Crítica | Daddy’s Home de St. Vincent

St. Vincent está de volta, mas dessa vez ela passou pela casa do papai!

O sexto álbum de Annie Clark (St. Vincent), intitulado de ‘Daddy’s Home’, foi lançado no dia (14). Diferentemente do anterior, “MASSEDUCTION”, de 2017, que permeava um ar de luxúria, egoísmo e desejo, agora temos um álbum subversivo à condição humana e julgamentos. Tudo isso em um material onde o Soul, o R&B, o Rock e o Jazz se cruzam numa vibe dos anos 70.

Annie Clark em centro da imagem, vestida com a persona do album, Candy Darling, uma atriz e mulher trans norte-americana - Otageek
Não apenas na música, as referências da década de 70 também estão presentes em seus novos vídeos, onde temos aquela estética suja de Nova York que Hollywood gosta de encenar.

O nome do álbum vem em conotação a seu pai, que foi preso por seu papel em um esquema de manipulação de ações de US$ 43 milhões em 2010. Durante o período da prisão, Annie por vezes trazia referências ao caso em sua arte, mas tudo de forma sucinta. Em 2019, todavia, seu pai cumpriu pena e, como a própria Annie diz em entrevistas, ela se tornou papai agora. Em ‘Daddy’s Home’ podemos ver, então, a artista transbordar esses sentimentos com a música.

Porém, mesmo que esse seja um assunto que permeie o álbum e até necessário para entender o contexto da produção, Annie por vezes tem que se esquivar do tema em entrevistas, pois foge do papel de dar voz à sua arte por meio da imprensa. Então, ‘Daddy’s Home’ chega como um ponto final na necessidade de Annie ter que falar sobre um assunto que ficou em seu passado.

Uma nova mulher in mamacita language

St. Vincent sempre apresenta um novo visual e identidade a cada era de seus álbuns. Em ‘Daddy’s Home’ ela se transforma em uma cantora dos anos 70 que vaga por Nova York com sua vodka barata, perfume caro e cigarro na mão. O visual foi inspirado em Candy Darling, uma atriz e mulher trans norte-americana, que também recebeu a faixa de encerramento “Candy Darling” em sua homenagem no álbum.

Annie posando para seu album com peruca loira, rosa vermelha na mão apoada no balcao e a garrafa de alcool em fundo. Otageek
Candy Darling serviu como uma grande inspiração para Daddy’s Home, com Clark tomando-a seu alter-ego do álbum.

A artista frequentemente fala, em entrevistas, que a construção de sua personagem é feita para contar a história do álbum quando inserido no contexto visual que seus clipes apresentam. “É como esse glamour de quem não dorme há três dias filmando em uma Hollywood também glamorosa, mas que ao virar a esquina acaba se borrando e se tornando um pouco suja”, conforme a própria Annie cita em entrevista para o NME sobre a nova era.

Análise das Faixas

Pay Your Way in Pain

A música que abre o álbum e também o primeiro single lançado é um blues psicodélico, com forte presença da bateria e guitarra, trazendo assim menos enfoque para os demais instrumentos e sintetizadores incluídos na batida melancólica.

Pessoal, eu não dou nota em críticas. Ouçam, vejam e tirem suas conclusões.

Ela fala sobre a sociedade, que por vezes nos coloca entre a dignidade e a sobrevivência, segundo Annie. Invoca, portanto, as necessidades mais básicas do ser humano, quando olhamos para o sistema que impede todos de terem acesso a um teto, a alimentação e até ao simples fato de ser amado. Então… pague seu caminho com dor, mas lute com dignidade.

Se tem algo que St. Vincent consegue fazer com maestria é entregar clipes únicos para suas músicas, e aqui não seria diferente: toda a atmosfera dos anos 70 está presente e faz com que seu álbum seja uma uma experiência multicanais gostosa de se ouvir e ver.

Down And Out Downtown 

Na segunda faixa do álbum, diminuímos os sintetizadores e agora passamos para uma guitarra mais leve, com direito a coro e uma batida acolhedora. A música é um grande olhar para a Nova York dos anos 70 e, com toda certeza, é a produção mais fácil de se conectar pela letra em seu novo álbum.

Down And Out Downtown é a minha música favorita do álbum.

Down And Out Downtown é aquela canção sobre virar a noite na balada e voltar para casa de manhã, topando com a galera que acorda cedo para fazer caminhada (é o paralelo mais brasileiro que pude traçar). A música também estabelece a maturidade de Annie como artista e nos possibilita reafirmar, com toda certeza, que ela é uma das maiores rock star da geração.

 Daddy’s Home

A terceira música, título do álbum, é onde vemos a maior inspiração nas bandas Sly & The Family Stone e Steely Dan aparecer. Quando visitando a casa do papai, a encontramos marcada pelo jazz, rock, funk e blues. A faixa consegue ser divertida e tragicômica ao mesmo tempo.

Não é a casa do sugar daddy caralh***.

Segundo a própria Annie para a Apple Music: A história é realmente sobre uma das últimas vezes que fui visitar meu pai na prisão. Se eu estivesse na imprensa ou algo assim, eles colocavam os recortes da imprensa na cama dele. E se eu estivesse na TV, eles se reuniam na área comum e me viam. É uma história complicada e há todo tipo de emoção sobre ela. Minha família definitivamente escolheu olhar para um monte de coisas com algum humor, porque o que mais você vai fazer? É absolutamente absurdo, de partir o coração e engraçado, tudo ao mesmo tempo. Então, vale a pena colocar em uma canção.

