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Alegorias cinematográficas em História de um Casamento
Ao longo do filme História de um Casamento, há certos elementos dispostos em cena, que evidenciam, de forma simbólica, determinadas questões e sentimentos transmitidos ao decorrer da narrativa, em especial a separação do casal. Isso se deve ao uso da técnica alegorias cinematográficas.
Um pouco de Teoria…
Símbolo é algo que representa outra coisa, assim sendo, não é a coisa propriamente dita e real. Essa questão envolve os estudos da semiótica, portanto não é necessário nos aprofundarmos nisso. O que é preciso saber é que, para um símbolo representar algo, é necessário que o telespectador faça a conexão com o que ele quer simbolizar, qual significado quer transmitir. Desse modo, deve estar associado ao meio sociocultural no qual o público faz parte.
É mais simples do que parece…
A maçã mordida pode significar: uma fruta, a logo da Apple, o fruto proibido, a maçã da Branca de Neve. A conexão vai depender da construção narrativa a qual foi empregada na cena. Logo, o telespectador irá interpretar qual significado simbólico dar a maçã. Perceba que há uma simbologia pré-concebida culturalmente na mente do público, que está sendo direcionado sobre os significados da fruta.
Essas são algumas facetas da linguagem do cinema, denominadas Alegorias cinematográficas, isto é, representar, referir-se à algo de forma abstrata ou figurativa por meio de padrões de enquadramentos, objetos, pessoas, expressão, diálogos, que juntamente com o contexto da história geram interpretações e ligações ao que se deseja representar.
Podem ser valores simbólicos pré-estabelecidos culturalmente ou desconstruídos para se adaptar ao outro significado, como é o caso das narrativas em que os roteiristas ou diretores não podem depender de símbolos existentes. Assim, precisam criar outros que carregam significados derivados do próprio contexto do filme e que reforçam o que o longa quer transmite ao criar ligações diante desse carregamento simbólico.
Vale ressaltar, que capacidade de criar essas conexões dependerá muito do conhecimento e do nível de interpretação dos telespectadores: um mesmo filme pode ter diferentes significados e recepções pelo público.
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Alegorias cinematográficas na prática
Observem os dois protagonistas: ambos nas extremidades, e há algo entre eles….. parecendo criar uma barreira que os separa, querendo nos dizer algo…
Ao decorrer do filme, o pequeno Harry é visto ao lado deles algumas vezes, mas de outra forma, na qual parecia ser um elo entre os dois. Havia até mesmo alegria, e em outro momento deitado com os pais, mas não entre eles.
Porém nessa cena…
O principal motivo que os fazem estar juntos parece agora, simbolicamente, uma barreira a separá-los.
Nicole e Charlie estão há centímetros de um toque, mas os olhares não se encontram: eles olham fixamente para frente.
Assim, entende-se que suas vidas teriam que seguir de formas paralelas: na mesma direção, uma ao lado da outra, mas nunca unidas! Quando os olhares finalmente se encontram, a porta se fecha.
Ambos novamente próximos, a poucos passos. No entanto, não somente existe uma paredes entre eles. As cores do ambiente que cada um está se contrastam, sugerindo que não se encaixam mais à realidade do outro.
Eles agora dividem o mesmo espaço. Estão de frente para outro, nada os separa além do nada… um espaço vazio.
Em História de um Casamento, vemos poucas vezes Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver) dividindo a mesma câmera. Na maioria dos poucos momentos, que tivemos o privilégio de vê-los em um mesmo enquadramento, havia algo entre eles: um vazio, uma pessoa, objeto, ou qualquer outro elemento entre ambos que carregava um valor simbólico diferente do seu significado original. Evidenciava-se um sentido único: o sentimento de separação, mesmo que talvez ainda existisse amor.
Esse padrão de alegorias cinematográficas é nomeado como um estilo: alegoria por repetição. O surgimento constante desse recurso, carregado de um significado simbólico específico, nos indica com maior intensidade a cada aparição que a separação é evidente e inevitável.
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Há outros tipos de alegorias cinematográficas, como a promovida pelo valor inserido a um objeto ou personagem. Como exemplo, temos as cenas finais de Django Livre, quando estava sendo levado pelos funcionários do LeQuint Dickey Mining Co:
Observe que, enquanto ele engabela os escravistas, em certos momentos significativos vemos essa conversa através das grades da jaula que está sobre a carroça. Nesta, estão os três escravos, especialmente um que teme muito Django.
Note que a câmera se posiciona de uma forma, que é como se víssemos a partir do olhar dos escravos aprisionados. Quando a câmera volta em direção aos escravos para ver suas expressões confusas do porquê os capangas estão soltando Django, os vemos atrás de grades.
Em todo processo eles enxergam diante das barras de ferro e, após a explosão em que Django sai ileso e se aproxima da carroça, permanece a visão através das barras de ferro, até que o protagonista se põe à porta da jaula.
Esse é o primeiro momento que não vemos os escravos diante de grades. Depois de pegar as dinamites, Django monta em um cavalo branco e segue para o horizonte em busca da amada, do seu propósito!
Nessa narrativa, as grades são uma alegoria representando a escravidão. Tudo o que os negros viviam era sem direito à liberdade. As ações de Django nessa cena significam um ato heroico demonstrando que, apesar de ser vítima da escravidão, lutaria até o fim por sua liberdade.
Django livre, sobre um cavalo branco, em direção ao horizonte, diante dos olhares deslumbrados dos homens dentro da jaula. Nesse cenário, o protagonista faz a alegoria do Herói.
Por fim, as alegorias cinematográficas são uma das razões que justificam a mágica da arte do cinema. Elas trazem discursos que vão além do óbvio, enriquecem a obra de significados profundos e podem ser usadas para críticas sociais, ressaltar um acontecimento histórico, enfatizar sentimentos, entre outras associações. Às vezes, o telespectador pode descobrir o que talvez nem o próprio autor não foi capaz de perceber.
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