A Substância | As referências que deram substância ao filme

Não só de referências cinematográficas é composta A Substância.

A Substância conspurcou o mundo e tem dado o que falar até hoje. Ganhou o prêmio de melhor roteiro em Cannes e venceu como Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, deu o prêmio de Melhor Atuação Principal a Demi Moore no Columbus Filme Critics Association e ainda concorre ao Oscar de Melhor Roteiro Original, Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Cabelo e Maquiagem e Melhor Atriz para Demi Moore. Já mostramos o filme em primeira mão aqui em sua pré-estreia. Depois, fizemos a crítica e ainda elucidamos os cinco motivos para assistir ao terror do ano.

Elizabeth Sparkle olha-se no espelho

Como não poderia deixar de ser, respeitando a vertente atual, o filme é repleto de referências a diversos filmes antológicos e isso foi esmiuçado na internet desde que foi lançado. Mas não só de referências cinematográficas é composta a Substância. Também HQs d’O Incrível Hulk e a até a capa de um single do Prodigy estão presentes na fórmula.

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O Retrato de Dorian Gray

O romance de Oscar Wilde se tornou filme que ganhou um remake em 2009. A história não é segredo pra ninguém mas não custa refrescar a memória para que ela não envelheça como o retrato. 

Acima, Dorian Gray no filme original olha seu retrato pintado totalmente deformado. Abaixo, Elizabeth Sparkle se olha no espelho, deformada, mesclada com Sue.

Obcecado pela beleza e juventude eterna, o narcisista Dorian Gray faz um pacto com o Tinhoso para que seu envelhecimento seja transferido para o seu retrato de corpo inteiro feito pelo pintor Basil Hallward. Através do artista, conhece Lorde Henry Wotton, que o inicia em uma vida de hedonismo.

Acima, Elizabeth Sparkle e Sue, mecladas em uma forma amorfa jazem deitadas de rosto pra cima, jogadas na calçada enquanto uma luz holofótica ofusca seu rosto.
Abaixo, Dorian Gray, deformado, está deitado no chão de seu apartamento, na mesma posição das protagonistas de A Substância.

À medida que vai cometendo todo o tipo de abuso e atrocidades, seu retrato não só envelhece a olhos vistos como gradativamente vai atingindo um aspecto demoníaco. Dorian esconde o retrato (da mesma forma que Sue o faz com Elizabeth) e, quando decide descobri-lo para ver em que pé está sua deformação, se assusta, não pelo fato de a pintura retratar o quanto é perverso, mas porque seu ego fica ferido. Disposto a dar um fim à maldição, Dorian destrói o retrato, com isso, destruindo a si mesmo. Algo muito próximo do que Sue faz à Elizabeth.

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O Iluminado

Um dos melhores filmes, talvez o melhor filme baseado na obra de Stephen King, se não o único. “O QUÊ?!” Calma, você que já está entrando em frenesi ao ler isso. Da mesma forma que Paulo Coelho consegue realizar a alquimia de transformar lixo em ouro, Stephen consegue realizar a alquimia inversa e transformar ouro (seus livros) em lixo (seus filmes).

Acima, a protagonista aperreada em um banheiro que é idêntico ao mostrado em O Iluminado (abaixo).

O Iluminado contou com a destreza e a acuidade de Stanley Kubrick, que fez um filme nada prosaico como é de seu feitio. Stephen foi o único que não gostou e decidiu transformar a história em uma minissérie com a atriz Rebecca De Mornay (de A Mão que Balança o Berço). O resultado foi aterrorizante.

Acima, Elizabeth Sparkle, envelhecida devido ao uso excessivo da substância por parte de seu alter-ego, segura a porta . Acena a mostra de abixo pra cima, idêntica à cena em que Jack Nicholson segura a porta em O Iluminado.

A Substância tem pelo menos 3 cenas que fazem referência ao clássico O Iluminado. Como dito aqui, tanto as tomadas de câmera em close quanto os enquadramentos de corredores como as antológicas cenas de O Iluminado são utilizados aqui com maestria. 

2001: Uma Odisseia no Espaço

Stanley Kubrick de novo! 2001, Uma Odisseia no Espaço conseguiu não só fazer uma releitura do Grande Irmão de George Orwell com seu robô HAL 9000 como lançar o maior jump cut da história do cinema, quando o símio lança o osso para cima. 

