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Critica| “Viva a Diferença” até “As Five”! 11 Motivos para entender o sucesso desta temporada de Malhação
Das vinte e sete temporadas que foram exibidas, apenas a vigésima quinta, denominada Viva a Diferença, conquistou uma obra derivada, intitulada As Five. A mesma está sendo exibida desde 12 de Novembro de 2020, na plataforma Globo Play.
Mas o que torna essa temporada tão especial para conquistar uma sub-produção?
Talvez a resposta mais óbvia seria o fato de ter alavancado a audiência, conquistado críticos e o público, além de ter ganhado a premiação do Emmy Kids Internacional em 2017. Todavia, esses são os frutos colhidos através de alguns aspectos e elementos trabalhados ao longo da narrativa de Viva a Diferença. Vamos conversar sobre eles?
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1. Protagonismo Feminino
Aqui não temos o núcleo protagonista tradicional e clichê dos casais de mocinhos e dos maléficos vilões vigente nas 24 temporadas anteriores, nas quais era explícita a rivalidade entre as personagens femininas. Além disso, na maioria das vezes, elas eram muito padronizadas, mas isso foi substituído por cinco jovens mulheres que desempenharam os papéis de protagonistas na 25ª temporada.
Elas são adolescentes completamente distintas e de personalidades complexas, com qualidades e defeitos, pertencentes a contextos socioculturais e visões de realidade bastante diferentes e diversas, que influenciam o modo como elas agem e se comportam em sociedade. E essa diversidade das jovens está presente do primeiro ao último capítulo da temporada Viva a Diferença, já sendo frisada até mesmo na música de abertura.
2. Casais Inter-raciais
O Brasil é um país racista e, consequentemente, relacionamentos amorosos entre pessoas de raças diferentes não são algo comum em narrativas audiovisuais e na mídia como um todo. Em algumas tramas vemos um ou outro casal, que geralmente é coadjuvante na história. Entretanto, nesta temporada temos uma maior diversidade étnica entre os casais, inclusive no núcleo principal.
Ressalta-se que, infelizmente, muito da miscigenação brasileira foi formada pela violência sexual sofrida pelas mulheres, em especial as negras e indígenas, sendo este um assunto muito complexo e que merece muita atenção, estudos e debates. Mas este não é o objetivo deste artigo, e portanto não debateremos sobre isso.
3. Representatividade LGBT
Temos dois personagens bissexuais e outro homossexual na trama de Viva a Diferença. Dentre eles destaca-se Lica, uma das protagonistas. A adolescente possui uma personalidade forte e turbulenta, oscilando constantemente entre a “vilã e a mocinha“. Sua ações impulsivas e rebeldes a levam a cometer atitudes que seriam condenáveis socialmente, prejudicando a si mesma às vezes. Todavia, ela amadurece, aprende com os erros e descobre, a cada dia,um pouquinho da melhor versão de si.
4. Representatividade Negra
Apesar da personagem negra ser ambientada em um contexto social clichê (na comunidade/favela), ela não é umacoadjuvante, mas sim uma das protagonistas. Ao longo da narrativa é destacada toda a sua caminhada de luta e amadurecimento, seus medos, sua força em lutar para ter DIREITOS e principalmente suas pequenas e grandes vitórias.
Salienta-se a presença de outros personagens negros que são apresentados em diferentes contextos e posições sociais: professora, enfermeira, motoboy, dançarino, chapeiro (estudante), entre outros. Perceba que não prevaleceu o negro em posição de subalternidade e marginalidade social somente, e isso é um avanço significativo da representatividade do negro na mídia.
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5. Representatividade Nipo-Brasileira
Tina, além de trazer um pouco da cultura japonesa, sofre e fala sobre os preconceitos que os nipo-brasileiros enfrentaram e enfrentam no Brasil. Seu destaque na narrativa está nos atritos com a mãe, a qual quer determinar e estabelecer as escolhas da jovem, bem como seu modo de agir e com quem conviver. Tal contexto pode ser comparado à resistência das mulheres aos padrões e normas que lhes são estabelecidos pela sociedade patriarcal e machista.
