Cinefantasy 2021 – Entrevista com Monica Trigo e Eduardo Santana

Tendo inicio em 2010, o festival de filmes Cinefantasy, continua firme e forte fazendo suas exibições por modo online durante a pandemia. Os filmes abrangem diversos temas, como horror, ficção cientifica, fantasia e suspense.

O festival realizou sua 11ª edição este ano e mais uma vez se provou um grande sucesso, trazendo milhares de filmes novos que fogem do tradicional, trazem representatividade e mostram o quão longe o cinema fantástico pode ir.

Batemos um papo com os organizadores Monica Trigo e Eduardo Santana para saber mais sobre como foi o processo para realizar essa segunda edição online e os planos para as próximas edições.

Imagem do filme do Cinefantasy: Amigo, de Oscar Martin. Na cena temos dois rapazes sentados perto de um rio em um dia nublado e frio. Um rapaz está na cadeira de rodas com um olhar bravo e o outro sentado no chão está sorrindo
Divugação: Cinefantasy

Hoje em dia existe uma dominação dos grandes filmes de Hollywood nas telas dos cinemas e na mente do público, mas o Cinefantasy permite uma exploração diferente do cinema. qual característica que o Cinefantasy traz que você acredita ser essencial para se diferenciar desses filmes “blockbuster”? 

O CINEFANTASY tem no seu DNA a criação de uma vitrine abrangente e heterogênea do que há de vanguarda e único no cinema de gênero produzido no Brasil e no mundo, isso já é um diferencial frente às produções hollywoodianas. 

Nas três últimas edições foram mais de 2.500 filmes exibidos, de quase 100 países do mundo, com temas regionais como lendas romenas, irlandesas, panamenhas e seguindo pelos mais universais – como a especulação da realidade em uma ficção científica húngara ou mais pop como zumbis gregos e árabes perambulando de burcas em Dubai e, o realismo mágico filmado nordeste brasileiro. 

O Cinefantasy tem essa preocupação de exibir o que tem de “novo” no cinema, mas com qualidade e com ousadia. Isso apenas no sentido da difusão. Mas para além das exibições nas mostras, oferece discussões sobre os processos criativos de cada filme e debates que essa discussão traz para o enriquecimento do setor. 

A diversidade sempre foi uma grande parte do Cinefantasy e essa abertura para representatividade é muito importante ainda mais nos tempos atuais, o que vocês esperam que o festival deixe para as pessoas refletirem sobre esses temas?

A criação das pautas afirmativas veio com a participação da Monica Trigo, que tem uma trajetória de luta pela democracia e fortalecimento da representatividade no segmento audiovisual. 

Em 2018 ela assumiu a direção do Cinefantasy e já propôs no mesmo ano, a criação de uma mostra para realizadoras mulheres, dando origem à “Mulheres Fantásticas”, uma mostra exclusiva para diretoras mulheres. 

Já em 2019 foi a vez da mostra “Fantástica Diversidade” para filmes do gênero fantástico com temática LGBTQIA+. 

No ano passado, foram criadas as mostras “Pequenos Fantásticos” e “FantasTeen”, com o objetivo de exibir produções para crianças a partir de 05 anos e pré-adolescentes e adolescentes, justamente para ampliar o público do cinema de gênero. 

Na edição de abril de 2021, criou a mostra “Fantastic Black Power” para realizadores negres.

O festival defende que as mostras têm um papel importante na reflexão para o cinema de gênero: como a exploração das mulheres nos filmes de horror que são tratadas como apenas um objeto de desejo ou a “final girl” de alguns títulos; a estereotipização dos gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans e; garantir espaços para os realizadores negres, já que no Brasil 54% da população é negra ou parda, e no cinema de gênero não chega a 1% de realizadores. 

O Cinefantasy é pioneiro dentro dos festivais de gênero no mundo, mas entende que essas pautas devem estar presentes em todos os festivais, aqui no Brasil e na América Latina. Essa é uma luta constante da direção.

