Crítica | “Shiva Baby” e o caos da vida (jovem) adulta

Lançado exclusivamente no Mubi, Shiva Baby, longa-metragem de estreia de Emma Seligman, transita deliciosamente entre o humor ácido, a vergonha alheia e o pânico contundente.

Atenção: esta crítica pode conter spoilers!

A protagonista de Shiva Baby, Danielle, está ao centro da imagem, em primeiro plano, bebendo uma taça de vinho. Ao fundo, vemos um quadro multicolorido, mas com a cor vermelha em destaque. A taça está quase no fim. Danielle tem os cabelos cacheados presos em um coque, porém saindo do penteado, e veste uma camiseta branca social.
A protagonista Danielle, interpretada por Rachel Sennott, virando uma taça de vinho para conseguir aturar o evento. Fonte: Reprodução.

Todo jovem adulto que já saiu da casa dos pais vai se deparar, em algum momento, com algum evento social em que terá que encarar toda a família de novo. Esse processo de regresso ao lar é, muitas vezes, um tanto exaustivo emocionalmente e, é claro, invasivo – frequentemente é composto por pessoas que não se veem há anos falando horrores e tecendo críticas sobre a escolha de curso, a carreira, a vida, absolutamente tudo uns dos outros.

Partindo dessa premissa, a diretora e roteirista Emma Seligman expande, em Shiva Baby, o seu curta-metragem homônimo lançado em 2018 como trabalho de conclusão da graduação na New York University. Aqui, encontramos Danielle (Rachel Sennott), uma jovem universitária que retorna ao bairro onde cresceu para participar de uma shiva (celebração judaica do luto).

Neste evento, além de reencontrar velhos parentes, conhecidos e amigos da família, e passar pelo minucioso escrutínio deles, Danielle ainda dá de cara com a ex-namorada Maya (Molly Gordon) e com o seu sugar daddy Max (Danny Deferrarri), que leva sua esposa (Dianna Agron) e seu bebê (sobre cujas existências Danielle não fazia a menor ideia) a tiracolo .

O filme se passa quase inteiramente nos cômodos da casa onde a shiva ocorre. Desta forma, o cenário parece tanto limitado quanto limitador, mas Seligman demonstra uma direção desde já bem segura e confiante ao valer-se justamente desse espaço restrito para conjurar situações que reforcem a comicidade da narrativa: há uma cena, por exemplo, em que Danielle beija Maya do lado da casa, enquanto vemos e ouvimos senhorinhas, nos fundos da residência, fofocando sobre as duas.

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A montagem e a trilha sonora também brilham na construção da atmosfera do filme: ditando o ritmo da narrativa, elas nos levam a sentir empatia por Danielle, ainda que através da vergonha alheia após situações extremamente constrangedoras (que existem de sobra nesta obra).

Em determinado momento, quando a verdadeira ocupação da universitária quase é revelada, a lente da câmera muda, passando a distorcer as imagens, os personagens passam a ser enquadrados em primeiro ou primeiríssimo plano, sempre focando no rosto, a câmera assume frequentemente o ponto de vista da protagonista, e o ambiente é tomado pela cor vermelha.

Todos esses recursos são interrompidos bruscamente no momento catártico em que Danielle grita, interrompendo a situação. Ainda que estas sejam escolhas comuns e até batidas (em especial a cor vermelha, já tão simbólica, ainda mais em uma narrativa tão permeada pela religiosidade), é inegável que estas escolhas funcionam muito bem, deixando ainda mais claustrofóbico um ambiente já restrito.

Em outro momento, a mãe de Danielle, Debbie (Polly Draper), observa do lado de fora, apreensiva, enquanto a filha e Maya estão em um quarto com as portas de vidro. A montagem frenética reforça o que já sabemos sobre sua natureza paranoica e invasiva, e é impossível não imaginarmos o que a personagem está pensando acerca da filha e da ex-namorada desta.

A comicidade da situação aumenta conforme a montagem alterna entre a mãe atenta do lado de fora e a conversa absolutamente trivial do lado de dentro, provando infundadas as paranoias de Debbie.

Juntamente ao roteiro divertido e cheio de tiradas sagazes, o maior feito de Shiva Baby é a capacidade de se manter universal, ainda que partindo de um microcosmo extremamente específico e peculiar: é incrível como a história de uma tarde de shiva na vida de uma sugar baby judia e bissexual vivendo em Nova York possa ressoar de forma tão contundente em qualquer pessoa brasileira em qualquer domingo de churrasco em família, que vai ouvir, em algum momento: “mas e os namoradinhos?”; “pra quê serve esse curso mesmo?”; “mas você trabalha com isso até hoje?”; e demais perguntas que ninguém jamais solicitou.

Confira o trailer de Shiva Baby:

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Gabriela Spinola
Gabriela Spinola

Tradutora, mineira, e eternamente emo.

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Dalila

Assisti e odiei, deveria ter lido a crítica primeiro.

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