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Crítica | As verdades ácidas entre Malcolm & Marie
A Netflix tem prometido um filme por semana como um presente para os fãs do streaming. Já tivemos o melodrama Pieces of Woman e a comédia brasileira Pai em Dobro. Agora, nesta última sexta-feira, dia 5, foi adicionado ao catálogo o drama em preto e branco estrelado por Zendaya e John David Washington, Malcolm & Marie.
Malcolm & Marie não foi lançado como parte do plano da Netflix para a Award Season (temporada de premiações) de 2021. Porém, logo de cara é importante enfatizar que Zendaya tem uma força muito grande dentro do filme. Portanto, a atriz deveria ter alguma consideração por parte do streaming.
A história do filme conta a noite de um casal que volta da estreia de um longa. Malcolm é um diretor de cinema, enquanto Marie é sua namorada. Após ele ser aclamado, Marie começa a responder às atitudes do jovem diretor. Assim, durante essa madrugada, segredos vão sendo revelados e uma DR extensa começa.
O longa foi produzido durante a pandemia porque o diretor Sam Levinson não queria ficar tanto tempo sem atividade, uma vez que a segunda temporada de Euphoria não pôde ser gravada. O diretor então retomou sua parceria com Zendaya, mas também chamou John David Washington.
Desde que fora anunciado, Malcolm & Marie tem sido comparado com A História de Um Casamento. Mas é um tanto quanto injusto comparar duas obras tão distintas, uma vez que A História de Um Casamento realmente perpassa por diversos momentos de uma relação problemática. Malcolm & Marie, por outro lado, já não tem os mesmos recursos criativos para ditar a dinâmica da relação de ambos.
O filme abre com a câmera estática fora de uma casa de vidro, enquanto vemos um carro descendo uma pequena ladeira e os créditos iniciais vão aparecendo. Então, após todo esse longo plano, o longa entra na casa.
Nos primeiros minutos, o filme já dita que há algo de errado na relação dos personagens. Ambos parecem um tanto quanto distantes, mas a distância entre o casal pode ser disfarçada pela empolgação de Malcolm com as críticas positivas de seu filme novo. Enquanto isso, Marie já passa despercebida no começo, até que sua presença começa a ganhar mais enfoque nos monólogos iniciais.
Não demora muito para Zendaya mostrar as suas garras e ter certeza de quais motivações a puxam para o papel. Por mais que seja uma atriz em formação, a jovem tem muita perseverança quando pega seus papéis. Ela não só entende seus personagens, como internaliza os sentimentos deles.
Aqui ela pega uma personagem bem mais assertiva, mais frígida. Então, o que prevalece durante a maior parte do filme é a sua presença em cena. Mas quando ela externaliza as emoções de Marie, precisa alterar sua voz e passar pelas outras facetas de sua personagem, e o faz de uma maneira muito consistente. Poderia cair numa caricatura, porém sua técnica é muito bem estudada.
Enquanto isso,, seu parceiro de cena, John David Washington, também consegue ter uma atuação boa. Ele passa pelos momentos dos personagens de maneira bem natural, mas talvez ainda esteja um tanto quanto cru para certos momentos.
O ator não se segura tão bem quanto a Zendaya no papel porque tem uma certa dificuldade em encarar os momentos mais explosivos e raivosos do personagem. Assim, Washington fica um pouco canastra e não tão carismático, mas ainda sabe passar por algumas cenas mais dramáticas de maneira bem competente e forte.
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Agora, o roteiro de Sam Levinson é que acaba sendo o próprio telhado de vidro dentro do filme. Ele acaba querendo criar muitas referências ao cinema independente americano, mas volta suas analogias e críticas para como cineastas negros são recebidos pela imprensa. É esse senso de obrigatoriedade em falar de raça que pega pesado dentro da obra.
Muitas das vezes essa necessidade de criar um comentário sobre raça não chega a lugar nenhum. Mesmo Levinson sendo um homem branco, existe a possibilidade dele criar uma analogia interessante, porém, não passa de uma prepotência do próprio diretor.
A mesma falta de rumo para os discursos de raça se estende ao próprio filme, uma vez que ele começa a se rebuscar tanto e a dar tantas voltas que não existe mais um destino. A obra passa muito tempo com comentários rasos que não somam ao plot principal do casal dentro do filme. Pode parecer que uma discussão puxa a outra, mas as pontes entre esses diálogos não se sustentam para se tornarem críveis e palatáveis.
Entretanto, a analogia que Levinson cria entre um relacionamento problemático e a casa de vidro é bem inteligente. O diretor demonstra sabedoria ao criar um espaço labiríntico. O tempo todo vemos os personagens saindo da casa, mas voltando querendo discutir ainda mais os temas propostos no filme. Essa técnica funciona diversas vezes porque vai de encontro ao relacionamento frágil e sufocante entre os dois.
No fim das contas, o que faz Malcolm & Marie decair é não decidir os rumos das discussões, mas querer decidir o destino do casal. Na metade da fita, o diretor já deixa claro em qual ponto o casal vai chegar, mas para atingir o tal ponto os diálogos teriam que ter tido uma precisão melhor.
Por outro lado, a fotografia do filme é belíssima. Ela cria um senso de vazio existencialista entre ambos os personagens. Além disso, acaba por aprofundar a estética em preto e branco usada aqui, afundando-se dentro dos sentimentos que os personagens internalizam e externalizam. É um uso de paletas muito inteligente.
Malcolm & Marie não é o novo A História de um Casamento porque ambos os filmes demonstram técnicas e assuntos bem diferentes. Mas Malcolm & Marie se perde demais querendo criar analogias e metalinguagens dentro do filme, o que o torna um tanto monótono de vez em quando. Ainda assim, Zendaya brilha e se destaca como uma das mais interessantes da sua geração, assim como Florence Pugh e Anya Taylor-Joy.