagens.

Ao meu ver, há um problema com a fotografia. Predominantemente, a fotografia utiliza-se de roupas com tons mais pastéis ou neutros e, geralmente, com uma fonte de luz definida e forte, garantindo um contraste luz-sombra e um tom mais ligado ao dramático.

Pôster do filme "Bem-Vindos à Bordo. - Otageek

Porém, esse plano se altera no uso de roupas e elementos de cenário com cores vivas e fortes que destoam negativamente do estilo da trama. Em um aspecto geral, parece ter uma indecisão acerca do tom que será usado no filme.

Cassandre e seus dilemas

Adèle Exarchopoulos é o coração do filme. A atriz consegue trazer o desconforto que Cassandra tem com a necessidade de fingir estar bem dentro do local de trabalho, todos os sentimentos são bastante naturais e de fácil identificação.

Existe um significado forte quando ela decide visitar sua família, é um reencontro com questões não resolvidas e com si mesma, ela percebe que ela fez coisas valorosas para seu crescimento pessoal. Ela dá um passo para trás, com intuito de andar três para frente.

Pelo menos seria isso se o roteiro final não desandasse. “Bem-Vindos à Bordo” busca uma jornada de superação, uma emancipação e uma ânsia por ser livre das amarras de uma empresa ou de um passado.

Contudo, o que recebe-se é um arco de autoesclarecimento mal resolvido e uma personagem que termina o drama da mesma forma que começou, sendo controlado por outro agente coercitivo.

Mesmo que eles tentem te passar uma falsa impressão de libertação e independência que não condizem com o tom e o texto adotados nas cenas finais.

Pôster de "Bem-Vindos à Bordo" - Otageek

Em resumo, “Bem-Vindos à Bordo” faz uma crítica extremamente importante de um discurso presente em grande escala na atualidade, com atuações comoventes e situações cotidianas. Mas peca em concluir o desenvolvimento da sua protagonista e de seu tema.

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Joel Neto
Joel Neto
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2 Comentários
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Wilma Passos

Excelente crítica. Clara é objetiva. Já estou com vontade de ver o filme, para certificar.

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