Acompanhe o Otageek nas redes sociais
Crítica | “A Verdadeira Dor” ressoa nossa busca por significado
Jesse Eisenberg é um questionador incansável, explorando com profundidade o significado da existência, a vaidade humana e seus anseios mais íntimos. Na atuação, Eisenberg abraçou seu neuroticismo, como em seu papel como Mark Zuckerberg no filme de David Fincher, “A Rede Social” (2010), um daqueles filmes produzidos de tempos em tempos que definem o comportamento de uma década. Um escritor nato, Eisenberg estreou na direção com “Quando Você Termina de Salvar o Mundo” (2022), uma narrativa que oferece muito de sua própria jornada e questionamentos pessoais. Em seu segundo longa-metragem, “A Verdadeira Dor”, um road movie indie norte-americano, Eisenberg dirige e também compartilha as cenas com Kieran Culkin. Juntos, formam, de fato, uma dupla energizante.
Na trama de “A Verdadeira Dor”, dois primos judeus, interpretados por Eisenberg e Culkin, se reconectam durante uma turnê do Holocausto pela Polônia, culminando na visita à casa de infância da avó que acaba de falecer. David (Jesse Eisenberg) é um sujeito reservado, ocupado com o trabalho, a esposa e o filho; Benji (Kieran Culkin), por outro lado, é espirituoso, ainda mora com a mãe e carrega feridas psíquicas não curadas.
Assim como em seu trabalho anterior, Eisenberg imprime muito de si em “A Verdadeira Dor”, trazendo para a trama elementos de sua própria vida, desde seus questionamentos sobre o mundo até sua ancestralidade, e até mesmo na criação de personagens, como Elodge, um sobrevivente do genocídio em Ruanda, inspirado diretamente em um de seus amigos pessoais. Nesse sentido, Eisenberg também se insere na narrativa através de um personagem que carrega aspectos de sua própria personalidade.
O epicentro de “A Verdadeira Dor” se concentra em dois primos que perderam o único elo que os mantinha conectados e, agora, com sua ausência, eles mesmos precisam buscar seus próprios motivos para permanecerem juntos. Especialmente, trata-se de uma jornada de dois personagens que, de maneiras distintas, expressam sua dor, mesmo que ela ainda esteja latente. É, essencialmente, a jornada de duas figuras buscando significado, assim como o próprio diretor.
Apesar da carga dramática, o filme é, ainda assim, uma comédia, especialmente materializada através de Kieran Culkin, um ator incomparável quando se trata de equilibrar com precisão as doses de humor e drama, como mostrou em sua interpretação de Roman Roy em “Succession” (2018-2023). Eisenberg coloca seus personagens em um local com um passado assombroso, fazendo dos seus conflitos uma camada trabalhada de maneira rica e profunda. Para ele, a questão central é fundamental: como lidar com a tristeza reprimida e a dor não resolvida?
A essência deste filme – simples, espirituoso e de baixo orçamento – reside na dinâmica entre os dois protagonistas e em suas distintas maneiras de lidar com a dor. David, em algum momento, enfrentou seu sofrimento intensamente, mas agora escolhe reprimi-lo, empurrando-o para o esquecimento. Benji, por outro lado, transforma sua dor em espetáculo, encantando com sua personalidade magnética e arrancando risos de estranhos enquanto expõe ao mundo. É nesse ponto que a verdadeira confissão de “A Verdadeira Dor” se revela: a compreensão da luta interna de Benji e, ao mesmo tempo, a percepção de David sobre o que significa viver à sombra de outra pessoa. Mas como invejar alguém tão quebrado? Alguém que, apesar de cativar todos ao seu redor, só consegue se conectar de maneira superficial?
Nesse sentido, “A Verdadeira Dor” resgata o espírito do cinema indie norte-americano dos anos 2000, lembrando muito o estilo de Richard Linklater, com cenários simples e diálogos poderosos que têm a capacidade de mover mundos. O filme é um retrato fiel de personagens modernos tentando equilibrar suas questões diárias com as atrocidades da história de seus ancestrais. Assim como começou, a obra termina com os dois primos no aeroporto. Desta vez, porém, com valores diferentes, tanto objetivos quanto sensoriais. Embora se espere uma grande transformação após a jornada pela Polônia, eles continuam essencialmente os mesmos. David retorna para casa, junto à sua família, enquanto Benji permanece no aeroporto, preso em seu próprio purgatório. Afinal, a dor está em todo lugar.
Leia também:
- Entenda o sucesso de “A Verdadeira Dor” nas principais premiações de cinema e TV
- A Substância | As referências que deram substância ao filme
- Crítica | “Ainda Estou Aqui” é cinema brasileiro como ato de resistência e memória