Exposições online contam histórias de luta LGBTQIA+ desde o Brasil Colônia até os dias atuais

MDS disponibiliza gratuitamente mostras virtuais que discutem, com um riquíssimo acervo de documentos, fotos e relatos, diversidade sexual, violência de gênero, resistência, memória e cultura LGBTQIA+

O que vem à tona quando a perspectiva LGBTQIA+ é adotada para se contar a história dos séculos iniciais da colonização? Com essa indagação, a doutora em teoria e crítica literária pela Unicamp e militante dos direitos de prostitutas e pessoas LGBTQIA+, Amara Moira, sintetiza o que será abordado na exposição “Dando Pinta no Brasil Colônia”, uma das várias mostras virtuais lançadas em dezembro pelo Museu da Diversidade Sexual (MDS), instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. 

Segundo Moira, ao se pensar em história do Brasil, raramente se aborda a questão das dissidências sexuais e de gênero, ficando a impressão de que isso seria um fenômeno recente. Nada mais equivocado, de acordo com ela.

“Figuras que não cabiam nos padrões hegemônicos de gênero e sexualidade, antepassades da atual população LGBTQIA+, sempre existiram nesse território e uma prova cabal disso são as inúmeras leis que vigoraram por aqui querendo eliminar qualquer vestígio dessas existências”, diz Amara, ressaltando que um dos propósitos da apresentação é jogar luzes sobre essas leis e mostrar o quanto foi central para o projeto colonizador a repressão LGBTfóbica. “Daí a importância dessa exposição: permitir que a história do país seja contada por uma outra perspectiva, a LGBTQIA+”.

Também está à disposição do público, em formato online, o projeto documental Palomas, que conta a história de mulheres transexuais que vivem na cidade de São Paulo em busca de autonomia. Segundo a fotógrafa documentarista Dan Agostini, idealizadora da iniciativa, o intuito é tornar pública a história dessas mulheres que contaram suas trajetórias de luta, dor, preconceito, sonhos e coragem, a fim de conscientizar sobre a realidade social que vive parte da população LGBTQIA+.

“Compreendo a importância de exposições em torno da temática citada, assim como a existência do Museu da Diversidade Sexual, devido a urgência e necessidade de elevar as vozes de pessoas LGBTQIA+, pois há 13 anos o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Acredito na força e potência da arte enquanto ferramenta política de conscientização e sensibilização para assuntos que precisam ser debatidos”, explica Agostini. Mais detalhes das exposições mencionadas acima e de outras em cartaz (online) no Museu da Diversidade Sexual, podem ser conferidos abaixo.

 Serviço 

Exposições Virtuais do Museu da Diversidade Sexual 

Onde acessar: Museu da Diversidade Sexual, São Paulo, Brasil — Google Arts & Culture 

Arquivo Boca da Noite Parte I e II 

“Arquivo Boca da Noite” é um projeto do artista Guilherme Jaccon que teve início em 2015 com o objetivo de organizar um acervo de documentos, depoimentos, recortes de jornais e obras de arte e ações culturais que trabalhem a memória e história de Gilda, travesti, moradora de rua e figura popular de Curitiba nos anos 70 e 80. O nome “Boca da Noite” é uma referência ao movimento popular criado em 1983 após a morte de Gilda que tinha como objetivo instalar uma placa de bronze em sua homenagem. Composta por uma seleção de recortes de jornais, fotografias, poemas, músicas e decretos e ofícios municipais, esta exposição contará também com áudio-depoimentos a serem captados.

A exposição, que terá como recursos de acessibilidade a áudio descrição de imagens e a transcrição dos textos digitalizados, apresentará uma narrativa das tentativas de apagamento da história de Gilda da memória e espaço público da cidade por parte de detentores de poder políticos e dos veículos de comunicação e como os artistas e agentes culturais, através de suas produções, preservaram sua memória e a transformaram num símbolo da cultura LGBTQIA+ de Curitiba.

Colonização, sexualidades e generificações: respostas de hoje para o agora 

A fim de propor uma maneira de perceber a experiência colonial brasileira também como estabelecimento de normas de gênero e sexualidade, essa proposta curatorial visa pensar a influência cis-hetero-cristã na experiência africana na colonização brasileira. Ora, se considerarmos as diversas Áfricas, sequestradas e inventadas, também se faz necessário notar o aspecto disruptivo do exercício colonial, de modo que teremos sempre o antes e depois dele. Há uma história particular nas colonizações africanas e americanas, com isso, o Brasil, vinculado substancialmente à Costa do Ouro e a Angola, por exemplo, nasce com a contradição do tempo em operação.

Pouco menos de um século antes de entrarmos no mapa ocidental, o avanço europeu sobre a costa africana atlântica já estava em curso. Isto é, o que significa pré-colonial na estrutura combinada da colonização atlântica? Sempre haverá, por fim, a referência ao anterior, ao marco inaugural, uma África antes do sequestro. Voltemos, se o exercício colonial inaugura algo, também o inventa e enquanto o faz, imprime a si mesmo. Nisto se nota, então, a constante generificação cisgênera, acompanhada pela heterossexualidade compulsória, na constituição das relações, mesmos escravistas, como veremos, da história brasileira.

Focaremos, todavia, nos discursos e narrativas próprias da colonização brasileira, entendendo, entretanto, a importância dos estudos de gênero e sexualidade relacionados ao continente africano. Ocorre que ainda há pouca consciência de percepção da história africana no Brasil, seja por textos ou imagens, atenta a identificar o aspecto colonial também por suas elaborações de gênero e sexualidade. E é com isso que este projeto visa colaborar.

Dando Pinta no Brasil Colônia 

A nova exposição de Amara Moira celebra a coragem de quem, lá atrás, mesmo diante da perseguição inquisitorial e portuguesa, foi inventando brechas para poder existir. Reunindo diversos registros, documentos, cartas e relatos, a exposição revela os mais diversos tipos de censura e violências. Uma das principais fontes para imaginarmos a presença LGBTQIA+ nos primórdios da colonização do Brasil são as confissões e denúncias feitas à Santa Inquisição.

Homens que se envolviam, pontual ou recorrentemente, com outros homens, mulheres fazendo o mesmo com outras mulheres e até figuras que, já naquela época, desafiavam as normas de gênero e mostravam que é, sim, possível existir para além das concepções genitalizantes de homem e mulher, tudo isso se encontra nesses documentos.

Sexualidades Múltiplas: Autobiografias indígenas 

O projeto de Tipuici Manoki foi pensado a partir do Bicentenário da Independência, com o intuito de apresentar um pouco das narrativas indígenas sobre a diversidade sexual, partindo das perspectivas dos indígenas LGBTQIA+. Sendo assim, o material traz múltiplas narrativas autobiográficas desses sujeitos, desde o impacto que os processos de colonização causaram em suas vidas, até as suas atuais formas de criatividade e resistência adotadas como estratégias cosmopolíticas.

Sabemos que a colonização no Brasil continua violando as culturas dos povos indígenas e, consequentemente, os corpos LGBTQIA+. Nesse sentido, apresentar essas autobiografias indígenas é uma forma de celebrar e fortalecer as suas formas de expressão e resistência diante de ameaças à sobrevivência desses grupos.

O Museu da Diversidade Sexual, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, localizado na Estação República do Metrô, piso Mezanino, também oferece visitas orientadas pelo educativo da instituição. Os agendamentos devem ser feitos no site: Museu da Diversidade Sexual.

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Luna | A Patroa da Redação
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