Crítica | Velozes e Furiosos 9 desgasta fórmula grandiloquente

Novo longa da franquia segue à risca fórmula já consolidada de blockbuster genérico e galhofa.

O décimo filme da franquia Velozes e Furiosos – contando o spin off Hobbs & Shaw (2019) – estreou ontem (24) nos cinemas brasileiros, com distribuição da Universal Pictures.

Confira a crítica dos méritos e deméritos de Velozes e Furiosos 9 logo abaixo. Mas cuidado, contém spoilers.

Vin Diesel, Michelle Rodriguez, e outros atores estampam pôster promocional de Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Elenco de Velozes e Furiosos 9 em pôster promocional.

Gostinho Retrô que Faz Falta

A cena de introdução de Velozes e Furiosos 9 – o mais novo filme da franquia que completa 20 anos – surpreende positivamente ao se desapegar da fórmula grandiloquente que estamos acostumados. Na ocasião, o roteiro decide voltar um pouco no tempo e retratar uma corrida clássica de autódromo nos moldes oldschool do fim dos anos 80.

Nessa cena, fica explícito o talento do diretor Justin Lin, que soube trabalhar com as câmeras e fazer um trabalho de fotografia dinâmico como poucos conseguem, ao entregar cortes, movimentos e ângulos da corrida de tirarem o fôlego e fazer o espectador se segurar na cadeira.

Essa cena introdutória mostra Jack Toretto, um dos corredores mais renomados de seu tempo, tentando vencer mais uma corrida para a carreira. Seus filhos, Dom e Jakob, trabalham no pit stop e supervisionam o rendimento do pai, ajudando-o como podem e dando dicas sobre os adversários.

Entretanto, no frenesi da corrida, uma falha no motor leva Jack a sofrer um acidente fatal. E no fim, todo esse contexto é colocado para ser subvertido a uma insuperável tragédia que explicaria toda a relação familiar de rixa entre irmãos, já que em pouco tempo Dom Toretto passa a desconfiar de sabotagem do próprio Jakob, criando toda uma narrativa para explicar porque este último não apareceu em filmes anteriores da franquia.

Apesar dessa parte inicial do filme ser um acerto de direção e roteiro, que mistura adrenalina, drama familiar e intrigas sem os costumeiros exageros gráficos de V&F, o longa segue para os tempos presentes, mostrando o bom e velho Dom (Vin Diesel) que conhecemos, já amadurecido e com sua própria família estruturada.

Aliás, o subtexto familiar sempre acompanha a fórmula dos filmes da franquia, e aqui não é diferente. A família é utilizada como um recurso de refúgio, idealizada como algo frágil que precisa ser protegido. Com isso, o velho dilema de ir ou ficar é estabelecido, fazendo o protagonista se perguntar se não é a hora de se aposentar e ter uma vida normal. Mas chega até a ser um pouco engraçado como, em poucos minutos, o roteiro magicamente resolve esse dilema e o protagonista decide partir para a aventura de prontidão.

O passado, contudo, não é apenas mostrado como prólogo. A alternância de temporalidade é um recurso narrativo recorrente do filme, e as versões joviais de Dom e Jakob – interpretados por Vinnie Bennett e Finn Cole, respectivamente – aparecem em frequentes flashbacks ao longo da trama para contar uma narrativa paralela em relação à narrativa atual (onde a maior parte do filme se situa).

A Episódica Trama de F9

Quando Dom (Vin Diesel) e Letty (Michelle Rodriguez) seguiam suas vidas pacatas ao lado de seu filho Brian, isolados da humanidade, uma mensagem do Sr. Nobody coloca todos em uma missão de perigo mundial ao lado da velha equipe.

Recorrendo novamente ao subtexto familiar – algo que já é peculiaridade da franquia – o grande plot que movimenta a narrativa de F9 tem raízes familiares, já que Dom entrará em choque contra seu irmão Jakob (John Cena). Além do irmão do protagonista, os heróis têm de lidar também com Cipher (Charlize Theron) e Otto (Thue Ersted Rasmussen).

Vin Diesel e John Cena são inimigos e irmãos em Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Dominic e Jakob, interpretados por Vin Diesel e John Cena.

A direção do veterano Justin Lin (que comanda agora seu quinto filme da franquia) trabalha bem a estética da saga e resgata o equilíbrio entre adrenalina e sentimentalismo. E somando-se aos recursos visuais, é inegável que o filme também soube utilizar muito bem sua trilha sonora para empolgar e dar ainda mais charme à obra.

