Montagem paralela |”O Poderoso Chefão” e “Parasita”: curiosidades em comum

A montagem paralela é uma linguagem cinematográfica, presente nos filmes O poderoso Chefão e Parasita. Entenda como este elemento, enriquece as obras.

Um bom cinéfilo, amante ou estudante de cinema, com certeza já ouviu falar sobre a trilogia “O poderoso Chefão”. Que apesar de completar quase meio século do lançamento do 1º filme, ainda é atualmente muito glorificado. E um dos motivos que a tornam tão fascinante são os estilos de montagem utilizados na construção do filme, tendo especial destaque a montagem paralela.

Curiosamente, a mesma também se faz presente no filme Parasita, que quebrou paradigmas no OSCAR 2020 ao ser um filme estrangeiro ganhador de quatro categorias.

Vamos ao conceito

A montagem paralela caracteriza-se pela ocorrência de duas situações em um filme, não ocorrendo entre essas nenhuma relação de causa-consequência ou simultaneidade. Devem ser, ainda, separadas por uma distância temporal, provocando efeitos de contraste e comparação.

Em outras palavras, trata-se de uma significação simbólica construída através do uso de personagens e ambientes, gerando uma relação entre cenas e planos diferentes. Ao serem emparelhados, eles acabam por instigar os telespectadores a fazer comparações e identificar similaridades e distinções entre os elementos. Mas vale lembrar que tudo dependerá da interpretação do público.

Montagem Paralela em “O Poderoso Chefão”

Com uma narração conjunta cheia de significados e simbolismos, tendo nos três filmes blocos de início e fim semelhantes, as festas iniciais::

Uma família se reunindo para tirar foto, em uma festa de casamento
Poderoso chefão 1 – cena inicial

Na ocasião acima, é apresentada uma festa com vários aspectos tradicionais italianos. No primeiro filme, além de tentar sempre manter as tradições e alianças italianas, Don Vito mantinha toda a família unida e comandava os negócios da Máfia.

Pela forma como conduzia os negócios e protegia as mulheres de sua família, ele possuía não só o temor, mas também o respeito e o amor de muitos. Isso é enfatizado por todo o contexto da festa, como demonstrado na foto contendo apenas familiares.

Festa como várias pessoas em um espaço aberto, próximo há um lago.
Poderoso chefão 2 – cena inicial

Já no segundo longa, Michael, filho mais novo de Vito, está à frente dos negócios do pai. Ele os expandiu, porém acabou deixando a família em segundo plano. Além de tudo, os perigos da máfia começaram a afetar a união e a segurança familiar.

Na festa da imagem acima, há pouco ou quase nada das tradições italianas. O evento era para celebrar a primeira eucaristia do filho do protagonista, entretanto teve como foco a aliança com o senador e os negócios de Michael. A foto que é tirada na comemoração ilustra bem o afastamento familiar: contém somente Michael, sua esposa Kay e o senador.

Família reunida em uma escada pra tirar foto
Poderoso chefão 3 – cena inicial

Enfim, no terceiro filme, há a tentativa do resgate de uma festa tradicionalmente italiana e de uma foto verdadeiramente em família. Entretanto, ela se mostra desestruturada e não atende às “regras tradicionais” por conter filhos bastardos e mulheres divorciadas.

Outro detalhe é o centro da foto: ao invés de conter o patriarca, contém o bispo, com o qual o protagonista está realizando negócios duvidosos.

Na trilogia, a montagem paralela tem como um dos objetivos, dentro da narrativa, fazer uma comparação entre Vito Corleone, como ele se tornou o grande Don e como lidava com a família e os negócios mafiosos em contraste com o seu sucessor e filho Michael, que lidou com os mesmos fatores de uma forma completamente diferente.

Há diversas cenas que nos fazem comparar suas ações, atitudes e escolhas, como as citadas acima, mostrando como em sua maioria elas eram conflitantes.

Isso acabou por resultar em finais distintos para os dois:

Idoso brincando com o neto, em um jardim com um pomar, posteriormente ele está caído no pomar.
Morte de Vito

Vito Corleone morre no primeiro longa, em uma área toda verde, brincando com o neto e sendo amado e respeitado por muitos.

