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Crítica | Vista Minha Pele e o racismo estrutural
Ultimamente, a expressão “racismo reverso” tem ganhado destaque na mídia, havendo desde quem afirma sua existência às pessoas que demostram de várias formas o quanto isso é impossível de existir, trazendo provas, argumentações e dados que atestam a sua inexistência. Inclusive, o próprio cinema negro brasileiro demostra isso de maneiras diferentes. E uma delas é certamente o curta “Vista Minha Pele“(2003).
A obra brasileira, que é roteirizada por Dandara e Joel Zito Araújo e também dirigida por este último, tem como proposta que espectadores, independentemente de suas posições étnico-raciais, vistam a pele do “outro”, visualizem e sintam o racismo e os estereótipos étnico-raciais que marcam o dia-a-dia das pessoas pretas na sociedade brasileira.
Por meio da inversão de papéis, o diretor expressa a compreensão de uma sociedade brasileira invertida, onde os negros são os personagens opressores e os brancos os oprimidos.
A obra conta um elenco composto por Bruna Bonéo, Thuanny Costa, Samira Carvalho, Abayomi Oliveira, Annete Moreira, Marcio Julião, Ana Paulo Mendonça, Gabriel Mota, Maria Ceiça, Bukassa Kabengele e Ailton Graça.
Breve contexto de “Vista Minha Pele“
A trama tem três personagens adolescentes centrais: Maria (branca), que pela primeira vez, cria coragem para quebrar padrões e decide participar do “concurso Miss Festa Junina“, realizado na escola particular em que ela é aluna.
A jovem é excluída pelos colegas por ser branca, tendo como amiga Luana (preta), que a apoia e a incentiva a ir atrás de seus sonhos. A outra adolescente é a Suely (preta), que já venceu várias vezes o concurso e manifesta atitudes discriminatórias e racistas em relação à Maria e à sua decisão de participar desse concurso.
Mas por que esta obra reforça a inexistência de racismo reverso?
O curta coloca as pessoas brancas literalmente na lugar das pretas, em um contexto de racismo estrutural, onde brancos foram escravizados historicamente e países europeus são considerados pobres e subdesenvolvidos. E mesmo depois de séculos da abolição, ainda sofrem com as chagas da escravidão.
Com esta proposta, “Vista Minha Pele” gera espanto, incômodos e reflexões, bem como, demostra que seria diante de tal cenário que haveria a possibilidade de pessoas brancas sofrerem o racismo.
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Racismo Estrutural
O racismo está enraizado na história do Brasil, pois foram mais de 300 anos de escravidão. E mesmo com o decreto da abolição, não houve leis e ações públicas que reparassem todas as injustiças que foram feitas à população preta, o que a deixou à margam da sociedade, inclusive criando leis que a excluía ainda mais.
Infelizmente, temos muitas sequelas da escravidão em nossa vida cotidiana, que facilmente são reproduzidas e naturalizadas. O racismo está presente em expressões como “criado mudo”, na ausência de pessoas pretas em empresas, especialmente em altos cargos, nas altas estatísticas de homicídios e população carcerária, na má representação da mídia, na negação de que a nossa sociedade é racista, no imaginário que toda pessoa preta é menos capacitada e pobre, entre outras situações.
Se ainda não está claro o que é racismo estrutural, segue um vídeo bem didático:
Agora que já está mais claro este conceito, vamos ver como ele está presente em algumas cenas do curta “Vista Minha Pele”.
Ah! Se quiser entender mais a fundo sobre esta pauta tão importante, segue as indicações de leituras super didáticas e renomadas:
Ambiente Escolar
A maioria dos alunos e professores são negros e pessoas brancas são minoria nesta instituição escolar renomada. Maria sofre com piadas agressivas e racistas vindas dos colegas e também recebe julgamentos enviesados por parte dos professores, pois pelo simples fato de ser branca, consideram que possivelmente passa fome e tem déficit de aprendizagem.
A narrativa demonstra como a própria escola torna-se uma reprodutora e naturalizadora do racismo, especialmente quando os conhecimentos que são passados são resultado de registros feitos pelos grupos dominantes, nos quais temos apenas uma versão da história sendo contada: a do ponto de vista do opressor.
Isso compromete severamente todo um universo de coisas que fazem parte da vida das pessoas que foram escravizadas para além da escravidão, que infelizmente não são enfatizadas. Resulta, assim, no que chamamos de “o perigo de uma história única” (Chimamanda Ngozi Adichie). Acesse a crítica da casa da vó para entender mais sobre.
A Subalternidade na Troca de Papéis
Pessoas brancas estão em posições subalternas: empregadas, entregadores, motoristas, faxineiras, etc. São lugares e espaços subservientes, naturalizados e que exercem certa imposição social, principalmente quando reproduzidos na mídia.
A Representação
Em “Vista Minha Pele“, temos bonecas, adereços, produtos com referências da população preta. Na mídia, apenas a presença de pessoas pretas. Maria não possui nenhuma referência de produtos ou pessoas famosas que retratem sua cultura ou características físicas. Tal retratação só reforça a importância da representatividade.
Imposição do Padrão de Beleza
Na obra, algumas vezes vemos a protagonista buscando se adequar ao padrão de beleza das meninas pretas por meio das tranças e maneiras de deixar o cabelo volumoso, perdendo seu aspecto liso. Inclusive, a narrativa traz até mesmo uma espécie de mote de uma campanha:
“Não se desespere! Pois cabelo escorrido tem solução”.
Certamente, uma campanha que exerce uma violência simbólica muito grande. Agora imagine o que milhões de pessoas de cabelos cacheados e crespos, especialmente as pretas, tiveram que viver por vários anos: produtos e salões de beleza estimulavam o tempo todo o alisamento dos cabelos. Entenda mais sobre esta violência em nossa crítica do curta Kbela.
Logicamente, não podemos deixar de pontuar aqui que todas as mulheres sofrem com as imposições de padrão de beleza, mas mulheres não brancas, sem as característica étnico-europeias, sofrem uma sobrecarga maior de tais determinações estéticas.
Veja que a obra retrata como o racismo está enraizado em instituições sociais, no senso comum, na mídia, nos produtos e serviços comercializados. Perceba que não há constantemente uma verbalização ou discurso de ódio partindo de um indivíduo ou de um coletivo contra pessoas pretas, e sim todo um sistema de racismo que afeta vários âmbitos da sociedade.
Isto posto, para uma pessoa branca afirmar que sofreu racismo, precisa existir todo um cenário de exclusão, um contexto sociocultural que a condene, explore, prejudique e limite sua ascensão socioeconômica por ser branca.
“Vista Minha Pele” tem pouco mais de 26 min, então que tal fazer uma pausa de 30 minutinhos para se auto-questionar e entender um pouco mais sobre uma pauta tão importante?
É só dar um play e aprender com a obra!
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