No entanto, o roteiro se perde, alongando-se em fan services que pouco ou nada impactam a trama, como por exemplo o encontro de Dom e Magdalene Shaw (Helen Mirren) em Londres. Na prática, a cena só existe para agradar os fãs, que poderão contemplar os personagens interagindo entre si.

Um outro exemplo é quando o filme resgata uma cena de Velozes e Furiosos 6 para fazer uma correção de continuidade e explicar que a morte de Han (Sung Kang) foi forjada. Com isso, o personagem volta para a equipe de amigos, e consequentemente ao elenco principal da franquia. Para quê? Para o agrado dos fãs, é claro. Afinal, quanto mais personagens que os fãs gostam, melhor.

Personagem Han (Sung Kang) volta à franquia Velozes e Furiosos - Otageek
Han retorna à franquia com explicação de morte forjada.

Além do já normalizado e recorrente recurso do “personagem que desmorre“, temos também a presença do “personagem vira-casaca“. Dessa vez, Jakob (John Cena), o próprio vilão, muda para o lado dos mocinhos ao esclarecer de vez ao protagonista Dom (vin Diesel) o que de fato ocorreu no acidente trágico do pai – clichê.

Não obstante, todo o desenrolar da narrativa não passa de um script episódico. A única diferença perceptível é que diferentemente da forma que Dom inicia o filme ao lado de sua família, vivendo uma vida isolada e sem grandes preocupações, ele encerra ao lado de sua família adotiva (sua equipe), em clima de festa e comemoração por garantirem mais uma missão cumprida.

O Desgastado ‘Modus Operandi’

Sem nenhuma surpresa, Velozes e Furiosos 9 segue mostrando mais do mesmo, mantendo-se fiel à fórmula do “divirta-se horrores ou sofra de tédio“, consolidada nos filmes mais recentes da franquia.

Tal contraste de extremos só é permitido graças ao exagero de licenças poéticas que desafiam a lógica e a realidade, o que faz com que: ou o espectador compre a ideia e mergulhe de cabeça na proposta do filme recheado de cenas de ação mirabolantes e irrealistas, ou que a falta de verossimilhança o impeça de achar qualquer valor na obra.

Dois carros tentam tombar caminhão de carga em Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Franquia não perde sua grandiloquência com cenas de ação estapafúrdias.

Mas não é de hoje que um filme da franquia Velozes e Furiosos se apresente como um blockbuster totalmente genérico, que tenta apenas fazer “mais e melhor” a cada lançamento, a fim de superar seu antecessor. Aliás, essa fórmula da franquia foi rearranjada há tempos, sendo apenas incrementada com mais e mais extravagâncias impraticáveis.

Com isso, V&F põe em prática seu modus operandi mais uma vez: furos de lógica; desobediência às leis da física; clichês de gênero e de etnia; diálogos genéricos; personagens que chegam ao nível de super-heróis; capangas inimigos que só fazem número e não representam muito perigo aos mocinhos (além de terem uma mira péssima); abundância de situações cujas consequências são ignoradas, esquecidas ou desprezadas; além da quase auto consciência dos personagens de que estão em um filme de ação, o que se expressa através das reações artificiais e previsíveis da maioria deles.

Tyrese Gibson e Vin Diesel atirando contra inimigos em missão arriscada na selva da Guatemala - Otageek
Tyrese Gibson e Vin Diesel contracenando em Velozes e Furiosos 9.

Mas é preciso admitir que essa fórmula vem sendo bastante lucrativa aos cofres do estúdio, e que o sucesso de público cresceu ainda mais quando a franquia decidiu abraçar a sua natureza galhofa e despirocada – que ainda era muito tímida nos primeiros filmes, considerados mais “pés no chão”.

Eu, particularmente, saí do cinema com a sensação de que a primeira cena (aquela da corrida de 1989) foi a melhor. E isso porque ela tinha identidade e ingredientes narrativos fortes, sem abandonar a essência do gênero de ação.

A entrega de boas (e surpreendentes) atuações de Finn Cole e Vinnie Bennett, a fotografia completamente eficiente no movimento de câmeras para acompanhar os carros e o drama construído com o subtexto familiar criaram uma narrativa muito mais interessante do que a que é apresentada no restante do filme: um fetichismo por destruição de carros com pretexto de emular um filme genérico de espionagem quase futurista sem se levar a sério.

