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Crítica | Showgirls, uma dança muito caótica e sensual – MUBI
Paul Verhoeven esteve presente no Festival de Cinema de Cannes em 2021, lançando seu mais novo filme, Benedetta, e mais uma vez o diretor causou polêmica ao divulgar um longa que junta religião e sexualidade. Pois bem, não é a primeira vez que Verhoeven impulsiona comentários sobre seu trabalho. Em 2016, Elle também esteve no alvo de discussões sobre a retratação de estupro, enquanto em 1995, Showgirls foi massacrado por explorar temas de formas que Hollywood jamais havia explorado.
Com a chegada de Benedetta, estava na hora de rever Showgirls e refletir sobre os verdadeiros temas que são inseridos na obra, olhar qual a verdadeira intenção do diretor ao observar o universo da cultura do entretenimento, das drogas e do machismo.
Showgirls conta a história de Nomi, uma jovem de passado misterioso que busca alcançar o estrelato dentro da indústria do entretenimento. Após ser assaltada ao chegar em Las Vegas, Nomi conhece Molly e ambas passam a morar juntas. Alguns meses depois, Molly apresenta o espetáculo Goddess para Nomi, que começou a trabalhar como stripper, fazendo com que a jovem se fascine pelo show.
A protagonista acaba conhecendo a musa do espetáculo e o produtor principal do mesmo. Após uma dança particular, a musa Cristal então arranja um teste para que Nomi consiga entrar no Goddess, dando início a uma relação muito conturbada entre os personagens, principalmente quando Nomi começa a se envolver romanticamente com o produtor Zack, que também é amante de Cristal.
O filme gerou uma recepção negativa por parte do público e da crítica. Inclusive, a atriz principal Elizabeth Berkley, que vive Nomi, foi demitida da agência de atores da qual fazia parte, enquanto outros agentes se recusavam a atender suas ligações.
Mas o sol brilhou para o filme de Paul Verhoeven alguns anos depois. Diretores como Quentin Tarantino, Jim Jarmusch, Adam McKay e Jacques Rivette saíram em sua defesa, afirmando que o longa era uma sátira em cima da cultura do entretenimento dos Estados Unidos.
E tendo em mente que um trabalho cinematográfico pode ganhar novos significados conforme o tempo vai passando, Showgirls trata de muitos temas de maneira naturalizada. Vários deles são debatidos hoje em dia, como o assédio que mulheres sofrem no ambiente de trabalho e a competição feminina, alimentada dentro da indústria do entretenimento.
Começando pelo roteiro, o filme apresenta uma narrativa muito comum em seus minutos iniciais, a qual foi replicada diversas vezes, como no filme Nasce Uma Estrela e todas as suas versões. Trata-se da história da moça de cidade pequena que almeja a fama e o estrelato. Mas a proposta do longa é subverter as expectativas que o espectador pode ter.
À semelhança de uma fórmula usada muitas vezes em comédias românticas e musicais como Fame, Glee e La La Land, Showgirls está inserido em uma trama dramática e erótica, utilizando bastante o sexo, satirizando figuras endeusadas da arte e mostrando como elas usam muitas drogas, só pensam em sexo e festas.
Mas a semelhança com a fórmula não é coincidência, uma vez que o roteirista Joe Eszterhas e o diretor Paul Verhoeven se inspiraram em musicais do estúdio MGM da Era de Ouro em Hollywood, principalmente nas produções sobre Follies, as famosas dançarinas de espetáculos.
Portanto, Verhoeven faz uma homenagem ao cinema mais clássico dos Estados Unidos, mas muito além de homenagens, sua direção também critica o ambiente o qual está retratando. Enquanto nos primeiros números de dança a câmera foca na beleza do espetáculo, conforme a trama avança, Verhoeven vai detalhando o atrito que existe dentro da produção.
