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Crítica | ‘007 – Sem Tempo Para Morrer’ é carta de amor ao personagem
Em 007 – Sem Tempo Para Morrer (2021) acompanhamos a despedida de Daniel Craig no papel de James Bond após uma era de 5 filmes, iniciada em 2006.
Depois de diversos adiamentos, o filme originalmente rodado em 2019 finalmente encontrou sua luz ao fim do túnel. Foi quando ouvimos a icônica frase “Bond… James Bond” pela última vez da boca de Craig.
O personagem criado por Ian Fleming em 1953 iniciou sua carreira como agente secreto nos cinemas nove anos mais tarde e, desde então, já foi interpretado por diversos nomes. Mas há um consenso: seja qual for o período ou o ator à frente do papel, a franquia 007 sempre foi sinônimo de bons filmes de espionagem.
E no caso dos filmes de Daniel Craig como James Bond, não poderia ser diferente. É verdade que a história e as aventuras se tornaram cada vez mais e mais globais, numa fórmula pré-elaborada, sempre a serviço de Vossa Majestade. Mesmo assim, em Sem Tempo Para Morrer, Craig se firma como um dos Bond mais interessantes de toda a franquia, entregando um dos filmes mais encorpados do espião e um no qual a ameaça a ser enfrentada e combatida acaba por ser uma das mais perigosas.
007 – Sem Tempo para Spoilers
E para um personagem praticamente imortal, que já sobreviveu a diversas missões, explosões, perfurações por balas, planos megalomaníacos e vilões psicóticos ao longo dos anos, um título como “Sem Tempo para Morrer“ soa mais como uma autoconsciência crítica: será mesmo que Bond é tão ocupado a ponto de não ter tempo nem mesmo para morrer, ou as derradeiras 2h43min de filme é que não são suficientes?
Afinal, neste título somos apresentados ao contexto mais arriscado e à ameaça mais perigosa que Bond já teve que superar. Ainda mais se levarmos em conta que há um envolvimento pessoal muito maior com os contratempos urgentes do que de costume… O problema é que nem mesmo James Bond é capaz de consertar todos os problemas sozinho, afinal, como cita um dos personagens: “é difícil saber quem é herói e quem é apenas um cara legal“.
E como já é de tradição da franquia, o filme estabelece seus fundamentos narrativos numa espécie de prequel – este talvez um dos mais longos – onde somos introduzidos efetivamente na trama a partir de um episódio ocorrido anos antes da narrativa presente do filme. Tudo para explicar a conexão crucial do vilão Safin (Rami Malek) com o par romântico de Bond, Madeleine (Léa Seydoux).
O roteiro de Neal Purvis, Robert Wade, Cary Joji Fukunaga e Phoebe Waller-Bridge condensa dois grandes arcos narrativos em que, no primeiro momento, Bond está aposentado e vai para a Itália, curtir sua vida com a sedutora e enigmática Madeleine. Mas é claro que para Bond as coisas nunca seriam assim tão fáceis, não é mesmo?
Em instantes, o que deveria ser uma ocasião tranquila e romântica – “temos todo o tempo do mundo”, já dizia Bond – o agente rapidamente se vê envolvido novamente nas tramoias da organização Spectre e de mais alguém que parece comandar eventos muito bem arquitetados por baixo dos panos. Eu sei: clássico dos filmes de espionagem, clássico dos filmes 007.
Sob ataque, Bond acaba desconfiando de seu próprio amor, o que os leva para uma das cenas de perseguição mais catárticas de toda a franquia – o que me lembrou um pouco da cena de fuga de Nick Furry em Soldado Invernal, porém, com mais drama e realismo e menos adrenalina, dadas as proporções de cada universo.