Impossíveis & Inverossímeis

A franquia Velozes & Furiosos é conhecida por apostar em fugir propositalmente do compromisso com a realidade para divertir o público com o exagero. Mas parece que não existem limites para o escopo de coisas que os personagens podem fazer para entreter o espectador e “inovar” a franquia.

Depois de fazer um carro saltar de prédio em prédio em Dubai e de envolver até mesmo aventuras submarinas no Ártico, agora, o décimo filme da franquia propõe a ideia de levar um carro ao espaço. O crescimento irrefreável de escala apenas revela a condição em que a franquia se colocou, tendo que superar cada vez mais suas grandiloquências para parecer interessante, tornando-se refém de si mesma.

Nathalie Emmanuel e Vin Diesel em missão de Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Nathalie Emmanuel interpretando Ramsey, ao lado de Vin Diesel.

Porém, não necessariamente a grandiosidade é sinônimo de melhor. Considero que seja mais interessante ver a fuga de um carro em alta velocidade por arranha-céus em Dubai do que um carro ser lançado ao espaço por um foguete, sem qualquer compromisso mínimo com a lógica da engenharia aeroespacial.

Tudo bem mostrar coisas impossíveis, mas elas precisam ser verossímeis, isto é, ter o apoio da lógica. Nesse sentido, o crescimento de escala do filme apenas o deixou ainda mais incongruente e disparatado, sem benefícios para o entretenimento se não o humor construído através do absurdo.

Aliás, é tão surpreendente como os personagens sobrevivem a situações tão inescapáveis e periculosas que às vezes é até difícil segurar o riso. Isso porque todos que rodeiam o protagonista (e especialmente ele) possuem aptidões super-humanas. É quase como se o filme flertasse com o gênero de super-heróis, mas sem de fato apresentar um super ser – talvez só bastaria isso para deixar os filmes mais coerentes.

Carro decolando com propulsão de foguete em Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Carro decolando com propulsão de foguete em Velozes e Furiosos 9.

Para contextualizar e a título de comparação, ninguém estranha o que o Capitão América ou o Batman são capazes de fazer. Isso porque existe um background que explica suas respectivas condições de “pessoas muito acima da média”. Esse embasamento é um recurso bastante elementar da narração de histórias, o qual reforça a tese de que pessoas normais fazem coisas normais, e pessoas incríveis fazem coisas incríveis. Desde “A Poética” de Aristóteles é assim.

Mas o filme tem completa consciência de si mesmo e resolve até mesmo comentar isso em uma das cenas finais do clímax. Num momento de “vai ou racha”, quando a vida dos heróis corre perigo, os personagens de Ludacris e Tyrese Gibson questionam o acúmulo de situações absurdas e fortunescas que levou a franquia a chegar onde chegou.

Tej e Roman com trajes espaciais improvisados dentro de carro projetado para ir ao espaço em Velozes e Furiosos 9 - Otageek
Tej e Roman vão ao espaço em carro voador com o intuito de destruir um satélite inimigo.

Enquanto flutuam no carro espacial, os personagens refletem que as missões bem sucedidas em todos esses anos foram pura sorte, e que dessa vez poderia ser diferente, que tudo poderia dar errado. Mas não deu. O recurso metalinguístico apenas serviu para mostrar que o filme sabe onde está pisando – o que não significa que tenha feito uma autocrítica.

Os produtores de Velozes e Furiosos conhecem exatamente quais os problemas estruturais de seus filmes, mas eles não parecem querer arrumar isso. A franquia é um sucesso de arrecadação, e o público mostra-se (ainda) muito interessado pelo espetáculo audiovisual de blockbuster genérico que não se leva a sério.

Com isso, a saga já tão desgastada – do ponto de vista do valor artístico e dramatúrgico – tende a seguir apresentando déficit de inovações relevantes para se reinventar, no mínimo, como uma decente franquia de filmes de ação.

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André Shazy
André Shazy

Aficionado pelo universo de quadrinhos e super-heróis, sou um admirador nato da sétima arte. Pai de uma shih-tzu e membro de um grupo de RPG, atualmente faço graduação de Geografia na USP e aprendo sobre escrita criativa nas horas vagas.

Artigos: 55
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