Crítica | O impacto auditivo de “O Som do Silêncio”

“O Som do Silêncio”, estreia de Darius Marder na direção, provoca o público com uma narrativa sensível que nos lembra a todo instante do papel essencial desempenhado pelo som na sétima arte.

Cena da abertura do filme O Som do Silêncio, com seis indicações ao Oscar. Nela, vemos o ator Riz Ahmed sem camisa, com o torso todo tatuado, tocando uma bateria organizada na configuração de canhoto (com o chimbal e a caixa localizados à direita do baterista).
O indicado ao Oscar Riz Ahmed na cena de abertura de O som do silêncio. Fonte: Reprodução.

Nos primeiros dez minutos de O Som do Silêncio, somos apresentados à vida do protagonista Ruben (Riz Ahmed, indicado ao Oscar de Melhor Ator), um baterista, e de sua namorada, a guitarrista e vocalista Lou (Olivia Cooke), assim como às suas rotinas: acordar, tomar café da manhã, pegar a estrada e encarar mais um show em mais uma cidade. A rotina de artista independente é interrompida quando Ruben perde, repentinamente, a audição.

Lou então leva Ruben, contrariado, a um retiro de reabilitação para deficientes auditivos, onde aprendem ASL (a língua de sinais estadunidense) e vivem em comunidade, a fim de imergirem na comunidade surda e em suas novas realidades. Ruben, então, se vê dividido entre aceitar o acolhimento de seus iguais, dentre eles o mentor Joe (Paul Raci, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pela performance), e tentar voltar, de alguma forma, à vida que tinha antes.

Cena do filme O Som do Silêncio, onde vemos Joe (Paul Raci, à esquerda) e Ruben (Riz Ahmed, à direita) sentados, de frente um ao outro. Joe usa uma camisa preta e Ruben, em contraste, usa uma branca. entre eles, um computador digita aquilo que Joe fala, para facilitar a compreensão de Ruben.
Joe (Paul Raci, à esquerda) e Ruben (Riz Ahmed, à direita) entrando em um acordo. Fonte: Reprodução.

Dirigido pelo estreante Darius Marder (roteirista de O Lugar Onde Tudo Começa, de Derek Cianfrance), O Som do Silêncio trabalha muito bem a característica áudio do audiovisual. O filme aposta em uma espécie de “ouvido subjetivo”: se na técnica da câmera subjetiva vemos o que o personagem está vendo, em primeira pessoa, aqui, ouvimos o que Ruben ouve. Portanto, o público mergulha na experiência da perda de audição junto ao protagonista.

O som do filme se altera conforme as experiências de Ruben, e é frequentemente combinado com técnicas de enquadramento: no início há uma alternância constante entre o abafado inteligível que Ruben ouve e o áudio normal, comandado pelo uso de enquadramentos fechados com a câmera na mão, colocando o protagonista em primeiro plano.

Já o segundo ato apresenta enquadramentos abertos e o som é predominantemente normal, porém pouco do que se ouve são palavras verbalizadas – o público, então, é confrontado com a silenciosa cacofonia do retiro, vivenciando a estranheza daquele ambiente de uma forma não totalmente sujeita à experiência de Ruben, mas que conversa com as particularidades auditivas de cada espectador.

No terceiro ato, o áudio é distorcido de novas maneiras para refletir a realidade dos implantes cocleares de Ruben: com eles, é possível enganar o cérebro e “ouvir”, mas o resultado é um som metálico, distorcido, incômodo e nem um pouco como a audição que Ruben tinha antes, ou com a que imaginava que teria após ativar os implantes.

Cena do terceiro ato do filme, em que Lou (Olivia Cooke) e seu pai (Mathieu Amalric), ambos vestidos em roupas pretas, tocam uma música para convidados de sua festa. Ambos estão de costas para a câmera, enquanto o público está de frente. Lou está de pé, cantando, enquanto o pai está sentado, tocando em um piano. No sentro do público, em sua maioria pessoas de meia-idade, vemos Ruben, trajando uma camiseta cinza e parecendo deslocado naquele evento.
Cena do terceiro ato do filme, em que Lou (Olivia Cooke) e seu pai (Mathieu Amalric) tocam uma música para convidados de sua festa. Fonte: Reprodução.

Disponível no Prime Video, O Som do Silêncio é um filme que trata, acima de tudo, de escolhas e de nuances. Nele, os deficientes não são santos, frágeis e canonizados por suas perdas auditivas, tampouco sofridos ou amaldiçoados – são apenas pessoas com vivências distintas, peculiaridades próprias e que, em sua maioria, acreditam que aquilo que “perderam” não é algo que precise ser substituído ou consertado.

Portanto, a jornada do herói de Ruben consiste em, após tantos esforços para recuperar a vida de antes, finalmente entender, na impactante cena final, a filosofia através da qual Joe e sua comunidade viviam, ao aprender a sentir antes de ouvir.

Além das já citadas indicações a Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante, o filme recebeu mais quatro indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Som e Melhor Montagem.

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Gabriela Spinola
Gabriela Spinola

Tradutora, mineira, e eternamente emo.

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