5 motivos para conhecer o Lúcifer dos quadrinhos antes de assistir à série

A série tem feito muito sucesso entre os que NÃO leram a HQ. Perdoe-os, Lúcifer, porque eles não sabem o que assistem.

A série Lúcifer tem feito muito sucesso, curiosamente entre aqueles que NÃO leram a HQ. Ao contrário de Constantine, que não fez sucesso entre nenhum dos dois públicos (os que leram e os que não leram) e nem sequer chegou à segunda temporada, ou de séries como Demolidor, que fez sucesso por parte de ambos os públicos (leitores e não leitores), Lúcifer conseguiu a proeza de ser uma série bem diferente da obra original e fazer mais sucesso do que a magnífica HQ. 

Como já citei aqui, Mike Carey despontou como o novo Neil Gaiman ao capitanear o spin off de Sandman. Pelas palavras do próprio Neil Gaiman, autor de Sandman e criador de Lúcifer como o conhecemos em Sandman #4 (abril de 1989): “O Lúcifer de Mike Carey é mais manipulador, charmoso e perigoso do que eu esperava.” 

Lúcifer continuou sendo escrito por outros autores, inclusive por uma autora de New Jersey que atende pelo sugestivo nome de Holly Black. Holly e os demais autores nunca deixaram a peteca cair e Lúcifer continuou cínico, arrogante, com uma moral dúbia, que nos faz questionar nossa própria noção da mesma. Não perverso, mas Além do Bem e do Mal – nietzschedamente

Enquanto o sisudo filósofo cofia seus bigodes no inferno, sentado à esquerda do deus filho todo-poderoso, vamos aos motivos para NÃO assistir à série.

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1) Lúcifer é MUITO diferente do original

E me refiro à aparência mesmo. Lúcifer continua cínico, arrogante até certo ponto e faz os personagens – coadjuvantes ou não – (e mesmo nós espectadores), questionarem a moral ocidental, mas um primeiro olhar para o protagonista já dá uma desanimada em quem leu as HQs

Lúcifer, em seu carro, olha para o policial e tenta barganhar com ele, sorrindo de forma pseudo sarcástica.
Daniel?! Não, Lúcifer.

Assim como Keanu Reeves ficou péssimo como Constantine, o sorriso maroto de Tom Ellis, querendo passar a imagem de sarcástico, faz o Primeiro dos Caídos parecer um cantor de sertanejo sensualizando.

Lúcifer com o semblante de David Bowie dialoga com Constantine.
Lúcifer com o semblante de David Bowie.

O Lúcifer das HQs foi inspirado em David Bowie e o semblante do cantor e ator está presente nas edições #14 e #15 de Lúcifer (2018), lançadas no Brasil pela Panini em O Universo de Sandman: Lúcifer Volume 3 como parte do selo Black Label.

2) É uma série policial

Lúcifer e Chloe Becker no pôster da 6ª temporada. Chloe Becker aparece de perfil, olhando de soslaio.
Pôster da sexta temporada.

Nada contra séries policiais, mas os quadrinhos nos dão um panorama filosófico, apresentando-nos, às vezes, até quíntuplos sentidos em cada quadro, nem sempre pelo que está escrito, mas pela própria gestalt das cenas, fazendo match cuts inteligentes em cenas que muitas vezes perpassam o espaço-tempo.

Na HQ, Lúcifer é colocado em um balde e jogado escada abaixo, numa cena que é uma alusão à Queda do paraíso.
Uma alusão à queda de Lúcifer.

Já a série nos dá uma trama policial onde Lúcifer, com sua sabedoria mais que milenar (desde antes da Queda, na verdade), ajuda a policial Chloe Decker na divisão de homicídios do Departamento de Polícia de Los Angeles, a qual vira seu affair e sua sidekick. Assim como Constantine virou uma espécie de Supernatural de quinta, Lúcifer se tornou um Doctor Who infernal. Isso dito novamente pelo próprio Neil Gaiman.

3) A trama diverge muito das HQs

Close do Amenadiel dos quadrinhos, grisalho, com cabelos compridos e olhos azuis, não nas pupilas, mas na parte branca dos olhos pragueja contra Lúcifer.

Como a FOX não detém os direitos sobre os personagens da DC, não temos as eventuais participações de Matt Ryan (este sim, um excelente Constantine, a despeito da série). Já Amenadiel aparece tão bundão quanto o anjo Manny de Constantine e não é nem de longe o anjo dantesco, invocado e grisalho (de aparência mais velha) dos quadrinhos. Na série, além de mais jovem, nem cabelo Amenadiel tem.