Idoso desacordado, sentado em uma cadeira, sozinho, com um cachorro perto.

idoso caído no chão, ao lado de uma cadeira e um cachorro, ao fundo um casarão

Já Michael morre em um ambiente árido, sem vida e solitário, tendo apenas a companhia dos cachorros

Montagem Paralela em Parasita

Em “Parasita“, a montagem paralela é usara para intensificar os abismos sociais entre dois mundos: ricos e pobres. De várias formas, o longa vem a nos mostrar essas desigualdades. Todavia, há duas situações que enfatizam mais esse fator, implicando em comparações:

Família sentada no chão, de um cômodo apertado, dividindo espaço com dezenas de caixas de pizzas.
Parasita – elenco principal

A família Ki-taek mora em um porão pequeno e muito simples, desprovido de conforto. Estão todos sentados discutindo sobre o sustento da família.

Família em uma sala ampla, sentados em sofá de luxo, em volta de uma mesa luxuosa com comida e bebida.
Parasita – Elenco principal

Aqui estão todos novamente sentados, em uma sala ampla, talvez maior que sua propriedade inteira, onde há conforto, comida e bebida farta. Eles discutiam sobre como seria se fossem donos da casa.

Perceba as disparidades entre os dois ambientes e as similaridades entre os assuntos abordados: as pessoas são as mesmas e os diálogos nas duas situações abordam questões socioeconômicas. As duas cenas implicam em realizar um emparelhamento que só reforça as desigualdades entre os dois níveis sociais, assim como fortalecem a ideia de que dificilmente um grupo alcançará o outro.

As paisagem que temos diante de ambos os ambientes enfatizam ainda mais as disparidades:

Vista de uma janela de um porão
Casa da família Ki-taek.

Diante de uma pequena janela de vidro, suja e com grades enferrujadas, pouca é a incidência de luz…

Homem olhando para rua, através de uma janela suja, pequena, baixa e com grades.
Casa da família Ki-taek.

Para se ver a rua, se faz necessário olhar para cima, e através de vidros e grades tem-se como primeira vista o chão imundo, possivelmente com cheiro de urina.

Já na mansão …
Sala ampla, iluminada e com uma parede de vidro, que gera uma vista maravilhosa para o jardim
Casa da família Park

Basta apenas olhar para frente e apreciar a paisagem: jardim muito verde e bem cuidado, o ar lá fora é fresco e puro e o céu parece mais azul e bonito.

Sala ampla, iluminada pela luz do sol, através da parede de vidro que dá para o jardim.
Casa da família Park

A vista da janela para fora se tornou uma imensa parede de vidro, sem sujeira e sem grades, há incidência de muita luz.

Em ambos os filmes, as cenas e planos citados acima possuem uma distância temporal e não há simultaneidade, construindo a relação simbólica entre os dois momentos.

Outros elementos cinematográficos que ambas as produções compartilham são as alegorias cinematográficas . Em “O Poderoso Chefão“, dentre várias alegorias temos a laranja que aparece sempre que alguém irá morrer ou matar alguém. Esta significação simbólica está ligada diretamente há uma espécie de laranja da Sicília.

Já no filme coreano, destaca-se a constante elevação dos ambientes quando se trata dos ricos e locais de baixo relevo aos pobres. Em destaque temos as escadas, o objeto usado para enfatizar esta distância, ou seja: ricos no topo, pobres na base.

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Leda Camara
Leda Camara

Paulistana, mas de coração mineiro, formada em Publicidade e Propaganda e pesquisadora midiática, atualmente finalizei meu segundo artigo acadêmico. E adivinha sobre oque eles falavam?
Sim, narrativas audiovisuais, o primeiro artigo é sobre a série Malhação - Viva a diferença e o segundo sobre a Viúva negra no MCU. Ambas as pesquisas norteiam questões de gênero e representação.
Além deste universo do cinema que amo, atuo nas áreas de employer branding e employee experience.

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