E claro, não podia deixar de comentar sobre a trilha sonora de Hans Zimmer (pois é, ele mesmo), que cumpre a missão de intensificar as espetaculares sequências de ação do filme com uma erudição, ritmo e melodia que soma do auditivo ao visual, como uma peça homogênea e cheia de personalidade. O compositor alemão também é especialista em tanger arranjos de repetição quase mântricos, que servem para estender os tempos do suspense, ditar a atmosfera das cenas e criar uma identidade sonora à obra.
Elenco diverso, afiado e consonante
Além de Bond – que no longa já está aposentado dos serviços do MI6 há alguns anos – temos uma nova agente 007 em ação, que assume seu posto. A atriz Lashana Lynch interpreta a agente Nomi e realmente se mostra uma 007 de talento incomparável.
E não só como personagem, mas também a própria atriz rouba diversas cenas com seu charme e espontaneidade, seja nas sequências de ação ou nos momentos em que imprime um ar debochado e arrogante na personagem – assim como o próprio Bond – o que soa quase como um requisito para assumir o manto de 007.
E parece que 007 – Sem Tempo Para Morrer fez questão de cercar Craig com atrizes talentosas. Seja as já citadas, como Léa Seydoux, que sempre passa aquele semblante misterioso e nos deixa até o último segundo pensando “será que ela vai trair Bond?”, ou Lashana Lynch, com sua rivalidade “amistosa” ao tentar se mostrar mais competente que Bond no posto de agente 007.
E claro, não podemos deixar de citar Ana de Armas, que aparece até que pouco, mas realmente entrega cenas de ação espetaculares como a agente da CIA Paloma (com apenas três semanas de treinamento) e dá para o filme uma certa elegância que a produção precisava, além de servir para desmistificar de uma vez por todas o papel das ‘Bond Girls‘.
Se as mulheres roubam a cena e entregam ótimas passagens, é porque a história de 007 – Sem Tempo Para Morrer dá espaço para outros personagens aparecerem e mostrarem que o mundo, seja o real ou o fictício, mudou. Claro, no longa todos os olhos (e são muitos, vocês vão ver) e armas (são muitas, vocês vão ver também) estão em Bond, pois traições, mentiras e uma ameaça global arquitetada pelo excêntrico e misterioso vilão Safin se espalham pelas quase 3 horas de filme.
Carta de Despedida de Daniel Craig
Esteticamente, 007 – Sem Tempo Para Morrer se mostra um filme que não perde tempo para agraciar o espectador com cenários deslumbrantes e tomadas que realmente são de encher os olhos, com uma construção visual que está acima da média até mesmo para um filme de ação blockbuster.
Certas acrobacias (as cenas de perseguição na Itália e em Cuba são as melhores), as reviravoltas, as armas das mais malucas possíveis e o charme característico do personagem são o cerne e o DNA da franquia, e com 007 – Sem Tempo Para Morrer isso é elevado em uma potência muito maior.
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Aliás, tenho notado alguns comentários negativos em relação ao ritmo do filme, por ele se delongar demais ao desenvolver pontas soltas e tentar construir uma linearidade de fatos coerente, e que, por isso, entrega menos cenas de ação do que o esperado. Discordo.
As cenas de ação, aqui, são muito mais valiosas, pois o filme se preocupa em desenvolver os personagens e mostrar o quão eles são importantes para a trama. E, se me permite dizer, Cary Fukunaga comanda a direção do filme executando, sem sombra de dúvidas, uma autossuficiente dose de cenas de ação de – literalmente – tirar o fôlego, com estéticas incríveis e sequências bem dinâmicas e ritmadas.
Cada bala disparada na direção de Bond rasga o ar perigosamente sem piedade. Quando o personagem corre perigo, nós sentimos isso na pele; não é como nos filmes de ação genéricos que precisam simplesmente cumprir o checklist “armas” e que acabam utilizando esse recurso apenas pelo seu apelo estético falsamente nocivo, onde os mocinhos são inatingíveis.