Lúcifer com asas brancas e Amenadiel com azas cinza dentro de um escritório.
Tudo bem que dizem que o carnaval é a festa do Demo, mas não sabia que Lúcifer tinha desfilado pela Portela…
Se bem que demo é “povo” em grego.

Mazikeen, ainda, aparece carinhosamente apelidada de Maze… ! Sua face disforme ficou bem representada, mas sua fala truncada presente nas HQs foi substituída pela linguagem demoníaca, que a atriz Lesley-Ann Brandt interpreta guturalmente muito bem. Esperemos que agora, com Sandman e Lúcifer na Netflix, Morpheus possa aparecer. Hmm… pensando bem, melhor não.

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4) A série não é dantesca

O próprio termo Dantesco que usei aqui e no tópico anterior vem do nome de Dante Alighieri, escritor, poeta e político de Florença, por ter escrito A Divina Comédia, sendo um dos capítulos/atos, Inferno. Diferentemente do clima soturno das histórias de Lúcifer, que não chega a ser lúgubre e de estética gótica como Sandman, a HQ apresenta tramas que envolvem deuses de outros panteões e arcanjos, demônios da demonologia (perdoem o pleonasmo infernal) e até personagens históricos como Willian Blake.

Gabriel, no bar, enche a cara enquanto conversa com Lúcifer, ao fundo.
Gabriel alcoólatra.

Todos são devidamente humanizados, não no sentido que a palavra tem atualmente, mas de modo a torná-los próximos da condição humana, como um Gabriel ébrio, por exemplo. Na série da TV, temos diversão garantida para você e sua família, com draminhas pseudo-existenciais e a existência de uma psicanalista comum a alguns personagens. Seu nome? Linda Martin! Que lindo!

5) Deus é casado!

Isso mesmo! Dramatizando a frase célebre de Nietzsche, “Deus está morto!”, a saga de 2016 mostra uma estranha entidade ocupando o trono do criador. Na série, Deus não só é menos beligerante (e talvez menos onipresente), como o Todo-Poderoso ainda é casado! Com a MÃE de Lúcifer!

A entidade que ocupa o trono de Deus, na HQ.
A entidade que ocupa o trono de Deus na HQ.

Bom, se você nasceu, possivelmente tem uma mãe, mas Lúcifer e os demais nem chegaram a “nascer”, já que se trata de entidades, conceitos, arquétipos ou mitos. Acho que isso não consta nem na Bíblia, se não me engano. Lúcifer Estrela da Manhã, assim como os outros anjos, surge sem ter que passar por um parto ou coisa que o valha.  

O pôster apresenta Lúcifer ao centro, em pé, atrás de um casal sentado. À sua esquerda, sua mãe; à sua direita, Deus. A foto remete à carta do tarô O Diabo.
A foto alude à carta do tarô O Diabo.

Se você ainda está disposto a assistir à série, a 6ª temporada já está dando o que falar, mas não leia os quadrinhos ou só os leia depois. Se você leu e ainda não assistiu, não assista. Ou assista, mas sem expectativa, que é a mãe de todas as decepções. Se já acompanha a série, você anda mal acompanhado. Perdoe-os, Lúcifer, porque eles não sabem o que assistem. 

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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Pedro Hilário

Eu li o quadrinhos e a adaptação da Netflix não é tão fiel como foi esperado, mas acredito que da segunda temporada pra frente a série ganhou conotações muito boas, eu estou terminando a quinta pra acabar logo a série.
Sem dúvida a série é bem diferente do que o Neil Gaiman esperava, mas a série tem momentos bons, e o jeito que ele explorou a queda de novos Anjos, e não apenas de Samael ficou bastante interessante.
Eles colocam a humanidade em uma perspectiva diferente que os quadrinhos apresenta, e os dilemas “divinos” que aparecem durante a 4ª e 5ª não são das piores, foram introduzidos personagens bíblicos icônicos, não é uma série impecável de merecer um Oscar, mas tem um certo charme.
Infelizmente não é possível esperar adaptações fieis, afinal, se toda adaptação fosse exatamente como nos quadrinhos a Marvel e a Dc seriam odiadas. (E olha que eu nem falei de The Walking Dead kkkk)

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[…] já critiquei a blasfema série aqui e a chamo de blasfema não pelo tema, mas por não fazer jus nem de longe à HQ. No início de sua […]

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