Cena do filme Rodson, que fez parte do Cinefantasy onde uma personagem ao fundo está de costas, sendo possível ver apenas um vestido e um chapéu cobrindo seu corpo.
Divugação: Cinefantasy

O evento já trouxe versões como o Esquenta Cinefantasy, o Circula Cinefantasy e o mais atual Quarentena Cinefantasy. Com a pandemia ainda ocorrendo, existem planos de um evento similar trazendo filmes das edições anteriores? ou até mesmo quem sabe um Cinefantasy Drive-in? 

O Cinefantasy desenvolvia atividades durante o ano inteiro com sessões comentadas nas periferias da cidade de São Paulo e na Grande São Paulo, numa ação de permanente difusão do gênero.

Em 2020 havia uma programação de itinerância pelo Brasil com a mostra “10 anos de Cinefantasy”, aberta em fevereiro de 2020 em Porto Alegre, por conta da pandemia as seguintes foram canceladas.

Com a necessidade de isolamento social, o festival criou a “Quarentena Cinefantasy” onde disponibilizou mais de 100 títulos, gratuitos, em exibição online no canal do YouTube do Cinefantasy e 19 colunas com pensadores e especialistas sobre o universo fantástico.

No mesmo ano, a abertura da 10ª edição aconteceu no Belas Artes Drive-in, no Memorial da América Latina (SP), com a estreia mundial do filme “O Cemitério das Almas Perdidas” numa sessão com 100 veículos. E no dia seguinte com exibição da obra na plataforma de streaming “Belas Artes à La Carte”. O festival teve parte da programação exibida no Imprensa Drive-in em Fortaleza (CE) e oito títulos no Cineteatro Guarany e Teatro Amazonas em Manaus (AM).

Todas essas possibilidades exploradas em 2020 consolidaram o formato híbrido do Cinefantasy.

Leia também:

Critica | Vermelho, a Cor Interior – Cinefantasy

Crítica | O erótico e o escapismo pela arte em ‘Playdurizm’ – CineFantasy

Crítica | “Os Guardiões do Tempo” em uma aventura mágica – Cinefantasy

Essa é a segunda edição no formato online, a edição de 2020 chegou a ter altos números de visualizações, após a pandemia esse é um modelo que se tornará permanente ou existe o desejo de retornar as exibições presenciais?

O formato online tem um alcance maior, chega em todo o país (ao público que têm acesso à internet), mas ao mesmo tempo não tem a magia de uma sala de cinema, com seu projetor, a grande tela, som de alta qualidade e o convívio de um festival de cinema.

E ainda existe a triste realidade de algumas exibições online que estão mais vulneráveis as piratarias dos títulos, por falta de segurança de algumas plataformas. O que pode destruir a carreira de uma obra. 

O festival retomará as exibições presenciais assim que for possível, já que o Cinefantasy sempre foi um local de encontro de diretores, produtores, atores e técnicos e onde surgiram várias parcerias para produções futuras, isso devido às relações travadas com o mercado audiovisual.

E como ambos os formatos se mostraram interessantes, o híbrido se tornou uma tendência mais inclusiva.

Cena do filme Ravina, que fez parte do Cinefantasy, onde dois homens estão  encostados em uma parede de pedra. Um dele está de olhos fechados e o outro olha para cima procurando algo.
Divugação: Cinefantasy

Com tantos filmes e tantos cineastas participando no festival todo ano, existe algum filme que passou pelo festival que marcou muito vocês? 

Essa é uma pergunta muito difícil de responder, já são 12 edições e cada uma é especial: são mais de 1.300 filmes exibidos, é impossível pensar em apenas um filme… 

Por exemplo, na 4ª edição com a presença do diretor Marc Price do filme “Colin” que foi exibido em Cannes, a sessão teve público acima da capacidade da sala e a Guarda Metropolitana ficou na entrada para que não houvesse invasão.

Já no 6º Cinefantasy o diretor italiano Ruggero Deodato de Cannibal Holocaust  veio pela primeira vez ao Brasil para uma homenagem e para a exibição de três de seus filmes, contando ainda com um bate-papo com o jornalista italiano Paolo Zelati e o crítico de cinema Luiz Carlos Merten na Cinemateca Brasileira lotada

Na 9ª edição realizada no Museu da Imagem e do Som, houve uma sessão dupla e simultânea do filme “Morto Não Fala”, do diretor Dennison Ramalho, também com superlotação das salas, numa noite de chuva intensa na capital paulista. 