Isso se deve ao fato de que a história é vista através dos olhos ingênuos de Nomi, conforme a protagonista vai se adaptando para viver no mundo da fama. A câmera do longa vai se estreitando dentro desse universo e mostra os detalhes que a apresentação deixa, propositalmente, do lado de fora.
Aliás, Showgirls é um filme que vai desvendar segredos e mistérios até seu ato final, já que a personagem central da história descobre muitos podres do local onde se encontra, inclusive sua personalidade, que escondeu para fazer parte do ambiente.
Verhoeven também tem suas polêmicas cenas de sexo aqui, mas ao contrário do que muitos dizem, o ato sexual tem muita importância para a abordagem do roteiro. Toda vez que vemos a protagonista transando com alguém ou tendo alguma interação sexual, é possível observar que sua personalidade vai mudando, assumindo um tom mais sério e fatal, menos ingênuo.
E é esse o fator mais interessante de Showgirls, porque não é uma história sobre manter a pureza dentro de si mesmo e se afastar dos males da indústria do entretenimento. Showgirls não é como Nasce Uma Estrela, no qual Lady Gaga perde o Bradley Cooper.
Showgirls é sobre se encontrar dentro de um universo desejado culturalmente, no qual milhões de pessoas querem estar inseridas, entretanto, o lado encontrado é o mais fatal, mais bruto, que liberta nossos desejos mais sujos e impuros.
Nomi não aprende lições clichês até o fim do terceiro ato, muito pelo o contrário, a protagonista vai ceder a todos os seus desejos mais perigosos. Assim, o longa vai viajar até um terceiro ato que reflete essa mudança de perspectivas da personagem.
Entretanto, esses desejos já estavam implantados na garota, uma vez que a mesma sempre apresentou um comportamento raivoso, explosivo e reprimido com suas emoções. Mas enfim vamos ver como ela vai se libertar dessas jaulas que prendem suas vontades.
Essas mudanças de comportamento são administradas com bastante complexidade por Elizabeth Berkley, que ao invés de apostar em uma atuação mais acanhada, apresenta um trabalho muito mais temperamental. Berkley entrega emoções à flor da pele, como o roteiro, a direção e o ambiente do filme pedem, ao mesmo tempo em que consegue encontrar um ponto mais reflexivo para sua personagem.
Berkley não se entrega apenas ao comportamento explosivo, sua atuação também passa pelos momentos mais vulneráveis que o roteiro pede em partes específicas. Porém, existe uma ponte que liga todos os lados que Elizabeth apresenta em seu trabalho. Alguns podem julgar como um trabalho fácil, entretanto, é uma atuação que exige bastante de uma atriz, porque muito além da atuação, ainda tem cenas de dança nas quais precisa destacar sua linguagem corporal.
Showgirls é um estilo de filme no qual a polêmica é inevitável, já que ele trata a indústria do entretenimento como um atroz, examinando as rivalidades que surgem entre as mulheres que trabalham nessa área, o assédio e o vício em drogas como problemas tão naturais no meio que as pessoas ali inseridas não têm ideia do quão nocivo é para um ser humano.
Até o fim, esses problemas criticados por Paul Verhoeven vão mexendo tanto com a cabeça da protagonista que é impossível para um espectador não refletir sobre a arte que consome, porque existem problemas que vão além do olho, que se depara apenas com o resultado final de uma produção artística.
Com as polêmicas de assédio que Hollywood evidenciou em 2017, com o movimento Metoo, além de recentes produções que analisam a rivalidade feminina na indústria, como Feud, de Ryan Murphy, é possível observar que os temas tratados em Showgirls se tornaram atuais e interessantes para grande parte do público que consome cinema americano, dando um novo significado ao trabalho de Paul Verhoeven.
No fim das contas, Showgirls é um filme que vai dançar na frente dos espectadores, vai seduzir com sua sensualidade, enganar com a ingenuidade, mas surpreender com a subversão de trama que o roteiro propõe.
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