Entrevista | Bill Labonia – Roteirista do Game Dolmen

O Otageek teve o prazer de conversar com o premiado roteirista pernambucano Bill Labonia, roteirista do game Dolmen.

É sabido e notório que Nona e Décima Arte (os quadrinhos e os videogames) ainda são vistas com preconceito no Brasil. Não pelo público – ávido consumidor – mas pelas empresas, pela mídia e pelos próprios artistas, que as consideram “coisa de criança”. Abordamos um pouco disso com Bill Labonia.

Temos grandes quadrinhistas brasileiros, tanto na área de roteiro quanto ilustradores, embora só o segundo time tenha sucesso no exterior, mas ainda temos uma lacuna no que diz respeito a desenvolvedores de games. Não que eles não existam, apenas não voltamos nossos olhos para eles.

Bill Labonia

Como estamos aqui pra quebrar paradigmas, o Otageek tem o prazer de conversar com o premiado roteirista pernambucano Bill Labonia, criador e professor do curso Roteirista Empreendedor e roteirista do game Dolmen, que teve sua pré-estreia no Summer Game Fest. Criado e desenvolvido pela Massive Work Studio, de Natal-RN, o game será lançado em 2022 para XBOX One, PS4 e PS5.

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Otageek- Como surgiu a ideia do jogo?

Bill Labonia- O jogo nasceu da mecânica e quando os caras me convidaram pra desenvolver o suporte narrativo para o que eles estavam desenvolvendo. O truque é sempre trabalhar em torno das limitações do level design e do gameplay. Uma coisa que chegou pra mim, logo de cara, foi que o game não ia poder ter cutscenes, que normalmente é onde os games novos colocam toda a exposição e a história entre a jogabilidade.

Sem esse recurso, a gente é obrigado a ser criativo pra contar a história dentro do gameplay. E não só isso, fazer narrativa e gameplay andarem juntos. Eu não posso dar detalhes da trama em si, mas posso dizer que vai ser muito satisfatório, principalmente para aqueles que gostam de platinar* os games.

*Categoria do Playstation – conseguir todos os achievements do game.

Otageek- Buscando sobre o jogo na internet, chegamos a ver uma cena em quadrinhos. Há uma HQ sobre o jogo? Ocorre na forma de transmídia?

Bill Labonia- O projeto inicial do jogo era bem mais grandioso, assim como os sonhos de todos os envolvidos. A proposta era fazer um transmídia entre o game, com livros e HQ’s e realmente expandir o lore e o universo. Aos poucos a equipe teve que ir se adaptando às limitações do próprio game. O jogo teve uma HQ adaptada do universo expandido do Dolmen, mas o produto final acabou ficando bem diferente por conta da evolução natural do game. A HQ ainda existe e serve como ambientação para o game.

Otageek- Embora o gameplay seja comparado a Dark Souls, a temática é lovecraftiana. Quais são os elementos lovecraftianos presentes no jogo além da estética (criaturas com tentáculos e afins)?

Bill Labonia- A temática lovecraftiana já veio no briefing que eu recebi quando fui contratado. Já era a proposta da galera do estúdio desde o começo: explorar essa estética meio Alien, meio orgânica, demoníaca, algo com uma atmosfera bem densa. E foi essa atmosfera densa que refletiu e influenciou bastante na narrativa.

O protagonista e uma das criaturas lovecraftianas do game.
Otageek- O termo “dolmen” designa monumentos megalíticos como o Stonehange e isso já diz bastante sobre o jogo. Como isso é retratado no jogo (sem precisar dar spoiler, claro)?

Bill Labonia- Nossa, que pergunta difícil, mas vamos lá. É exatamente isso. Nesse sentido o dolmen é considerado um “portal” para outros lugares, e, desses portais, nós podemos atingir outros povos e lugares e outros povos e lugares também podem nos atingir. Isso é tudo o que eu posso falar sobre isso.

O protagonista passa por uma criatura diáfana de formato aracnídeo.
Otageek- Foram quantos tratamentos até o corte final?

Bill Labonia- Mais do que sou capaz de contar. Foram 7 anos de desenvolvimento e eu atuei pesado bem no início e bem no final. Basta dizer que a história final do game é praticamente outra do que era no início. Muita coisa influi no desenrolar da trama, mas principalmente limitações de level design ou mecânica mesmo. É um constante trabalho de adaptação e reinvenção. O roteiro original era muito maior. O jogo final acabou sendo algo em torno de 20% do que a gente tem planejado para esse universo, então ainda tem MUITA história pra contar no universo Dolmen.

Otageek- Costuma-se chamar os roteiristas de games de designer de games. Isso procede?

Bill Labonia- Deve proceder, eu não sou um especialista, pelo contrário, Dolmen foi o meu primeiro game e eu aprendi muito na prática. Foi uma experiência que me ajudou a finalmente aprender qual a minha função dentro da cadeia produtiva do game, que é bem diferente do lugar que o roteirista ocupa no audiovisual. Mas eu entendo que existem games e games. Games baseados em narrativa, como Uncharted e The Last of Us é a narrativa quem guia o jogador e nesse sentido. O roteirista é um game designer, pois é ele quem vai definir a curva dramática, derrotas e vitórias do protagonista.

