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Som cinematográfico: três pilares básicos
Ao assistir um filme, quanto se atenta ao som?
Por um minuto, imagine aquela cena memorável do filme que você mais gosta, porém totalmente muda.
Já pensou? É, eu sei não é a mesma emoção.
Ainda com essa cena em mente, perceba a sincronização da sua audição com o que os teus olhos estão vendo diante da tela. Quais efeitos essa unificação de sons e imagens lhe proporcionam?
O som parece algo tão simples e natural, que às vezes o consideramos um complemento da narrativa. Entretanto, ele oferece uma experiência muito mais ampla, trazendo não só a sonoridade, mas também carregando sentido.
Estimula a mente humana a emergir a cada segundo no enredo, envolve os sentimentos, a percepção dos mínimos movimentos, dá mais intensidade às emoções, dos ruídos mais simples aos barulhos mais estridentes e complexos. O som é fundamental para absorção e entendimento do filme.
Movimentos ágeis, pisadas fortes… merece destaque a respiração, algo tão simples e natural, que neste contexto intensifica o desconforto, a inquietação e a tensão da cena, sensações que vão ao ápice com o surgimento gradativo da música à medida que a respiração da personagem acelera.
O som tem o poder de redirecionar a expectativa do espectador, tanto através de música, acordes, vozes, vento, quanto pela própria respiração, entre outros recursos. Ele é capaz de nos fazer dar valor ao silêncio: não importa a qual gênero pertence o longa, se em uma determinada passagem do filme o silêncio impera, gera-se o desconforto, a tensão e a inquietação, forçando o público a se voltar para tela e se concentrar no que está por vir.
Logicamente, para toda regra há uma exceção, ou exceções: a mais recente delas é o filme “Um lugar Silencioso“. Nele, a ausência de sons traz tranquilidade, mas note que ao mínimo ruído ativa-se a sensação de pânico.
Portanto, o som cumpre várias funções nos filmes, mas hoje iremos tratar dos três pilares básicos a ele atribuídos no universo cinematográfico. São fundamentais o som diegético, extra diegético e meta diegético
Som Diegético
São todos os sons que existem na realidade da história e são perceptíveis tanto pelos personagens quanto pelos telespectadores. Simples, não? São tão óbvios que às vezes não damos o seu devido valor.
Coisas caindo ao chão, vidros se quebrando, o barulho das joias sendo espalhadas…
Há momentos nos quais a câmera foca no personagem que está próximo à mala, e ainda assim os sons vindos do interior da joalheria enfatizam o que continua acontecendo. Perceba como esses sons tão simplórios são essenciais para fazer o público emergir mais no ambiente da cena.
Um aspecto importante dos sons diegéticos, é que os mesmos possuem subdivisões:
- Diegético síncrono: como o próprio nome já diz, está sincronizado com a gravação e é realizado junto com a mesma.
- Diegético assíncrono: é o som que é produzido na pós-produção e inserido na cena através de edição e mixagem.
Inserido na pós-produção? Como assim?
Vejamos: uma luta, o andar dos cavalos, o subir de degraus, vidros quebrando, as águas da cachoeira despencando nas pedras… Os sons cinematográficos são mais complexos do que aparentam ser.
A captação do som no ato das gravações podem não sair como planejado ou até mesmo interferir na fala dos personagens. Geralmente, na gravação denominada som direto, o foco é garantir que o diálogo entre os personagens tenha a melhor qualidade de áudio possível.
Já a sonoridade pertencente aos ambientes da cenas, em muitas situações é realizada no pós-produção, através do que chamamos de Foley. Através desse recurso, os efeitos sonoros são gerados por meio de materiais diversos e de maneiras extremamente criativas. Se bem mixados, o público nem perceberá que são sons diegéticos assíncronos.
Sons não diegéticos ou extra diegéticos
São sons que não coexistem no enredo e são adicionados no decorrer do filme: o público ouve, mas não os personagens. Sendo muito mais que um elemento sonoro, facilitam a interpretação da cena e fortalecem o sentimento que está sendo encenado. Vão desde a voz da narração até efeitos sonoros especiais, acordes, músicas, entre outros.
Com esse dois em cena, as expectativas são: uma memorável corrida de carros com direito a manobras fatais, freadas bruscas, muitas coisas destruídas, e naturalmente o sagrado barulho da aceleração dos automóveis.
Nesse contexto há uma música de fundo, pois ela acentua muito mais as sensações de ação, desespero e adrenalina. Entretanto, não se remete aos sons do carro, e sim aos movimentos e sentimentos dos personagens, em particular ao Toredo, que está no volante:
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- Leitmotiv: muito mais que notas sonoras
- À medida que realiza as manobras, a música estimula ainda mais a adrenalina, como se fosse um reflexo do que o personagem está sentindo. Note que quando o carro ultrapassa a janela de vidros, vemos a apreensão em seu rosto e até parece que a respiração desapareceu: a música para e só se ouve o ressoar leve de vidros quebrando e a brisa;
- Quando aterrissa bruscamente no segundo edifício, a música esbraveja e dá mais vida às sensações. Por fim, o automóvel novamente atravessa o ar e escuta-se o barulho dos vidros quebrados e do vento;
- No terceiro arranha-céu, a música é retomada e dá mais ênfase à tenção e desespero nos quais o personagem se encontra, do que de fato na adrenalina;
- A música para no exato momento em que Don segura-se para não ter o mesmo fim que o carro. O quase silêncio explora a sensação de respiro de alívio.
Agora confessa, vai! Compartilhou sensações parecidas ao assistir essa cena pela primeira vez?!
Sons Meta diegéticos
Terceiro e último, mas não menos importante, os sons meta diegético corresponde ao estado de espírito do personagem, mais especificamente à mente ou seu imaginário, podendo ser de alucinações, pesadelos, vozes, etc. Entretanto, não é um som real no contexto da narrativa, pois somente o espectador e o personagem em questão o escutam.
Dentre suas funções, umas das mais importantes é fazer o público emergir ainda mais no personagem, na sua personalidade, sua lucidez, nos seus medos, agonias…
Dica: escute este vídeo com fone, e se houver a possibilidade, assista este filme.
O filme é classificado como drama, mas ousaria dizer que poderia ser também um terror psicológico! As vozes seguidas por alucinações em algumas cenas são inquietantes e particularmente angustiantes. Há pontos nos quais, dependendo das interpretações, é quase inevitável a confusão entre a realidade do filme e o psicológico da personagem.
Bom, acredito que depois desse texto você assistirá e, principalmente, ouvirá filmes de outra forma. Caso considere meu conselho, “Cisne Negro” e “Midsommar” são ótimas escolas para colocar as análises em prática.
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