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Crítica | “Asas do Desejo” e o que é ser humano
Contemplativo e barulhento mesmo em suas mais silenciosas reflexões, “Asas do Desejo”, de Wim Wenders, escancara a alegria e a dor de simplesmente ser.
Atenção: esta crítica pode conter spoilers!
Parte do especial Wim Wenders: Viagens Sem Volta da plataforma de streaming MUBI, Asas do Desejo (1987) não por acaso começa da mesma forma que Blade Runner (1982), de Ridley Scott: com um olho abrindo e uma tomada aérea do espaço urbano que delimitará e condicionará a narrativa a se desenrolar pelas próximas horas.
As temáticas deliberadas nas duas obras, a priori, são as mesmas: o que é ser humano?
No realismo um tanto quanto fantástico de Asas do Desejo, os anjos e os humanos coabitam o planeta. Visíveis apenas para os seus iguais e para as crianças, dada a inocência destas, os anjos já caminhavam pela Terra bem antes da humanidade surgir e estão fadados a caminharem por muito mais tempo, mesmo após nos extinguirmos. Porém, ao conhecer a trapezista francesa Marion (Solveig Dommartin), o anjo Damiel (Bruno Ganz) se mostra insatisfeito com a sua sina e toma uma decisão: quer virar humano.
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Após a aclamação recebida por Paris, Texas (1984), o cineasta Wim Wenders, então inserido no mainstream estadunidense, decidiu retornar para casa para a realização de seu próximo longa-metragem – a referida “casa” sendo a Alemanha Ocidental, o lado oeste de um país dilacerado por aquele que deveria ter sido o último dos muros a dividir a humanidade.
O resultado deste retorno do filho pródigo está em Asas do Desejo, um filme que tem muito em comum com as fraturas da humanidade à época e não hesita em expô-las, mas que sempre prima por mostrar o que há de melhor e mais tenro em nós.
Ao contrário de seu remake estadunidense (Cidade dos Anjos, de 1998, com Nicolas Cage e Meg Ryan) e do que a sinopse indica, Asas do Desejo não tem pretensão alguma de focar no romance entre o protagonista anjo e sua amada humana, e sim de fazer com que nos encantemos com a humanidade tanto quanto Damiel.
Sob a belíssima cinematografia (majoritariamente) em preto e branco de Henri Alekan, flutuamos pela Berlim gélida através de tomadas aéreas impactantes e muito bem executadas que dão ao espectador a sensação de que está acompanhando Damiel e seu amigo, o também anjo Cassiel (Otto Sander).
Acompanhamos Damiel e Cassiel também quando estes ouvem os pensamentos dos humanos, os seguindo e os auxiliando conforme os pontos de vista dos dois se tornam cada vez mais divergentes.
Enquanto Cassiel se torna cada vez mais determinado a auxiliar a humanidade da forma que puder (visto que anjos não podem se comunicar com os humanos, nem tocá-los), se encantando com pequenas ações e acontecimentos na vida das pessoas e se frustrando quando sua ajuda se mostra ineficaz, Damiel segue ansioso para poder sentir e viver alguma coisa, tal como aqueles que protege.
Assim como Joe, o protagonista da animação Soul, Damiel deseja, mais do que tudo, estar vivo. Sua ânsia é atenuada quando seu caminho se cruza com o de um humano (Peter Falk, interpretando a si mesmo em uma participação icônica) que outrora havia sido anjo, tal como ele.
Falk talvez seja a participação especial mais importante deste filme, mas passa longe de ser a única. O desfecho do longa-metragem todo ocorre durante um show de Nick Cave & The Bad Seeds, expondo o público à cena de pós-punk da época e daquele espaço geográfico e apresentando um contraste: a mesma Berlim Ocidental vívida, colorida e pulsante do último ato, que abrigou David Bowie, Iggy Pop, U2 e o próprio Nick Cave em seus processos criativos durante os anos 70 e 80, é a Berlim soturna, fraturada e gélida das pequenas felicidades às quais os anjos se agarram no início da obra.
Os momentos em que podemos ouvir os pensamentos dos humanos são sublimes: toda a vulnerabilidade e o caos de existir são expostos verbalmente e, em muitos momentos, de forma incessante.
A cacofonia deliberada de cenas como a da biblioteca, um lugar tão silencioso mas tão inundado de pensamentos, pode parecer incômoda e sem-graça para alguns, mas é preciso focar não apenas nas palavras sendo ditas, mas no que elas realmente significam.
Cassiel segue um senhor já idoso, um tanto debilitado, cujo fluxo de pensamento é ininterrupto. E o que é a consciência humana, senão este eterno monólogo interno? O que é ser humano, senão a alternância entre momentos tão triviais, como sentir o sangue escorrendo ao se machucar, e entre momentos tão intensos, como o da última cena, ao som de From Her To Eternity?
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Muito legal vou ver esse filme agora!
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