Cores e botas | 7 motivos para entender importância desta obra

O curta Cores e Botas é dirigido e roteirizado por Juliana Vicente e possui somente 16 minutos, mas carregado de reflexões

Atualmente a rainha dos baixinhos, Xuxa Meneghel, pode não ser tão popular entre o público infantil. No entanto, por quase três décadas, seus acessórios, cores e botas, por muito tempo foram uma febre entre os pequenos.

Ela foi uma das grandes estrelas para milhares ou talvez milhões de crianças brasileiras. Suas músicas estavam não só presentes em suas apresentações e filmes, como também nas escolas: o velho e famoso Abecedário da XUXA.

Mas por que estamos falando disso?

Primeiramente para entender um pouco sobre a influência que conteúdos midiáticos infantis possuem sobre o seu público alvo e, o mais importante, falar sobre algumas questões relevantes abordadas pela cineasta Juliana Vicente em seu curta-metragem de ficção Cores e Botas (2010).

Mulher sorrindo com Dreadlocks
Cineasta Brasileira Julia Vicente

Sinopse

No fim da década de 80, a pequena Joana tinha um desejo que era comum entre várias outras garotas: ser Paquita da Xuxa. Inclusive, ela era de uma família de classe média alta e seus pais apoiavam seus sonhos. Bom, até aí, temos força de vontade, apoio familiar, e poder econômico a favor da realização deste sonho. Entretanto, até o momento, nunca tinha se visto, uma paquita preta.

Cores e Botas é um curta-metragem brasileiro que já foi exibido em mais de 15 festivais e recebeu mais de 5 prêmios, como no Festival Iberoamericano de Cortos – Imagines Jovenes – Premiação dos Jurados Jovens.

Roteirizado e dirigido por Juliana Vicente, a obra conta com Bruno Lourenço, Dani Ornellas, Jhenyfer Lauren e Luciano Quirino como elenco principal. A narrativa possui somente 16 minutos, mas é carregada de reflexões. Entenda:

1- Consumo

As botas são definitivamente algo predominante durante todo o curta. A Joana em particular parece até mesmo ter uma coleção de botas da Xuxa. Seu quarto possui vários acessórios com referências à apresentadora: cartazes, brinquedos, discos entre outros.

Menina preta, colocando bota branca em um dos pés.
Joana – Cores e Botas

O que isso tudo retrata? Como desde pequenas e já nessa época as crianças são vistas como público consumidor e instigadas a comprar coisas emocionalmente e não racionalmente. 

2- Ausência de representação

“Por que você nem parece um paquita!”

“Será que vamos ter uma paquita exótica?”

A ausência da diversidade na mídia não afeta somente Joana, bem como as pessoas à sua volta. Suas colegas de escola, as avaliadoras do teste, todos enxergam a pessoa branca como um padrão social e quem foge desta norma é excluído

Em Cores e Botas, o desejo e a atitude de Joana em tentar ser paquita é visto com desdém, deboche, algo anormal. 

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3- Ausência de identidade 

A protagonista não visualiza nada que traga suas características e referências no programa da Xuxa, como o cabelo, que inclusive ela tenta mudar para se adequar ao “padrão”. Temos aí o que pode ser considerado um dos fatores que propiciará a perda de identidade.

Menina preta olhando-se no espelho, com as mãos no cabelo.
Joana – Cores e Botas

4- A regra do negro único  

Falamos simploriamente dessa regra do negro único nesta matéria: A representação da pessoa negra em narrativas audiovisuais hollywoodianas e brasileiras.

A abordagem da regra na obra Cores e Botas não é para trazer uma falsa ideia de representação preta e sim para reafirmar a falta dela e do quanto ela é necessária. 

Meninas sentadas no chão
Todas as garotas que estão ao entrono da Joana são brancas .

5- O mérito não é suficiente

Querer é poder – sussurrou  Joana depois de ter ensaiado, se preparado e estar toda caracterizada e confiante para realizar o teste.

E, propositalmente, temos a música Lua de cristal que fala sobre acreditar e “correr atrás” dos sonhos, de não desistir. A Joana se empenhou, fez a parte dela….

Música Lua de Cristal

6- Branca loira e magra

Em certo momento da narrativa fica bem claro o padrão de corpo que era estabelecido às paquitas selecionadas.

Varias garotas loiras, vestindo roupas iguais
Paquitas da Xuxa

7- A história de milhões de crianças brasileiras 

Quantas garotas brasileiras hoje adultas não tinham o mesmo sonho que a Joana? Talvez não de ser paquita, mas ser igual a Xuxa e infelizmente tiveram que lidar com uma triste realidade: só talento e determinação não eram suficientes, pois era necessário também estar encaixada em uma “norma” que exclui um universo de crianças, uma imensidão de sonhos.

Juliana Vicente conta um pouco sobre sua formação e sobre uma das suas inspirações para o curta Cores e Botas.

Por fim, ao final desta leitura, entenda que não estamos aqui para desmerecer o trabalho da apresentadora Xuxa ou de qualquer outra apresentadora, mas sim para gerar algumas reflexões:

  • O curta apresenta uma realidade da década de 80. O quanto as coisas mudaram de lá para cá?
  • Cores e Botas mostra a importância da representação não somente para pessoas pretas como também para as brancas, visto que a mídia tem o poder de influenciar nossa visão de mundo e a ausência da diversidade na mídia naturaliza e reforça a exclusão da pessoa preta na vida real.
  • Outro ponto importante é que não é só sobre ter mais representação como também a qualidade desta, ou seja, não adianta várias personagens pretas nas produções audiovisuais que fazem os mesmo papéis: motorista, escravo, o morador de comunidade, entre outros. São papeis importantes, mas só eles não representam a realidade de todas as pessoas pretas brasileiras.

Entenda mais em:

Bom, já que você chegou até aqui, que tal dedicar 16min para apreciar essa obra maravilhosa e tirar suas próprias percepções?

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Leda Camara
Leda Camara

Paulistana, mas de coração mineiro, formada em Publicidade e Propaganda e pesquisadora midiática, atualmente finalizei meu segundo artigo acadêmico. E adivinha sobre oque eles falavam?
Sim, narrativas audiovisuais, o primeiro artigo é sobre a série Malhação - Viva a diferença e o segundo sobre a Viúva negra no MCU. Ambas as pesquisas norteiam questões de gênero e representação.
Além deste universo do cinema que amo, atuo nas áreas de employer branding e employee experience.

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