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Vamos falar sobre um completo desconhecido
Parece irônico, não? Que o nome de Bob Dylan, o cara que vendeu pelo menos 125 milhões de discos, com mais de 600 músicas em seu catálogo, seja associado a “Um Completo Desconhecido”? Mas, não nos adiantemos, vamos começar do começo.

Dia 27 de fevereiro estreou nos cinemas mais uma (e não digo isso em um tom pejorativo, é só que existem muitas mesmo) biografia do músico Bob Dylan. Desta vez dirigido por James Mangold – este que já tinha experiência no ramo, pois também dirigiu o filme “Johnny & June” (2005), biografia de Johhny Cash e June Carter. Ademais, “Um Completo Desconhecido” foi baseado no livro “Dylan Goes Electric!” do escritor Elijah Wald.
O longa chamado “Um Completo Desconhecido” traz Timothée Chalamet no papel do compositor, atuando ao lado de Monica Barbaro, no papel de Joan Baez (ícone folk que teve um romance conturbado com Dylan), Edward Norton, que interpreta o cantor folk Pete Seeger e, mais uma vez, Elle Fanning, no papel da fictícia Sylvie Russo, uma namorada de Bob.
Agora, algo importante para se saber quando estamos falando deste filme é que se trata de uma biografia que abrange apenas quatro anos da vida do artista (1961 a 1965). Olhando para o início de carreira de Dylan, no folk, até sua virada para o rock n’ roll. Desta forma, o fã que for assistir pensando que vai aprender tudo sobre a vida do artista, sairá decepcionado.
O Desconhecido

Conhecemos ali um Bob Dylan de 20 anos que acabou de chegar em Nova York atrás de seu ídolo, Woody Guthrie. Ele toca violão, gaita, compôs uma canção para Woody e participou de um circo itinerante, aparentemente. E isso é tudo o que sabemos. Mesmo depois de meses namorando Sylvie, já até morando com a garota, ela o questiona sobre seu passado. “Seu nome não é nem Bob Dylan”, diz a menina, se referindo às correspondências que chegavam para ele no nome de Robert Zimmerman.
É exatamente neste momento que nos fica claro algo: Bob Dylan é um mito, uma lenda… Não é como nós. Robert Zimmerman, este sim, é um homem qualquer, com um passado, histórias, parentes. Bob Dylan não. Bob Dylan nasceu para o sucesso e a partir do momento que pisou em Nova York, tudo girou ao seu favor, nada o impediu. Não havia como, já estava escrito na história.
É muito interessante este ponto de vista que o diretor Mangold decidiu adotar para nos apresentar essa figura. Ele transforma este homem, um dos mais conhecidos do planeta, em, de fato, um completo desconhecido. E toda essa ideia é sempre reforçada ao longo do filme. Afinal, na mesma cena de Sylie citada anteriormente, Bob afirma que o passado é para se esquecer. Você só revela o que você quer que os outros saibam. Fora isso, um pouco mais a frente na conversa, a moça questiona “Você acha que é Deus?”, ao que Dylan responde “Sim”.
Dylan eletrizado

Como dito anteriormente, o longa foi baseado no livro “Dylan Goes Eletric!”, que em tradução livre seria “Dylan Eletrificado”. “Eletrificado”, essa é a palavra que de fato vai guiar toda a narrativa do filme.
Dylan se lança incialmente como um cantor folk, gênero este que é caracterizado pelos instrumentos acústicos. No geral, as performances contam com o artista e seu violão, apenas. Mas logo de início, Bob já nos dá indícios do que está por vir, primeiro ao discutir sobre uma personagem de um filme que havia visto no cinema com Sylvie.
A namorada diz que a personagem em questão, ao final da história, havia “se descoberto”. Bob logo discorda, ela não havia se descoberto, ela sempre soube quem foi, ela apenas decidiu mudar.
Ademais, há também uma cena em que Peete pergunta se ele é um cantor folk, e Bob deixa claro que gosta de todos os tipos de música, desde que sejam músicas boas.
Assim, em um mundo de violões, banjos e gaitas, surge a eletricidade. Instrumentos eletrificados, guitarras e baixos. Ah, e uma bateria para acompanhar. O que poderia dar errado?
A mudança que lhe é de direito
Nós tememos o que não conhecemos. Será que foi isso o que levou milhares de pessoas nos EUA para as ruas manifestarem contra as guitarras elétricas? A novidade causou estranheza em muita gente. Mas não em Bob. Dylan rapidamente se apaixonou pelo novo som.
(Diz a lenda, que em um encontro com os Beatles, em 1964, Bob Dylan apresentou a maconha aos britânicos e o quarteto apresentou as guitarras à Bob.)
O grande destaque o diferencial, que levou Bob Dylan ao estrelato sempre foram suas letras. Composições autorais que expunham as injustiças do mundo, contavam histórias desconhecidas, gritavam por direitos humanos e tudo o que você pode imaginar, até mesmo sobre o amor. Dignas de um Prêmio Nobel de Literatura, literalmente.
Desta forma, quando Bob Dylan compõe sua primeira canção de rock, “Like a Rolling Stone”, ela é um marco. A partir de então, o rock não era mais um gênero apenas para dançar, agora ele era também “para a cabeça”. Este é o pontapé inicial para que o gênero se tornasse o que é hoje: cheio de músicas disruptivas que gritam o que as pessoas não querem ouvir.
Assim, quando Bob Dylan decide transicionar do folk para o rock, a revolta dos fãs é absoluta. Portanto, gera uma reflexão do quanto inflexíveis podemos ser em frente ao novo. Mas que fique claro, o artista não se descobriu neste momento, ele apenas entendeu que a liberdade de ser quem quisesse, e tocar o que quisesse, lhe pertencia.
Dylan escreve “Like a Rolling Stone” após se sentir infeliz com a própria fama, pois percebia como, mesmo com tanta gente em volta, ninguém se importava. Ele expressava o desejo de ser um estranho, ser quem quisesse. Assim, reflete sobre isso e expõe uma crítica que talvez reflita em si mesmo.
Portanto, este é o foco do longa “Um Completo Desconhecido”, nos mostrar como esse homem, que é uma lenda, também é alguém que não conhecemos. Não nos cabe querer moldá-lo, decidir o que ele deveria fazer. Bob Dylan é imparável, seja no folk, no rock, ou no que mais ele quiser ser.

Breve crítica
Dessa forma, alando um pouco mais tecnicamente do filme, Timothée está perfeito em sua atuação, onde até mesmo interpreta todas as canções do artista que estão no longa, honrando o legado do cantor. E, mesmo que seja esse personagem inalcançável, faz de forma que fique claro que Bob Dylan possui também muitos defeitos.
Porém, algumas coisas ficam muito vagas e não tomam o tempo que deveria para acontecer, como seu relacionamento com a personagem da Elle Fanning e a importância de Sylvie ao introduzir Bob Dylan ao contexto sociopolítico da época (que renderia a bela canção “Blowin’ in the Wind”).
Gostaria de dizer que o diretor perdeu a oportunidade de escalar Joaquin Phoenix para as aparições de Johnny Cash, mas imagino que não seja fácil consegui-lo apenas para fazer pontas.
Ademais, grande triunfo de Chalamet neste filme são suas performances musicais (disponível também no Spotify), pois sua atuação como Bob Dylan em sua vida cotidiana não foge muito de algumas coisas que já o vimos fazer antes.
De toda forma, é um belo filme, especialmente para os fãs do cantor, que podem sair da sessão emocionados.
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