Acima, uma das cenas finais de Dois Mil e Um, uma odisseia no espaço mostra o quarto de um dos protagonistas, que serviu de inspiração para o cômodo onde Elizabeth Sparkle pega a substância.

Mais uma vez Coralie Fargeat mostra sua influência kubrickiana ao retratar o piso do local secreto onde Elizabeth vai buscar a substância, fazendo referência a uma das cenas finais de 2001, que por sua vez faz um liame com uma das cenas do início do filme, onde o estranho monolito preto aparece novamente. Este monolito está presente como referência no jogo Grime e no antigo jogo no SNES Evo: Search for Eden.

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Adaptação

Nicholas Cage fez uma atuação acachapante com seu vilão em Longlegs – Vínculo Mortal. Não é de hoje que Nicholas manda bem. Eclético como ele só, consegue fazer tanto personagens totalmente diversos, como filmes excelentes e ruins. Mas desde Adaptação eu não via Nicholas mandar tão bem. Não que Renfield – Dando o Sangue pelo Chefe tenha sido ruim, muito pelo contrário. Mas não se via um personagem tão denso e repleto de camadas.

Acima, a cena mostra Elizabeth do pomto de vista do carona enquanto um outro carro se aproxima em direção à batida. Abaixo, a cena da qual foi inspirada, do filme Adaptação.

A cena do acidente de carro em Adaptação vista do ponto de vista do carona foi tão antológica e original que se tornou um novo clichê. Ao menos antes deste filme, nunca tinha visto uma cena assim. Se alguém souber de algum filme anterior, por favor poste nos comentários.

A cena foi repetida em Rua Cloverfield, 10 (2016), Liga da Justiça de Zack Snyder (2021), e quase ocorreu em Sorria 2 (2024), mas a protagonista é uma excelente motorista. Aqui, não chega a ser uma referência, mas Coralie Fargeat parece ter gostado da cena. Claro, quem não gostou? Só os protagonistas que sofreram o acidente. 

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Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos

Baseado no conto Herbert West-Reanimator, de H.P. Lovecraft na antiga publicação Weird Tales, a história lançou não só o personagem que intitula a trama como a fictícia Universidade Miskatonic dos contos de Lovecraft. O cineasta Guillermo del Toro usa um anel da Miskatonic University e quase toda a sua obra é lovecraftiana!

Acima, Elizabeth Sparkle insere uma seringa no frasco da substância. Abaixo, o doutor Herbert West insere uma seringa no recipiente do reagente, da mesma cor verde fluorescente da substância.

Herbert West aparece em outras histórias assim como o personagem Randolph Carter. Na trama, o médico da fictícia universidade consegue ressuscitar seu antigo professor através de um “reagente”, um estranho líquido verde fluorescente; uma determinada substância.

Psicose

Alfred Hitchcock é um diretor do quilate de Stanley Kubrick e o que hoje chamam de pós-horror ele já fazia cinquenta anos antes. Psicose que o diga. Com referências frequentes em diversos filmes, inclusive no último Terrifier, a cena antológica da cadeira de balanço está presente até no episódio Coisa de Louco da Turma da Mônica.

E em a Substância não poderia ser diferente. Não a mesma cena presente em Terrifier 3 e no episódio da Turma da Mônica, mas as cenas do chuveiro, tanto com Sue quanto com Elizabeth Sparkle passam quase despercebidas, salvo por quem tem boa memória ou assistiu a psicose recentemente.

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Terrifier 3 – O mais sério da franquia

Blade Runner – O Caçador de Androides

Blade Runner – O Caçador de Androides chamou a atenção como um excelente technoir. Hutger Hour está impagável como o replicante Roy Batty e a atmosfera de romance pulp com a ambientação cyberpunk caiu como uma luva para a adaptação do romance Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? de Phillip K. Dick.

Acima, um olho em close de uma androide refletindo as chamas. Abaixo, o olho de Elizabeth Sparkle faz jus ao seu sobrenome Sparkle - Centelha e vemos a substância se espalhar por sua íris.