Por conta das escolhas visuais de Fukunaga (diretor) e a mão de Waller-Brige (que veio reforçar o time de roteiristas), que é sentida em diversos momentos, 007 – Sem Tempo Para Morrer constrói aquilo que os outros filmes do gênero lutam para conseguir: um universo no qual os espectadores se importam com os personagens, seja o Q (de Ben Whishaw), o Felix (de Jeffrey Wright), a Moneypenny (de Naomie Harris), ou até mesmo o excêntrico cientista russo Dr. Obruchev (David Dencik).
No que se refere à construção de personagens, talvez onde a produção mais tenha pecado foi no desenvolvimento do vilão principal, Safin. É verdade que o sujeito ganhou toda uma cena de introdução e se provou ser uma verdadeira ameaça ao quase inabalável James Bond e à toda segurança mundial com seu plano maléfico bioquímico.
Entretanto, é uma relação de herói-vilão muito rasa, na qual o estereótipo do ‘velho vilão com os mesmos objetivos de sempre’ é inclusive reconhecido e assumido por Bond e seu chefe, M (Ralph Fiennes). É evidente que, nesse sentido, o roteiro poderia ter sido mais criativo e menos preguiçoso (e havia tempo de tela para isso).
Mesmo sendo um dos vilões mais barras-pesadas que Bond enfrentou cara a cara, o sujeito apenas acaba por ser lembrado por poucos traços marcantes que não seja a sua aparência levemente deforme e personalidade psicótica, como a maioria dos vilões da galeria do personagem.
Mesmo sendo um ótimo filme, 007 – Sem Tempo para Morrer poderia ter desenvolvido uma trama ainda mais alinhada com o que se espera de um bom filme de espionagem, algo que Nolan conseguiu construir com muita audácia em Cavaleiro das Trevas ao estabelecer uma dicotomia muito marcante entre os respectivos agente do caos e agente da ordem.
De todo modo, talvez esta não fosse a intenção. A ideia de entregar um vilão “feijão com arroz” – mas muito eficiente em alcançar o que almeja – pode ter sido a melhor saída para dar espaço ao desenvolvimento pessoal do protagonista e deixá-lo com os holofotes (lembrem-se que Heath Ledger ficou com a maior parte dos créditos interpretando um vilão no filme de um herói…). Agora, estamos falando da despedida de Bond. Ele é quem precisa carimbar a última página.
Com isso, o quinto e último filme da era Craig é também o mais dramático e emotivo – talvez de toda a franquia. Todo o desenvolvimento pessoal do personagem com seus pares (e principalmente seu par romântico) é com certeza aquilo que mais se sobressai no filme.
Afinal, o agente secreto carrancudo nunca se permitiu amar tanto e ser tão vulnerável. Mas isso com certeza não foi um erro assumido, e sim apenas uma consequência, por viver como a vida deve ser vivida.
Todo esse desejo de reconquistar o que perdeu e de lutar pelo que já não pode mais alcançar cria quase que uma metalinguagem entre Daniel Craig e o personagem. É como se o astro saísse do personagem e estivesse também se despedindo dele, já que após seus 5 filmes e 53 anos de idade, precisa passar o manto adiante. E é perceptível seu sincero olhar de agradecimento e honra.
Pelo menos uma vez, Bond não tem medo de morrer, afinal, o personagem deve viver para sempre.
007 – Sem Tempo para Morrer está em cartaz nos cinemas brasileiros e conta com 84% de recepções positivas no Rotten Tomatoes.
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André Shazy
Aficionado pelo universo de quadrinhos e super-heróis, sou um admirador nato da sétima arte. Pai de uma shih-tzu e membro de um grupo de RPG, atualmente faço graduação de Geografia na USP e aprendo sobre escrita criativa nas horas vagas.
Excelente análise sensata e direta! fiquei até curioso de imaginar num futuro quem interpretará o papel de James Bond.
Muito obrigado pelo comentário! Acredito que agora o personagem ficará na geladeira, e a Universal explorará mais as personagens femininas. Quero ver mais de Ana de Armas!
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