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Crítica | “Coringa: Delírio a Dois” é sequência que fica aquém do pioneiro
Todd Phillips faz parte de um grupo de diretores em Hollywood que, inicialmente, se destacaram por produzir comédias voltadas para o humor besteirol, um gênero frequentemente subestimado pelo público e afastado dos holofotes das grandes premiações. No entanto, após o sucesso estrondoso de “Coringa” (2019), o diretor conseguiu atrair uma audiência mais ampla e, gradualmente, conquistou um reconhecimento, abrindo portas para uma nova fase em sua carreira. Esse reconhecimento não apenas desafiou a percepção popular sobre seu trabalho, mas também o levou a explorar novos territórios narrativos e estéticos, resultando na escolha de projetos distintos dos anteriores.
A versão do Coringa apresentada por Phillips em 2019 foi um divisor de águas, justamente em um período em que as bilheteiras e o consumo de narrativas baseadas em quadrinhos atingiram seu auge. Distante da fantasia típica das grandes produções de super-heróis, Phillips optou por ancorar sua visão do personagem em uma realidade crua e sombria, mergulhada em uma sociedade decadente, corrupta e imersa no sensacionalismo. Assim, ele se propôs a explorar as complexidades e nuances de um homem perdido em um sistema opressor, criando um personagem que não apenas refletia, mas também era produto desse ambiente hostil e desumano. A abordagem de Phillips revelou um Coringa cuja transformação em vilão é uma resposta direta às falhas e injustiças de uma sociedade que já havia perdido sua humanidade.
Na época, o diretor rejeitou veementemente a ideia de uma sequência, argumentando que seu filme original já era completo e encerrava sua história de forma satisfatória e intensa. No entanto, o sucesso estrondoso da obra, que não só conquistou as bilheteiras mas também garantiu o prêmio de melhor atuação no Oscar para Phoenix, trouxe consigo uma pressão crescente por parte da Warner para expandir o universo criado. Assim, Phillips cedeu à demanda e decidiu retornar ao personagem que havia causado um impacto tão significativo em 2019. Contudo, desta vez, a abordagem seria diferente: a adição de Lady Gaga ao elenco, interpretando uma personagem já conhecida pelos espectadores.
Longe de definir claramente a natureza de sua obra, e hesitando em abraçar a musicalidade intrínseca ao filme, Phillips se envolve em uma narrativa que mais se assemelha a um drama de tribunal, mas que, na prática, revela um circo midiático em torno de seu personagem. Esse espetáculo reflete, de maneira contundente, a realidade de eventos históricos como o Caso Eloá e o julgamento de O.J. Simpson, onde a mídia transformou tragédias em um espetáculo sensacionalista. Portanto, a sociedade ainda é um problema.
Apesar disso, “Coringa: Delírio a Dois”, ao contrário de seu antecessor, se revela um fracasso artístico, resultado de um diretor hesitante em abraçar totalmente a proposta de que seu filme é, na essência, um musical. O resultado, portanto, é um trabalho perdido, que carece de coesão e propósito. A sensação predominante é de que Phillips não soube o que queria ou até mesmo como conduzir sua visão, deixando o filme em uma espécie de limbo criativo. A falta de uma direção clara revela-se uma tentativa frustrada de inovar sem compreender, de fato, o que torna uma obra como essa algo significativo e impactante.
O sensacionalismo midiático é explorado ao mostrar como o personagem de Phoenix, para seus seguidores fanáticos, se transforma em uma figura quase heroica, enquanto é visto como um monstro pelo restante da sociedade. Harleen “Lee” Quinzel (Lady Gaga), assim como parte da população, se fascina pela ideia de monstruosidade que cerca o Coringa, tornando-se obcecada por essa imagem e desejando se tornar tudo o que ele representa. Sua paixão vai além da simples admiração, refletindo um desejo profundo de se imergir na mesma loucura e caos que define o vilão. No entanto, essa obsessão nunca a leva a realmente compartilhar da insanidade de seu par.
Embora Phillips insista em explorar temas como a saúde mental de seu personagem, a distinção entre delírio, condição mental e maldade permanece indefinida ao longo do filme. Essa ambiguidade se torna ainda mais evidente no ato final, quando o personagem se revela, causando o desinteresse de Lee. Assim como grande parte da sociedade no universo da trama, o próprio Phillips parece hesitar em determinar se Arthur Fleck e o Coringa são duas identidades separadas ou se representam uma única pessoa.
Certamente, nenhum filme é obrigado a existir, e tampouco cabe a nós determinarmos se uma obra deveria ou não ter sido feita. Contudo, é inevitável ignorar o contraste evidente entre “Coringa: Delírio a Dois” e seu antecessor, especialmente quando se considera um diretor que, no primeiro filme, parecia ter uma visão clara e uma direção firme, levando-nos a questionar como um filme com tanto potencial pode se desviar tanto de seu propósito original.
Confira o trailer de “Coringa: Delírio a Dois”:
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