Live In The Dream

A quarta faixa, intitulada de ‘Live in The Dream’, é um rock psicodélico que surgiu após uma conversa de Annie com seu coprodutor, Jack Antonof, na qual falavam sobre o jogo da fama e o fato de que perdemos muitas pessoas para ele.

A vida é trem bala, parceiro!

A música fala muito sobre não deixar o sonho tomar conta de você, e sim deixá-lo viver dentro de você. Ela vem, portanto, como um grande abraço de amparo para as pessoas que podem se encontrar em momentos de vulnerabilidade.

The Melting of the Sun

“The Melting of the Sun” é o segundo single e quinta faixa do álbum. A música é uma melodia psicodélica focada na guitarra e nos vocais, lavada por sintetizadores analógicos. A letra faz várias referências aos ícones da cultura pop norte-americana do século 20 e aos vícios e tragédias que eles vivenciaram. St. Vincent descreveu essas referências em uma entrevista à Rolling Stone como “uma carta de amor para artistas femininas fortes e brilhantes”, discutindo como elas “sobreviveram em um ambiente que era… hostil a elas”.

Confira a apresentação ao vivo da música no SNL.

The Laughing Man

Na sétima música do álbum retornamos ao ritmo mais calmo e clean. Annie expressa uma homenagem a um amigo de infância que faleceu e era para ela um cara tão engraçado. Portanto, a cantora fez essa música como agradecimento.

Trilha sonora para Joker II (contrate a mulher, Warner).

Os vocais de Annie estão muito coesos com a música e percebemos como o álbum se complementa em suas faixas. Então, se a vida é uma piada, estamos todos morrendo de rir?

Down

Chegamos na oitava música e terceiro single do álbum. “Down” é uma muito bem orquestrada fantasia de vingança. Aqui Annie troca o ódio e rancor por instrumentos como tambores, piano eletrônico e sua velha guitarra.

Uma grande procura por uma calcinha no apartamento do ex.

Somebody Like Me

A nona música do álbum é uma canção sobre o amor. O que Annie quis expressar, deixo com vocês na íntegra: O amor é uma ilusão mutuamente acordada. Isso, para mim, é muito poético e muito romântico. Porque há ação e agência envolvida – vamos construir essa ideia de quem somos e o que somos juntos. Mas eu acho que, como uma pessoa que vende ilusão, isso é romance para mim.

Amor é amor e um lance é um lance.

My Baby Wants a Baby

My Baby Wants a Baby é a décima música do álbum e fala sobre a luta psíquica por performance e expectativas. Quase todo mundo cai nesse dilema alguma vez na vida de ser o que seus pais querem ou de fazer o que não quer.

Coma lasanha Sadia feita no micro-ondas e ouça essa música (não é publi).

A faixa expõe muito da Annie em seu cotidiano, alternando os dias entre tocar guitarra, comer comida de micro-ondas e se vestir bem apenas se for receber por isso. Ela ainda consegue cutucar a paternidade, esperando que seus filhos herdem suas qualidades, e não seus defeitos e erros.

… At the Holiday Party

De acordo com Annie Clark, a décima-primeira faixa foi inspirada em “You Can’t Always Get What You Want, dos Rolling Stones. A música é sobre você expor sua tristeza quando estiver triste, como podemos nos abrir para amigos e sermos quem realmente somos por baixo de nossas máscaras sociais.

Minha segunda faixa preferida… e sem piada nessa legenda.

Candy Darling

“Candy Darling” é a última música do álbum, que se encerra como uma homenagem à lendária atriz Candy Darling, mais conhecida por suas participações nos filmes Flesh (1968) e Women in Revolt (1971), de Andy Warhol. A canção é uma balada que agradece e exalta o legado de Darling, agora também imortalizado no som de St. Vincent.

Rexxpeita a história do povo LGBT in Jojo Toddynho language.

Conclusão

Quando um artista cria um som experimental e que brinca com os gêneros musicais, ou temos uma salada de recortes ou temos algo novo e transgressor. Em  ‘Daddy’s Home’ ficamos com a segunda opção, pois aqui St. Vincent entrega um álbum maduro e ciente de sua narrativa.

Annie conseguiu unir funk, soul, R&B, blues, jazz e rock psicodélico em um álbum coeso, onde os elementos musicais aparecem nos momentos certos e não apresentam confusão ao ouvir. Uma adição que faz diferença e que engrandeceu ainda mais o álbum foram as cantoras de apoio, que estão maravilhosas e servem muito.

O álbum também é uma homenagem aos antigos discos de vinil que o pai de Clark a apresentou quando ela era criança, como Parliament-Funkadelic, The Pointer Sisters, Stevie Wonder, Steely Dan e Pink Floyd.

Todo o conceito criado para trazer a estética dos anos 70 consegue ser original. Ainda que a nostalgia esteja em alta, sabemos que ‘Daddy’s Home’ é algo novo, suas músicas conseguem comunicar com qualquer um e acima de tudo é honesto.

Ouça ‘Daddy’s Home’, disponível nas principais plataformas digitais como SpotifyApple MusicDeezer e YouTube.

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Riuler Luciano
Riuler Luciano

Jornalista Cultural e Marketeiro, cresceu lendo quadrinhos dos X-MEN é amante de Cultura Pop e Pequi!

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