Outro aspecto importante de seu protagonismo é que, de todas as cinco garotas, Tina é a única com a formação familiar considerada “tradicional” (composta por pais e filhos apenas). No entanto, é a que mais possui conflitos familiares na maior parte da trama de Viva a Diferença.
Isso acaba destacando que ser de uma “família tradicional” não a torna perfeita ou superior às outras. No final das contas, não importa quais membros instituem uma família, mas sim o amor e o respeito entre todos que a edificam.
6. Protagonista Plus size
Primeiramente, são evidenciadas as dificuldades e os desafios de uma maternidade na adolescência: preconceitos e julgamentos, inseguranças com o corpo, o retorno aos estudos, etc.
Logo, quebrando o padrão de beleza magra de suas antecessoras, Keyla vem dando visibilidade e voz para várias jovens que sofrem com gordofobia e com os desafios para a aceitação do próprio corpo.
Salienta-se que, apesar de trazer consigo o perfil clichê da adolescente que sonha com o par perfeito, ela quebra essa similaridade ao longo da narrativa, aprendendo mais sobre amor próprio.
Juntamente com as novas amizades, ela percebe que o príncipe encantado não existe, mas sim homens reais, com suas qualidades e defeitos.
Tanto ela quanto as demais protagonistas, no decorrer da trama, têm como anseios e metas de vida evoluir, não se prender às regras e aos padrões, conhecer-se e ser aceita do seu próprio jeito… e não a conquista de um relacionamento amoroso promissor.
7. Protagonista com Síndrome de Asperger
A personagem Benedita seria uma mera coadjuvante em outras tramas , mas em Viva a Diferença ela é também protagonista.
A garota nos emociona várias vezes ao longo de seu processo de autodescoberta e socialização através das novas amizades, com as quais não só aprende como também ensina.
Em determinado momento, a narrativa dedica-se a ela apenas, e podemos ver o quanto a amizade com as garotas a beneficiou: Benedita passa a saber lidar melhor com a síndrome, fica mais independente dos cuidados da mãe, tem confiança sobre si mesma, supera gradativamente vários bloqueios que a impediam de socializar-se e passa a sentir-se como parte de um coletivo no qual todos possuem semelhanças e diferenças.
8. A desconstrução da rivalidade e edificação da sororidade
Em um primeiro momento, a narrativa de Viva a Diferença expõe de forma minuciosa como suas bolhas sociais tão distintas se entrelaçam, e assim une as cinco jovens ao invés de separá-las.
Isso só foi possível porque as adolescentes deixavam seus impasses pessoais de lado para ouvir antes de falar, compreender antes de ser compreendida, colocar-se no lugar da outra antes de julgar e, acima de tudo, entender o meio ao qual a outra pertence. E assim se edificou a sororidade entre elas.
Este sentimento de empatia transborda e começa a afetar positivamente suas atitudes em relação a outras mulheres, incluindo os desafetos, em especial aqueles onde a disputa amorosa era explícita.
Tal rivalidade vai se enfraquecendo principalmente em situações nas quais os desafetos estavam passando por problemas sérios como autoflagelação, assédio sexual, etc. Assim, mesmo que ainda existisse o desentendimento, a sororidade estava acima dele.
9. Reconciliações Memoráveis
Na trajetória, há um desentendimento entre elas que parece ter selado o fim da amizade. Contudo, ao estarem próximas novamente, mesmo diante da discussão que magoou a todas, o sentimento de proteção e cuidado faz com que Keyla e Ellen se aproximem de Benê, que aproveita e pede a ambas para se reconciliarem.
Ellen e Lica voltam a interagir a partir do sentimento de que juntas são mais fortes, unindo-se para combater o autoritarismo de Malu no colégio Grupo. Porém, de todos as reconciliações, nenhuma delas é mais impactante que a de Lica e Keyla, que quebram um dos alicerces da rivalidade feminina: o desentendimento entre mulheres por causa de um homem.
Por fim Tina, mesmo no Japão, dedica uma música em japonês para homenagear as garotas e a amizade entre elas.
