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Crítica | “A Sangue Frio” de Truman Capote
Na obra “A Sangue Frio”, publicada em 1965, Truman Capote faz um trabalho impecável ao contar a história de uma tragédia verídica em forma de ficção.
Na madrugada do dia 15 de novembro de 1959, uma cidade pequena do estado de Kansas (EUA), chamada Holcomb, foi o palco da chacina de quatro membros da família Clutter: o casal Hebert e Bonnie e seus filhos adolescentes Nancy e Kenyon.
Sendo uma cidade com menos de 300 habitantes na época e a família assassinada conhecida e admirada por todos, pairou-se sobre o condado um clima de total desconfiança e terror.
Em 1959, Capote já era conhecido por suas obras, como, por exemplo, “Bonequinha de Luxo”, lançada em 1958. Você pode talvez se perguntar: por que um escritor renomado se interessou pelo assassinato de uma família em uma cidade tão pequena, a ponto de escrever um livro? Entretanto, essa é uma das coisas que fizeram de Capote uma pessoa notável: sua autenticidade.
Truman, na companhia de sua melhor amiga Harper Lee (escritora de “O Sol é para todos”), viajou para a cidade de Holcomb a fim de entrevistar quantos habitantes fossem possíveis. Fazendo jus à sua genuinidade, o escritor não produzia anotações ao longo das entrevistas, nem as gravava – para ele, isso atrapalhava sua observação e intimidava os entrevistados, deixando-os tensos e fazendo com que não compartilhassem informações importantes. Capote evitou, também, expor suas opiniões e interpretações no livro.
Mesmo escrita como um romance, a emoção e a experiência da leitura não se baseiam em saber a conclusão da história, que, aliás, é contada logo em sua capa:
“A história dos quatro membros da família Clutter, brutalmente assassinados, e dos criminosos, executados cinco anos depois.”
Como aconteceu, o por quê e quais foram as consequências de tal ato são as respostas que recebemos. Por conta disso, o livro demorou 6 anos para ser publicado, pois Capote queria uma obra completa com o desfecho do destino dos criminosos.
Além de trazer informações sobre a família Clutter e de outros habitantes do condado de Holcomb, Capote nos conta a história dos assassinos Perry Smith e Richard “Dick” Hickock sem demonizá-los, ou seja, tratando-os como pessoas. Porém, isso não quer dizer de forma alguma que Truman normaliza os crimes dos mesmos. O que o escritor faz é apresentar os fatos, deixando-nos a tarefa de tirar nossas próprias conclusões, interpretações e opiniões.
Truman conseguiu tal feito, pois, quando os assassinos foram descobertos e detidos em 1960, teve a oportunidade de entrevistá-los. Ademais, o escritor acabou criando certo vínculo com a dupla, especialmente com Perry Smith, com o qual existe um rumor de que tenha vivido um romance.
Todavia, mesmo com a escrita magistral de Capote, a obra foi altamente criticada por não seguir à risca a veracidade factual exigida no jornalismo – sendo uma exigência e expectativa muito presente quando se trata do jornalismo literário. Com “A Sangue Frio”, Truman Capote marcou para sempre a relação entre o jornalismo e a literatura.
Não é uma leitura fácil – não por ter uma escrita complexa, e sim por colocar o leitor em um turbilhão de emoções e pensamentos, trazendo à tona questões delicadas e importantes, como a pena de morte, seu significado e seu propósito (que, em minha opinião, é demasiadamente questionável).
“A Sangue Frio” é um livro certeiro para quem busca questionar seus próprios valores, quem gosta de conhecer histórias verídicas e trágicas, e, especialmente, para os estudantes de jornalismo e aspirantes a escritores.
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