A cena do close extremo no globo ocular refletindo a chama foi repetida em A Substância. Mas em vez da chama, temos a substância se alastrando pela íris de Sue, bem como o processo de mitose

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Estrada Perdida 

Em A Estrada Perdida, David Lynch nos apresenta um neo noir interessante. O fotógrafo Fred Madison desconfia que sua esposa o está traindo e tudo leva a crer que ele a matou quando é encontrada morta em seu apartamento. Fred acorda transformado em um mecânico de automóveis e se envolve com a esposa de um gângster que é estranhamente semelhante à sua falecida esposa. Uma mistura de A Metamorfose (de Kafka) com o terror irlandês O Canal, que é um plágio descarado de O Chamado e ainda falarei disso em outro artigo. 

Acima, um close da boca de Elizabeth Sparkle pede mais uma dose da substância. Abaixo, um close da boca da protagonista de A Estrada Perdida fala ao telefone.

Um close da boca mostrando apenas a parte inferior do rosto é um clichê interessante com alta carga dramática e num futuro artigo eu vou mostrar o porquê. Tivemos isso no fraquíssimo Alien versus Predador 2 (talvez a única coisa que preste no filme) e nas HQs do Incrível Hulk com o “personagem” A Conspiração Secreta quando saíam aqui pela publicação Universo Marvel. A Substância recorreu a isso fazendo uma alusão à cena presente no filme de David Lynch.

O Incrível Hulk #130 – Ele Voltou

Após a densa fase do Hulk Cinza, Peter David devolve o personagem às origens por um breve momento, para depois lançá-lo de uma forma jamais antes vista. Muitos criticam o Incrível Hulk pelo que se tornou no MCU, mas tá na cara que não leram a excelente fase de Peter David. 

Acima, as costas de Elizabeth Sparkle com um baita corte em vertical. Abaixo, as costas de Bruce Banner se rompem num corte vertical, revelando o Hulk Verde saindo como uma cobra ou cigarra trocam de casca.

Durante a fase cinza, Bruce Banner só se transformava à noite, independentemente de seu estado de humor. Ao se deparar com sua ex esposa, Elizabeth Ross Banner sendo sequestrada, Bruce ficou tão nervoso que se tornou o antigo Verdão, mas de uma forma bizarra: rasgando sua pele como uma cigarra troca de casca. Será que Coralie leu o Incrível Hulk nos anos noventa?

Forma de Vida (Hulk Anual #1)

Lançada no Brasil como Hulk Anual #1, a história mostra o espião George Prufrock que foi designado para roubar um vírus que será usado como arma biológica. Interceptado pelo Justiceiro, George se embananou e acabou derrubando o frasco e se contaminando.

Acima, a cara de Elizabeth Sparkle emergindo do corpo amorfo mesclado com o de Sue. Abaixo, o rosto de George Prufrock emerge da forma amorfa, numa cena bem semelhante.

O espião adquire a forma amorfa presente em tantas tramas de ficção científica e terror como em O Enigma de Outro Mundo, A Cor que Caiu do Céu (este último, vivido por Nicholas Cage no último filme) ou mesmo resultado da Disciplina Vicissitude, do RPG Vampiro: A Máscara

Acima, o rosto de Elizabeth Sparkle visto de cima, rasteja até uma estrela no calçadão da fama. Abaixo, o rosto de George Prufrock, numa cena bem semelhante.

Em uma das cenas, Elizabeth olha para o céu, para as estrelas, enquanto está, ela mesma, sobre a estrela que leva o seu nome na Calçada da Fama. Seu sobrenome é Sparkle (centelha), uma alusão a uma estrela que brilha, porém de forma fugaz. A cena é nitidamente inspirada no olhar desolado do espião. Não falei que Coralie leu o Incrível Hulk? 

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Prodigy (Music for The Jilted Generation)

The Prodigy deu o que falar quando eclodiu no cenário musical no meio dos anos noventa. Com as performances insólitas de Keith Flint, o Bozo psicodélico-infernal que babava no palco e Maxim Reality mordendo os lábios enquanto Liam Howlett orquestrava DOZE sintetizadores. Tudo isso com bateria de verdade e não eletrônica.

Acima, a cara de Elizabeth Sparkle emergindo do corpo amorfo mesclado com o de Sue. Abaixo, a capa do primeiro álbum do The Prodigy mostra um rosto emergindo  de uma superfície e tanto sua expressão como sua posição e ângulo da foto lembram muito a cena do filme.

A capa de Music for The Jilted Generation serviu de embrião para a cara que Elizabeth Sparkle faz ao ver que fez m3rda. Coralie Fargeat pode não ter curtido The Prodigy, mas com certeza curtiu a capa do primeiro álbum.

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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