Quando o game é mais baseado em jogabilidade, como um RTS (Real-Time Strategy), um FPS (First Person Shooters), etc, o roteiro vem como APOIO para a jogabilidade. nesse caso, a jogabilidade guia o jogador e a narrativa dá o suporte. Nesse caso, acho que roteirista se encaixa melhor. Mas claro que isso é uma opinião.

Otageek- Os roteiros publicitários e de quadrinhos costumam ser idênticos, com descrição da cena à esquerda e diálogos à direita, como em teleprompter. Como ocorre com games? 

Bill Labonia- Bem menos glamoroso do que parece. Ao contrário de um roteiro audiovisual, o roteiro do game não tem uma estrutura corrida, como um filme ou um livro. Existem bolhas narrativas que são acionadas por determinados gatilhos. É mais ou menos assim. Em um RPG, você vai estar ali farmando* e é isso que guia sua experiência, apenas quando você clica em um NPC é que ativa um pequeno diálogo.

Então o trabalho é planejar esses pequenos momentos onde o player vai de fato interagir com algum NPC ou objeto para dar o contexto narrativo ao que ele está fazendo. No caso, o roteiro são vários arquivos diferentes, com pequenos diálogos e descrições que dão suporte narrativo a missão atual do personagem.

*Do inglês “Farm”, cultivar. É o ato de matar inimigos no jogo para ganhar dinheiro e experiência, no melhor estilo hack ´n slash.

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Otageek- Um roteirista pode atuar na área de games e HQs ou é necessária uma especialização?

Bill Labonia- Olha, se não pode, eu espero que eu não seja processado por isso, porque minha especialidade é roteiro de cinema e TV. Você não precisa de especialização, mas se você tiver noções de como um game funciona, isso vai te ajudar BASTANTE na hora de desenvolver alguma coisa.

Mas o principal é se aproximar dos pequenos coletivos ou estúdios iniciantes que estão batalhando pra começar a entrar bem no começo. Como o roteiro não é a gênese do game (na maioria das vezes) a dinâmica é diferente. A gente que precisa ir atrás dos estúdios e nos apresentar, buscar parcerias com gente que está começando pra todo mundo subir junto. Colaboração é a chave! 

Otageek- Ao roteirizar um jogo, é papel do roteirista apenas a confecção dos personagens, o desenrolar da história, a decupagem das cenas ou se tem autonomia sobre os comandos também?

Bill Labonia- É muito cada um no seu quadrado. Se a galera do level design decidiu que tem que colocar um mob* naquele ponto do cenário, isso chega pra mim e é minha responsabilidade adaptar isso em minha narrativa. Eu não tive influência nenhuma na jogabilidade nem na mecânica, mas eu estava sempre em contato com os designers e programadores pra saber o que eles tinham em mente e o que podia e o que não podia fazer.

Eu também fiquei responsável por trabalhar a parte de crafting, criando armas, armaduras e materiais para construir cada coisa. Cada item tem um contexto, uma legenda… O trabalho do roteirista está em tudo o que você lê dentro do jogo.

*Inimigo ou ao menos antagonista NPC (Non Player Character = Personagem Não Jogador) presente em games MMORPG ou um MUD. Dependendo do game, pode designar os minions.

Otageek- Pra finalizar, como está o mercado de roteiros para games no Brasil?

Bill Labonia- Olha, eu vou ser bem sincero, não fui eu quem encontrou a galera do Dolmen, foi a galera do Dolmen que me encontrou. Eu tive o privilégio de ser convidado pra trabalhar em algo que eu sempre amei mas nunca tinha feito. Mas de lá pra cá, observando o cenário, vejo que é um cenário em expansão, principalmente na área de mobile. Existem jogos novos sendo desenvolvidos todos os dias, por equipes em escritórios ou adolescentes em seus quartos.

Por isso que acho que pra penetrar nesse mercado, você precisa primeiro começar a frequentar esses ambientes, sejam físicos ou virtuais. Grupos, comunidades de game design, programação de games, fazer um curso ajuda a conhecer gente que quer a mesma coisa que você. Sozinho, o roteirista não chega lá, mas encontrando essas pessoas que sonham em criar o próprio game, todos podem trabalhar juntos e colher os frutos juntos. É um trabalho muito colaborativo.

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Claudio Siqueira
Claudio Siqueira

Escritor, poeta, Bacharel em Jornalismo e habitante da Zona Quase-Sul. Escreve ao som de bits e póings, drinkando e smokando entre os parágrafos. Pesquisador de etimologia e religião comparada, se alfabetizou com HQs. Considera os personagens de quadrinhos, games e animações como os panteões atuais; ou ao menos, arquétipos repaginados.

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