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Crítica | “Todo Dia a Mesma Noite” escancara impunidade que reina há uma década
Em 27 de janeiro de 2013, ocorreu o que hoje é conhecido como a terceira maior tragédia em casas noturnas no mundo. O incêndio na Boate Kiss, localizada em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matou 242 pessoas. Neste ano, o crime completa uma década e permanece sem uma resolução exata para os culpados. Isso porque, após anos de espera, o crime foi julgado em 2021, mas foi anulado pelo júri posteriormente. Hoje, os réus permanecem em liberdade.
Baseada no livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex, “Todo Dia a Mesma Noite” trata de recontar os acontecimentos da madrugada daquele 27 de janeiro, e seus consecutivos desdobramentos. Assim como no livro, a série revela a história de algumas vítimas. Entretanto, tais relatos não cabem como eixo central da narrativa. Ao contrário, na série, o foco central estende-se na figura dos pais, no sofrimento que se perpetua e na busca por justiça num crime que permanece impune há uma década.
Com uma riqueza de detalhes, a minissérie estampa com fidelidade o que ocorreu dentro da boate naquele dia, desde certos momentos envolvendo o dono e os jovens até as músicas que tocavam pouco antes do incêndio, e também a que estava sendo cantada pela banda quando o sinalizador de uso externo foi acionado.
Apesar de todas essas semelhanças, a trama foca assiduamente nas irregularidades que rondavam dentro da Kiss. Em um dos episódios, é apontado uma pequena parte do iceberg, revelando uma série de faltas de alvarás e fiscalização, que a própria Prefeitura e Ministério Público tinham conhecimento, entretanto, não passam apenas de citações. Em resumo, a série é sobre a Kiss, trata da tragédia, mas não mostra ao público detalhadamente os fatos inacreditáveis que propiciaram que o incêndio não fosse considerado um acidente, mas sim um crime.
Seria importante, por exemplo, apontar que a Kiss não tinha saídas de emergência, que a tal reforma solicitada, foi realizada por um funcionário que trabalhava no bar da boate. Além disso, inicialmente, os seguranças não permitiram que ninguém saísse de dentro da boate sem pagar as comandas. Esse último ocorrido foi mostrado na série.
Assim, nota-se que o cerne da narrativa é dar vida aos pais das vítimas, ancorando-se na luta que lideram até o presente momento. Desde o momento no qual é formada a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) até a busca para que os réus fossem julgados por júri popular.
Com uma trama forte em evidência, o texto de Julia Resende não é trabalhado da maneira devida. Mesmo com o monólogo final forte de Thelmo Fernandes, os diálogos, em sua grande maioria, não capturam a essência de tamanha dor e injustiça. Esses sentimentos ficam a encargo das imagens. Apesar disso, com tanta injustiça e acontecimentos bárbaros, fica difícil e insensível questionar as questões técnicas da série. Afinal, o intuito aqui é marcar na memória que há milhares de famílias ainda buscando justiça por 242 mortos dentro da Kiss. E isso, “Todo Dia a Mesma Noite” cumpre com majestosidade. É o que importa.
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