10. Revolução Social a Partir da União Feminina
A temporada tem dois ambientes principais: a Escola Pública Cora e o Colégio Particular Grupo, os quais ilustram dois cenários brasileiros: pobres e ricos. Contudo, a união das jovens promove uma interação entre as escolas, onde bolhas sociais e preconceitos vão se desfazendo ao mesmo tempo em que nasce o respeito e o viva às diferenças, fazendo nascer uma grande revolução sociocultural na história.
Como exemplo dessa interação temos a Balada Cultural, onde os alunos de ambas as instituições se misturam para criar e apresentar seus talentos. Ao final do evento Lica e Ellen propõem a todos, em uma atitude de viva às diferenças, que fizessem pares com alguém da outra escola, independentemente de sexo ou orientação sexual, e selassem o respeito ali apresentado com um beijo na boca.
Certamente houve um espanto inicial, mas ninguém se opôs e, naquele momento, o beijo nada mais era que uma demonstração de afeto e gratidão pelo respeito expresso por ambas as partes. Tal atitude não deveria ser rotulada ou condenada, assim como as pessoas ali presentes, que eram iguais em direitos e únicas em suas várias versões do que é ser homem ou mulher.
11. Clipes e Canções
Como demonstrado acima, durante a trama de Viva a Diferença as garotas escrevem e cantam músicas que estão condizentes com seu estado de espírito, além de oferecer ao telespectador reflexões. Um destas canções se tornou clipe e deixarei para o caro leitor decifrar as mensagens que ela promove.
Mas como nem tudo na vida é perfeito, a narrativa teve falhas que, inclusive, podem ser corrigidas nesta nova série ou na continuação da mesma.
Aqui estão:
- Mesmo trazendo a presença LGBT para o núcleo principal, não somente Lica como Gabriel e Samanta são ambos brancos e pertencentes à classe A/B. Portanto, é necessária uma maior diversidade deste público.
- Gabriela Medvedovski interpretou maravilhosamente o papel e merece reconhecimento por isso. Entretanto, a mesma informou que para se adequar à personagem precisou engordar. Assim, mesmo trazendo muita representatividade, a escolha da atriz acabou invisibilizando o talento e o trabalho de atrizes plus size que poderiam interpretar o papel.
- A presença de Tina e particularmente Ellen enriqueceu grandiosamente o núcleo protagonista. Entretanto, prevaleceu-se a regra do negro único, sendo Ellen a única negra das cinco jovens.
Em ambos os casos citados acima, seria totalmente inviável a troca de protagonista (como o caso da Keyla) ou a inserção de mais uma para uma melhor presença negra, afinal, deixaria de ser As Five. Entretanto, que as novas produções tragam mais personagens negros no protagonismo e que validem e deem oportunidades às atrizes plus size.
Por último, ao final da temporada, concluímos que de fato as adversidades e os problemas sociais são os verdadeiros vilões da história. Não obstante, há uma vilã clássica: Malu. Do início ao fim, ela tentou prejudicar todos que tentaram cruzar seu caminho, tal como fez parte de uma disputa amorosa e de poder com Marta e Lica.
Ressalta-se que ela possuía algumas características igualmente presentes no Edgar como ambição, sedução e amor ao dinheiro, porém estes são aspectos vistos como naturalmente masculinos. Assim, o julgamento e a condenação que faríamos ao Edgar seriam certamente mais suavizados em vista do nosso veredito para com Malu. Este contexto expressa o que chamamos de problema de gênero – um assunto válido e complexo sobre o qual podemos conversar em outro artigo, mas nada impede que o leitor pesquise sobre.
Por fim, sendo apresentados e analisados pontos positivos e negativos, espero que o caro leitor não tenha só entendido o porquê do sucesso e da importância da série, como também tenha ficado instigado em assisti-la.
Em As Five esperamos que os fatores que enalteceram (alguns citados acima) Viva a Diferença não sejam esquecidos, e que mais uma vez as Garotas do Vagão nos emocionem e nos façam refletir com os seus novos desafios, problemas e versões de si mesmas. Ademais, que não falte a cada capítulo diversidade, representatividade e sororidade.
Texto baseado no artigo Acadêmico – Viva a Diferença: Representações de Personagens Femininas e das Relações Entre Mulheres na Série Malhação – (Só clicar e conferir – o artigo encontra-se da Pag: 8 – 34)