Em 2020, “O Cemitério das Almas Perdidas’‘ teve lotação máxima no drive-in e o acesso de 4.000 visualizações nas duas primeiras horas do filme na plataforma streaming. 

Em 2021, a película “Horror Noire” e o debate com a Dra. Robin Coleman foi destaque nos principais veículos de comunicação do país.

O Cinefantasy vem crescendo muito a cada ano, qual tem sido a maior dificuldade e a maior conquista que tiveram realizando os festivais?

A maior dificuldade é desmistificar o gênero fantástico, provar para os diretores de marketing, empresários, Governos e mídias não especializadas que o cinema fantástico é um grande caldeirão com diversos tentáculos (como representado no logo do festival). 

A dimensão do Cinefantasy pode ser comprovada com seus números: o 11º Cinefantasy teve um retorno de mais de R$20milhões em mídia espontânea somente no Brasil, se mantendo como o principal festival de cinema fantástico em terras brasileiras.

E apesar desses números, o festival é ainda pequeno comparado com os grandes festivais de cinema no Brasil e infelizmente não há nenhum festival de cinema de gênero grande, o que se comprova com os orçamentos dos festivais fantásticos realizados no país.

Mas o Cinefantasy tem diferenciais importantes como a integração entre festivais de gênero: é membro-fundador da FANTLATAM – Alianza Latinoamericana de Festivales de Cine Fantastico que composta por 21 festivais de cinema da América Latina; é membro do FÓRUM DOS FESTIVAIS, única instituição de festivais brasileiros de cinema e; membro da RED IBERO FEST – Red de Festivales de Cine de Iberoamérica composta por 195 membros. 

Foto do cineasta Neville D'almeida, que participou do Cinefantasy segurando com a mão direita uma camera encostada em seu rosto e com a mão esquerda um livro com figuras de cenas de filmes.
Divugação: Cinefantasy

Essa foi a 11ª edição do Cinefantasy, quais as expectativas que possuem para a próxima edição?

A grande novidade é a realização de duas edições em 2021: a 11ª em abril passado e a 12ª no período de 09 a 19 de setembro. Sempre com a programação dividida em mostras competitivas, mostras paralelas e atividades de formação no formato online e se os protocolos sanitários permitirem eventos presenciais e a vacinação avançar, também na cidade de São Paulo.

Ainda em relação à 12ª edição que tem como tema “ASSÉDIO NÃO”, o diferencial se dá por conta do olhar 100% feminino: são 16 curadoras e 45 juradas, exposição, atividades formativas e a homenagem a uma mulher ícone do cinema brasileiro. 

E desta vez, além da questão da representatividade, o debate trará para o centro da discussão o assédio sofrido por mulheres realizadoras, atrizes, técnicas na atividade audiovisual e até em festivais de cinema.

É a contribuição do festival para a cidadania!

E ai já estão preparados para a segunda edição esse ano? Cinefantasy retorna no dia 9 de setembro para a 12ª edição e as inscrições para enviar seu filme já estão abertas.

E se você gostou do nosso conteúdo, apoie-nos através das nossas redes sociais e acompanhe nosso podcast

Facebook RSS Youtube Spotify Twitch


Receba conteúdos exclusivos!

Garantimos que você não irá receber spam!

Compartilhe essa matéria!
Pedro Agnelo Camargo Goes
Pedro Agnelo Camargo Goes

Estudante de semiótica, apaixonado por séries, filmes e games e tudo que envolve cultura. Sempre aberto pra filosofar sobre aleatoriedades do dia a dia

Artigos: 45
Se inscrever
Notificar de
guest
1 Comentário
Mais velho
Mais novo Mais votado
Feedbacks em linha
Ver todos os comentários

[…] Cinefantasy 2021 – Entrevista com Monica Trigo e Eduardo Santana […]